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Fotografia: Bernardo Casanova
Publicado a: 10/02/2025

Lotação esgotada para ver em acção do autor de do.mar.

Van Zee no Coliseu dos Recreios: onda fácil de apanhar

Fotografia: Bernardo Casanova
Publicado a: 10/02/2025

Ainda há clichés bonitos. O mar é um deles. Há algo nesse azul imenso que nos fascina. Tem um lado calmo que nos magnetiza e nos convida a contemplar, outro mais agitado que nos coloca em sentido perante a força bruta com que a natureza se expressa diante do nosso olhar. O mar já foi tópico central de filmes, pinturas, poemas ou, claro, canções, mas talvez não tivesse ainda sido tão fortemente colado à imagem de um só artista, como tem feito Van Zee, cujo nome se traduz, do holandês para o português, como “Do Mar” — a mesma expressão que usou para intitular o seu álbum de estreia, do.mar, de 2023.

No alinhamento desse primeiro grande trabalho em nome próprio, a canção que mais ressoou deste lado foi “Para Casa”. É uma das mais rodadas pelo público, mas não chega a entrar no top 5. São 4 minutos de pura ondulação embalada pela produção aprimorada de Nort, sob a qual o artista madeirense faz transparecer o lado mais cristalino da sua lírica característica da gen Z, em que o inglês aufere um protagonismo óbvio devido à globalização e se entrelaça com a língua lusa. Bem no arranque da faixa, há uma sucessão de versos que não deixa ninguém indiferente face à sua sensibilidade poética:

“Perguntam se sou da ilha, eu não sou da ilha, mano sou do mar
Preciso de um tempo p’ra associar, I’m feeling restless
Hoje encaro a noite de frente on my best shit
Pergunto à querida o que ela quer for breakfast
I’m throwin’ backflips nessa minha onda
O meu past já não me assombra
Tive de manter fé, de esquecer merdas
De bater pé ‘pó barco não afundar
Quero viver à grande, my baby
Sei, tenho feito confusão, nah lately
Uns vivem do sangue e eu morri de tanto
Quero-me sentir brando, my baby”

O antepenúltimo tema de do.mar é, provavelmente, o mais bonito da ainda curta, mas já recheada de alguns sucessos, carreira de Sebastião Caldeira até ao momento. Podia muito bem ser aquela que dá mesmo o disco por fechado, pelo tom meditativo com que gira em torno do infinito azul que circunda a ilha onde nasceu Van Zee e do mar de sentimentos que lhe invade o peito quando se propõe a fazer uma retrospectiva do trajecto que trilhou até aqui chegar. Há uma sensação de conclusão em “Para Casa” que foi aproveitada na passada sexta-feira, 7 de Fevereiro, quando o rapper actuou perante um Coliseu dos Recreios, em Lisboa, completamente lotado, naquele que foi o seu espectáculo a título individual mais ambicioso até à data.

A meia hora do concerto iniciar, já pouco espaço existia para deambular por entre a plateia em busca de um local estratégico que permitisse observar com detalhe toda a acção que se iria desenrolar em palco. As primeiras notas fizeram-se soar 10 minutos após a hora marcada, para deleite do jovial e impaciente público do madeirense, essencialmente constituído por adolescentes e (muito) jovens adultos. Quando o refrão de “Amar De Cor” se suspende no ar para o arranque da festa, toda a gente se elevou e cantou quase em uníssono a grade maioria das letras que o artista leva na bagagem. Os que não cantavam, pelo menos dançavam ou, no pior cenário, disparavam gritos de histeria, entre os quais era possível decifrar frases como “ele é lindo” ou “adorava casar com ele”.

Tal como o mar, há algo de especial em Van Zee que faz com que uma grade fatia do público português orbite em torno de si. Talvez seja a forma particular com que escolhe toda a sua indumentária ou pelo carisma natural que emana ao verbalizar os seus fraseados. Uma coisa é certa: pelo que desempenhou até aqui, Sebastião Caldeira não será relembrado como um dos grandes letristas nacionais nem como alguém que reinventou a roda da música portuguesa, mas nada disso o impede de ser quase unanimemente apelidado de next big thing para a cultura pop do nosso país. É algo que se sente e dificilmente se compreende. E mesmo para alguém acostumado a desbravar terreno por entre as sonoridades mais disruptivas da actualidade, há pelo menos uma mão-cheia de músicas do jovem MC que são pontos de paragem quase obrigatórios por entre as playlists que vão compondo a banda sonora do dia-a-dia.

Com Nort (seu braço direito em toda a viagem discográfica) nas teclas, Francisco Ferreira na bateria, Diogo Seis na guitarra, André Moreira no baixo e Sfil nos back vocals, Van Zee passou em revista grande parte de do.mar, recuperou êxitos contidos nos projectos de outros artistas — “Benção” (com Mizzy Miles e Bispo) ou “Chamadas” (com Ivandro) — e mostrou ao vivo os resultados de algumas das suas side quests, como “Even” (extraído da colaboração com Richie Campbell, IT WILL HURT BOTH WAYS) ou “Quem És Tu?”, “Como Seria? / Amor Sóbrio” e “Bravos” (produto da alfaiataria de Alta Costura que o juntou a FRANKIEONTHEGUITAR, recentemente em destaque no Rimas e Batidas através de uma entrevista com os seus autores). Além da participação de todos estes nomes, o leque de convidados estendeu-se ainda a Yuri Nr5, que já na recta final surgiu com o seu característico ar despreocupado para mostrar como é possível ser-se “So Flawless” mesmo com uma baixa taxa de esforço. Além dos próprios artistas, o cenário de palco contava ainda com um grande farol que emanava luz na direcção do cantor, acompanhando cada passo seu em cena.

Para as interpretações ao vivo, a roupagem dos temas passa da electrónica para um registo mais ao estilo de banda de pop rock, algo que empobrece a estética natural de cada canção ao descolar-se do som alcançado em estúdio. Apesar dessa descaracterização — que em boa verdade não parece ter incomodado praticamente ninguém daqueles que não estavam ali para ver e escutar com um mais apurado sentido crítico —, existiram boas dinâmicas entre todos os músicos em palco, mostrando que a máquina que suporta Van Zee está muito bem oleada antes de repetir a dose no Porto — podem apanhá-lo no Coliseu Porto Ageas já este sábado, 15 de Fevereiro.

No final aplaudimos e facilmente percebemos que será difícil o rapper de apenas 22 anos se ficar por aqui. Não tem só que ver com esgotar uma das maiores salas do país, mas sim com a forma com que Van Zee capta a atenção do público ao longo de quase duas horas espectáculo, público esse que sabe quase todas as suas letras de cor, desde os singles mais badalados às deep cuts que vão podendo ser encontradas por entre os projectos em que se envolve. Quem sabe não segue as mesmas pisadas de Slow J, Plutonio ou Richie Campbell e se torna na próxima voz da música urbana portuguesa a esgotar o MEO Arena.


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