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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/03/2025

Legado reconhecido.

Unicamp atribui título de Doutor Honoris Causa aos Racionais MC’s

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/03/2025

Era 16h de quinta-feira, 6 de Março, quando os Racionais MC’s foram anunciados pela cerimonialista Simone Fernanda Turati. Todos ficaram de pé, com os celulares apontados em direção ao fundo do Auditório III do Centro de Convenções da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). De lá, todos vestidos de preto, KL Jay, Edi Rock, Ice Blue e Mano Brown seguiram até o centro do palco. À frente deles estava a Professora Doutora Nilma Lino Gomes, madrinha na concessão do título de Doutor Honoris Causa, a distinção máxima prevista no estatuto da Unicamp, considerada uma das maiores universidades da América Latina. A honraria foi dada ao grupo “em reconhecimento à sua relevância como intelectuais públicos e à sua atuação na luta contra o racismo e as violências sociais estruturais no Brasil”.

Na sala estavam apenas os convidados dos homenageados, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e do Gabinete do Reitor. Quem esteve presente nos auditórios 1 e 2 assistiu a cerimônia por telões. Do lado de fora, barreiras foram colocadas para que pessoas sem acesso se aproximassem. O Núcleo de Consciência Negra da Unicamp (NCN), em publicação nos stories do Instagram, protestou contra a segregação de estudantes no local, e protestou contra supostas falas racistas da condutora da cerimônia.

Após a leitura da ata de nomeação, os quatro músicos assinaram e receberam das mãos do reitor da universidade, Antonio Meirelles, o diploma de Doutor Honoris Causa. Ovacionados pelos presentes, dentre os quais estavam o Senador Eduardo Suplicy, cada um dos membros foi convidado a falar. Mas antes, a professora Nilma fez um discurso ressaltando a importância dessa titulação para aqueles que já foram considerados os “quatro pretos mais perigosos do Brasil”. 

“É um ato de justiça e de valorização do movimento hip hop”, disse. “Como a universidade é um lugar de poder, ela tem que estar conectada com as mudanças do tempo. E que a sociedade ocupe a universidade. […] Precisamos mais de pessoas negras nas nossas universidades. A voz dos Racionais MC’’s ecoa lutas e abre as mentes”. 

Mano Brown relembrou das ambições no início da carreira, quase 40 anos atrás. “A única coisa que a gente tinha certeza que aconteceria, é que quando os pretos ouvissem a gente, alguma coisa aconteceria”, afirmou. “Não pensava em dinheiro, em carro, nas coisas materiais. Não tive tempo pra estudar. Era questão de matar fome.” Ao agradecer sua mãe, dona Ana, falecida em 2016, Brown se emocionou. Fez uma pausa, agradeceu a todos e encerrou sua participação. “A ficha vai cair quando eu sair daqui. […] A causa é maior que nós. Depois de nós, outros virão. Já chegaram, já estão aí, atuando de forma brilhante. Os jovens são o futuro. Vocês são a revolução online. A gente foi a faísca, lá na época das cavernas.”

Para o DJ KL Jay, “o hip hop é um acontecimento espiritual que fez um grande resgate dos pretos no mundo inteiro”. Ele disse ainda que os Racionais têm uma missão, e elogiou a universidade pela coragem de quebrar essa barreira colonial. “Tem muita coisa pra ser mudada ainda, mas a luta continua”. Ice Blue também fez seus agradecimentos, principalmente aos que acreditaram neles no início. E Edi Rock lembrou que a primeira gravação que os Racionais fizeram foi em Campinas, no ano de 1989. Ao final, falou que, como poeta, tinha que declamar uma poesia feita em 1992. Assim, declamou os versos de “Voz Ativa”.

Desde 2020, o álbum (e livro) Sobrevivendo no inferno (1997) faz parte da lista de obras obrigatórias no vestibular da Unicamp. Há três anos, os Racionais MC’s deram uma aula aberta, como parte da disciplina “Tópicos Especiais em Antropologia IV: Racionais MC’s no Pensamento Social Brasileiro”. Por essas e outras, Meirelles disse que eles “representam mais que qualquer outra manifestação artística, a voz de nossas populações vulneráveis contra as injustiças”. 

Apesar de toda importância desse reconhecimento, reivindicado pelos professores Omar Ribeiro Thomas, Jaqueline Santos e Daniela Vieira, do IFCH, vale ressaltar que nas ruas Brown, Blue, Edi e KL Jay já eram considerados intelectuais. De forma direta ou indireta transformaram vidas, e ainda continuam abrindo mentes e expandindo visões — dos seus iguais e de quem vive em outra realidade. Não que sejam unanimidade, mas conquistaram respeito pelo trabalho sério e a responsável. O doutorado só reafirma a relevância da obra deles em todos os setores da sociedade. É uma vitória para o rap, que por muito tempo foi criminalizado, e para pessoas pretas, pardas e periféricas, que desde a abolição da escravidão teve seus direitos e liberdade cerceados.


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