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Fotografia: Garrett Coyte
Publicado a: 17/12/2018

Young Thug não é deste planeta

Fotografia: Garrett Coyte
Publicado a: 17/12/2018

ATLiens, o segundo álbum dos Outkast, abriu várias portas, mas a mais importante terá sido a da credibilidade para o rap que se fazia em Atlanta, Geórgia. Porém, Big Boi e Andre 3000 estariam longe de imaginar que, passados 22 anos, a cidade seria um autêntico viveiro de talentos, grande parte deles ligados a um dos sub-géneros musicais mais escrutinados da última década, o trap, principal fonte de matéria-prima para a música pop que aparece no topo das tabelas da Billboard.

Entre os artistas mais sonantes de diferentes gerações — nomes como T.I., Future, Ludacris, Lil Jon, Jeezy, Migos, Gucci Mane, 21 Savage, J.I.D., Playboi Carti ou EarthGang fazem parte dessa lista — emerge Young Thug, único rapper que parece encaixar nessa ideia de alienígena de ATL. Alguém com uma predisposição para a melodia e para o abstracto, duas coisas que parecem não funcionar à partida, mas que, de alguma forma, soam naturais e coesas na obra de Thugger.

“Eles cantam como se não tivessem nada na cabeça, mas, mesmo assim, conseguem juntar as peças”, disse, a propósito de “Stoner”, numa entrevista com Thom Bettridge e Virgil Abloh, mas a resposta serviria perfeitamente para uma pergunta como: “o que é um Young Thug?”



A 16 de Agosto de 1991, Jeffery Lamar Williams, caindo sabe-se lá de onde, aterrou em Atlanta e foi a partir daí que se transformou naquilo que é hoje, mesmo que o contexto familiar e social o tenha “empurrado” para fora da escola — foi expulso depois de partir o braço a um professor — e para a prisão umas quantas vezes — a última nem foi assim há tanto tempo. Para ajudar o decifrar o mistério: Hot Boys, DMX, Dru Hill, Mariah Carey, Monica, Yeezy e Gucci Mane foram a banda sonora da sua infância e adolescência.

Herdeiro do também muitas vezes incompreendido Lil Wayne, Thug reúne um consenso entre colegas que se afasta bastante da dividida opinião pública sobre a sua arte. Recentemente, J. Cole chamou-lhe génio. E não é por acaso que gravou muita música (que não foi lançada) com Kanye West e Travis Scott, colaborou com Chance The Rapper, Drake, Swizz Beatz, Meek Mill, Migos, Jamie XX, 2 Chainz ou Future e remisturou temas de The Weeknd e Frank Ocean. Para além disso, o excêntrico artista vai buscar fãs aos sítios mais inesperados: Iggy Pop ou Elton John são os que saltam mais à vista.

A pop também reconhece a sua sensibilidade musical ou, numa visão menos positiva e mais empresarial, percebe que a sua weirdness vende. Entrou em “Havana“, de Camila Cabello, “Heatstroke“, de Calvin Harris, ou “This is America“, de Childish Gambino, hits em que contribuiu de diferentes maneiras, mas sempre com a sua marca: cadências imprevisíveis, palavras imperceptíveis à primeira audição e uma entrega melódica incomum.



Apesar de contar com várias mixtapes — a primeira saiu em 2011 –, projectos colaborativos e compilações no seu currículo — é um verdadeiro workaholic que mal sai do estúdio –, ainda lhe falta o álbum de estreia, uma peça que poderá ser importante para o colocar numa posição mais privilegiada do que a dos seus pares.

On the Rvn, lançado este ano, é o seu trabalho mais consistente, sucedendo a três outros registos bem-conseguidos, Jeffery, Beautiful Thugger Girls e Super Slimey, com Future. Por esta altura, os melhores cientistas do mundo ainda devem estar a tentar entender a forma como Stelios Phili, o produtor de serviço, e Thug pegaram no sample de “Rocket Man”, de Elton John, e o transformaram numa canção completamente diferente, mas igualmente poderosa — e facilmente uma das melhores da sua carreira. Mais: conseguiu tornar Jaden Smith suportável em “Sin”.

Tom Breihan, editor-sénior da Stereogum, dizia, por outras palavras, que a simples existência de Young Thug era um desafio à homofobia no rap. Um “gangster de vestido” que chama “lover”, “hubby” ou “bae” a homens — pode não parecer grande coisa, mas relembro-vos que estamos a falar de um artista de Atlanta que é parte de um dos ecossistemas musicais com mais testosterona — e utiliza roupa de mulher, ignorando categoricamente as dúvidas que isso levanta sobre a sua sexualidade.



Em The Rap Year Book, livro que disseca as canções mais importantes do género desde 1979 até 2014, Shea Serrano, o autor, encerra a lista com “Lifestyle”, canção de Jeffery com Rich Homie Quan, e destaca a extravagância aliada às formas não-convencionais de rimar e cantar para justificar essa escolha.

O rapper legitimou aqueles que vieram depois: da mesma forma que Kanye West inaugurou o caminho que Drake trilharia anos mais tarde para se transformar num dos artistas pop mais celebrados, Young Thug mostrou que existia espaço para que alguém como Lil Uzi Vert, por exemplo, invadisse o mainstream com naturalidade.

Para Thug, que completou 27 anos em 2018, ainda existem muitos items para riscar na sua eventual e provável lista de metas a alcançar. “Eu sonho ganhar 20 Grammys. Eu sonho ser reconhecido como o melhor (e o mais rico) rapper vivo”, assumiu numa conversa publicada na Interview Magazine. Unanimemente nunca será e, olhando para a sua discografia, dificilmente o conseguirá, mas daqui a uns anos, quando olharmos para trás, o seu nome aparecerá certamente como um dos mais relevantes e marcantes artistas da sua geração. E, numa era com tanta oferta, isso diz muito sobre o o valor da sua obra.

Para Thugger, ser-se diferente nunca foi uma opção: ele limita-se a existir. Somos nós que temos que o encaixar.


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