Foi precisamente há dez anos que entrou em cena no panorama musical como manager de Slow J, artista que se estreava com The Free Food Tape e que teria uma ascensão meteórica nos anos seguintes, tornando-se num dos maiores músicos de todo o país. Tomás Martins, originalmente apenas um amigo de João Batista Coelho, também artista enquanto bailarino, acompanhou-o durante boa parte do processo como agente e um dos responsáveis pela Sente Isto, através da qual também trabalhou com Papillon.
Depois, fundou O Criador, uma plataforma para explicar — aos criadores, lá está — informação complexa de uma maneira simples, para que os artistas conhecessem os seus direitos, como negociar com uma editora ou que tipo de preocupações deveriam ter durante um processo de profissionalização.
O caminho leva-o agora a fundar a sua empresa, a To Be Honest, dedicada ao publishing. Tomás Martins propõe-se a preencher uma lacuna de mercado ao explorar o catálogo dos artistas com quem trabalha, tratando dos licenciamentos, tentando promover a música junto de agências criativas ou produtoras audiovisuais — procurando placements em séries de televisão, filmes, videojogos ou, quem sabe, campeonatos desportivos.
A missão é ambiciosa e, como tem sido seu apanágio desde o início — ou não fosse um dos companheiros essenciais de Slow J — o processo será seguramente lento. Mas só assim será possível conquistar o raramente alcançável, contribuir para internacionalizar a música contemporânea portuguesa e potenciar interações profundas entre artistas e outras peças do ecossistema criativo.
Para já, a To Be Honest começa com um catálogo vistoso, ao juntar nomes como Slow J, Richie Campbell, ProfJam, T-Rex, Mizzy Miles, Valete, Papillon, 9 Miller, João Maia Ferreira, xtinto, Deezy, L-ALI, Mike11, Chong Kwong, Beatriz Pessoa, Lunn, Beiro, Kidonov, Yeezyuri e LEFT., entre outros. O Rimas e Batidas entrevistou Tomás Martins sobre o seu novo projecto e as suas ambições para transformar o status quo da indústria musical portuguesa.
Quando é que começaste a pensar na To Be Honest? Quando fundaste O Criador, já estavas a pensar em construir uma marca e montar uma estrutura em torno do publishing? Ou a ideia foi crescendo ao longo do tempo?
Sim, O Criador ajudou-me a perceber que as necessidades eram transversais. Depois, ficou muito claro para mim como é que essas necessidades se alinhavam na ideia de uma empresa ou de uma marca. Mas a ideia, na génese, já lá estava enquanto eu fazia management. Porque já tinha lidado com muitos artistas que não compreendiam a propriedade intelectual na sua base, não compreendiam a diferença entre direitos de autor e direitos conexos… Dava muitos jogos de telefone estragado, quando os artistas comunicavam uns com os outros. E como o meu background é de Direito, eu já sabia falar esta língua, portanto era uma vantagem que tinha e para mim foi mais fácil entrar nessa especialidade, já enquanto manager, e compreender como é que as coisas se passavam. Logo quando comecei a fazer management do João… O meu pai é advogado e ele pôs-me, na altura, a falar com outro advogado que é o Pedro Simões Dias e que me falou logo da SPA, da GDA, da Audiogest… E eu estava mesmo no início como manager do Slow J. Portanto, essa génese foi muito importante para mim, para perceber como é que esta área funcionava.
E para identificares a lacuna que existia.
Sim, para começar a perceber: “Calma, mais ninguém está a par disto…” Ninguém me falou disto. Pela minha experiência como manager, percebia ao lidar com outros produtores, com os feats dos artistas com quem eu trabalhava, que era raro haver pessoas muito versadas nesta área. Comecei a verificar as lacunas. O desenvolvimento disso para uma ideia de empresa, de negócio, de marca, surgiu no decorrer do lançamento d’O Criador. Comecei a dar consultas a alguns artistas e, nessas consultas, percebi que — não importa se estão aqui há dois anos, ou se estão a começar agora, ou se estão aqui há 20 — a maior parte do pessoal não está a par disto… E inclusive pessoas como agentes de booking, pessoas das editoras… É uma área altamente incompreendida. Isto, aliado à sensação que eu já tinha quando estudava Direito de a lei estar em código, de valer para toda a gente mas só pouca gente a entender, meio que o puzzle se foi montando e transformando nesta ideia de eu ajudar os artistas a gerirem os seus direitos. E, depois, a perceber como é que uma casa intelectual arrumada poderia ajudar na promoção da música, na internacionalização, no desenvolvimento das relações entre artistas… Aí é que percebi: “Então isto é que é o publishing. Isto é que é uma área que praticamente não está desenvolvida em Portugal, que é raro ouvir-se falar…” As major publishers não estão cá presentes, ao contrário das major labels, porque tens cá o escritório da Universal, da Sony, da Warner…
Como é que defines o publishing? De certeza que tiveste de o fazer, muitas vezes, agora quando começaste a abordar artistas para trabalhares com eles nesta área.
A forma como normalmente tento explicar é que a música, embora seja uma unidade que estamos a ouvir, imagina na rádio… Para ti é uma canção. Mas o que estás a ouvir são duas realidades diferentes que estão a caminhar paralelamente. A primeira é uma obra, uma ideia; e a segunda é a interpretação dessa ideia, aquela gravação específica. Os direitos de autor estão ligados a essa ideia, à obra; os direitos conexos são os que estão ligados a essa gravação; e dividem-se entre a propriedade da gravação e quem interpretou nessa gravação. Portanto, das entidades que habitualmente ouvimos falar em Portugal que fazem a gestão desses direitos e portanto recolhem da rádio as licenças, tens a SPA a recolher os direitos em nome dos autores, dos donos das ideias; tens a Audiogest a recolher em nome dos donos dos masters e a dividir o dinheiro que recolhe com os donos dos masters e os intérpretes das gravações. Portanto, estás a ouvir uma canção, mas são duas coisas: uma obra e uma gravação, que normalmente contém uma obra. Uma obra pode ser traduzida em várias gravações. Mas uma gravação, normalmente, só tem uma obra lá dentro. E o publishing é a área que está ligada à exploração da obra, da ideia.
E uma coisa que também está muito na base deste trabalho é a potencialização de catálogos, algo que talvez não seja muito trabalhado no ecossistema da indústria musical portuguesa. Que também pode gerar, para os artistas com quem trabalhas, fontes de rendimento alternativas ou para chegarem a coisas diferentes porque alguém está a fazer esse esforço.
Sim, diria que é uma questão de foco. Se pensares no trabalho de uma major label, que tem imensos lançamentos por mês, só dos artistas desse território, e ainda tem que promover os lançamentos dos artistas internacionais… Há um ritmo altamente acelerado no que diz respeito ao lançamento de nova música. E o foco dos artistas, dos seus managers, de quem está à volta, normalmente é o próximo lançamento e aquele que acabou de sair. Portanto, existe uma tendência para que, tudo o que vai para trás, o chamado fundo de catálogo, deixa de ser activamente explorado e comunicado… É difícil, para a natureza de um artista, autopromover-se. Tu já comunicaste que a música saiu, não estás constantemente a dizer “olhem, já ouviram esta música?”. Normalmente o artista está mais focado em fazer a próxima. E as editoras, com tanta música a sair constantemente, o foco delas está no presente e no futuro. Há muito trabalho que fica para trás e que deixa de ser explorado. O meu interesse é, a partir do momento em que consigo arrumar a casa dos artistas — ou seja, garantir que os deals estão feitos, que todos os colaboradores na música têm as suas divisões na obra e os seus direitos garantidos, que todo este ecossistema está montado e que a música está salvaguardada — conseguir uma luz verde para que a música possa ser promovida em novos contextos. Enquanto publisher e gestor dos direitos e a tentar activamente procurar novas oportunidades para a música, não tenho o problema da autopromoção porque não estou a promover algo que seja meu. Tenho uma carteira de artistas e de música que estou constantemente a tentar compreender: sobre o que é que é esta música, qual é a energia desta música, em que contexto é que ela se podia inserir? E aí abrem-se novas portas. Se souber os autores envolvidos, os artistas que interpretaram, os direitos envolvidos para colocar, por exemplo, esta música numa série… Esse processo vai ser muito mais simples e eficiente do que se for uma produtora a pensar “era fixe termos esta música deste artista”, irem falar com a editora para tratarem da parte da gravação, depois tentarem ir falar com a SPA — depois se um dos artistas não está inscrito a SPA não tem contacto com esse artista… Estes processos são altamente morosos, muitas vezes muito difíceis de garantir, e a minha tentativa é, ao organizar estes catálogos, ao conhecer e trabalhar bem a música deles, conseguir promovê-la em novos contextos. O trabalho de um publisher funciona muito à volta do licenciamento das obras nestes contextos, sincronizações de músicas em filmes, séries, videojogos, peças audiovisuais em que a música venha acrescentar valor…
Falando no caso português — porque, depois, obviamente cada mercado tem as suas características e os seus problemas (ou não) de escala —, ao longo dos últimos anos, com as evoluções tecnológicas, as grandes mudanças na indústria, a explosão do digital, a implementação do streaming, houve muitas alterações e também se falou muitas vezes em crise, desde que se pararam de vender discos de uma forma massiva. As contas mudaram, a indústria idem, e as percentagens de rendimento dos artistas e das peças em torno deles inevitavelmente também se alteraram. Sentes que, no caso português, esta pode ser uma forma de colmatar perdas de rendimento estruturais da indústria? Por haver coisas que não estão a ser exploradas. Este também é um caminho nesse sentido? Porque os artistas vivem muito dos concertos, quem tem muitos números também tem rendimentos significativos do streaming, mas talvez haja outras possibilidades. Também é por aí?
Sim, acho que se compreenderes o mundo da propriedade intelectual, o valor da música como gravação e como obra, se entenderes os vários direitos que estão envolvidos numa passagem em rádio, se entenderes os vários outlets onde a música pode ser explorada, os teus fluxos de rendimento são muito mais diversificados do que aqueles que a maior parte dos artistas em Portugal pensam quando pensam em tornar-se artistas ou em viver da sua arte. Costumo dizer que em Portugal temos uma mentalidade muito “concertocêntrica”. Ou seja, a nossa forma de trabalhar funciona num loop que normalmente é: vou passar um ou dois anos a fazer um álbum, para conseguir vender concertos, para conseguir ter dinheiro suficiente para alavancar um próximo álbum, para fazer esse álbum para vender concertos… E fico aqui neste círculo. A partir do momento em que esta é a nossa forma de estar, isso significa que, se ficas dois anos sem dares concertos, não tens outros fluxos de rendimento para colmatar esta quebra. E numa indústria altamente instável — e acho que a pandemia veio mostrar-nos muito isso. Toda esta ideia também surgiu no âmbito da Covid-19, porque do nada ficámos todos sem concertos. Eram a maior fonte de rendimento e, do nada, toda a gente está a olhar e a pensar: “Então?! O Spotify paga tão pouco, de onde é que pode vir o dinheiro? E a SPA, a GDA?” Aí, o pessoal começa a tentar perceber toda esta dinâmica. Graças a Deus, também pelo meu background, pela ajuda que fui tendo ao longo do processo, e também pela faculdade da vida que foi trabalhar com aqueles artistas na Sente Isto, ajudou-nos muito a termos outros fluxos de rendimento e a ter uma compreensão sobre o valor desses rendimentos, numa altura em que não dava para dar concertos, ou quando não era bom para o artista, estrategicamente, dar concertos — no caso de, por exemplo, quereres criar aquela fome para depois voltares em grande. E a maior parte dos artistas não está nesta posição. Está numa de “tudo o que chega à rede é peixe”, toda a oportunidade de dar um concerto é uma boa oportunidade. E entender melhor todas as fontes de rendimento associadas à música podem dar-te uma melhor capacidade de decisão estratégica quando estás a tentar viver da música — e a minha geração, a geração do Slow J, é a primeira em que viver da música é uma profissão.
Pelo menos no contexto do hip hop e da música urbana contemporânea.
Exactamente, dantes isso quase não era possível. Seja porque não passavas na rádio, porque não conseguias vender CDs, era algo reservado mesmo a poucos. Então, esta forma de estar na indústria que é altamente diversificada, em termos de fontes de rendimento e estrutura, ajuda-nos a não estar altamente dependentes de um acordo com uma editora ou de conseguir um ano cheio de concertos. E conseguimos dosear todos estes fluxos e fontes de rendimento de uma forma que seja estrategicamente sustentável. Portanto, sim, ao teres informação sobre o valor da tua música nestes vários espectros, vais conseguir encontrar novos outlets para a trabalhar que não fique tão limitado a “tenho que ir fazer um álbum, que tem que bater, para eu vender concertos e ter dinheiro para ir fazer o próximo”.
E para quem já está num patamar alto, no sentido de ter muitas datas se o desejar e muito público, acaba por ter mais liberdade de escolha. Mas um artista que está na corda bamba entre viver ou não da sua música pode tornar-se um refém desse ciclo que está instituído. Este trabalho também pode trazer soluções nesse sentido.
Exactamente. O status quo de que falo na apresentação da marca é um bocado esse. Os artistas sentem-se altamente perdidos. O acto de lançamento de uma música é uma vertigem muito grande. Tu não sabes se aquilo vai resultar e, mesmo quando resulta, não sabes como a promover. Há muitas vertigens e vulnerabilidades associadas a não só a fazer música, que já é um acto de coragem, a lançá-la e ainda a estruturar isto numa carreira… É preciso conheceres o ambiente e a indústria em que estás. E muitas vezes este status quo é uma manutenção da desinformação dos artistas, o que faz com que, por exemplo, não se compreenda a importância de registar a obra na SPA porque não se tem noção de que isso é um fluxo de rendimento de três em três meses, e de onde é que veio esse dinheiro, e se se está a passar na rádio deveria estar-se a receber daqui e dali. E ter essa informação até pode fazer com que o artista, quando lançar a próxima música, pense: “Se calhar era fixe resolvermos isto e garantirmos que isto está registado e que todas as pessoas envolvidas têm a sua percentagem”. É chegar a uma situação de win-win em que toda a gente está feliz, porque no dia em que se se quiser promover essa música, como sincronizá-la numa série, é importante que tenhas uma boa relação com todos os outros autores da música, porque se a música não for registada ou uma das pessoas não for considerada, pode dar problemas. A ideia é clarificar toda esta área e garantir que isso é feito de uma forma sustentável e eficiente.
E sentes que esse “status quo de desinformação”, ou de falta de informação que existe entre os artistas, é de alguma forma intencional? Ou seja, convém a certas peças da indústria que os artistas não estejam assim tão a par dos seus direitos, porque acabam por beneficiar desse desconhecimento? Ou sentes que é mais uma negligência acidental, em que não há intenções nesse sentido?
Não tenho uma visão super conspiracionista. Ou seja, não acho que exista, na maior parte das vezes, uma intencionalidade e uma malícia na forma como as coisas são conduzidas. Só que existe uma assimetria natural. Há aqui duas áreas importantes: por um lado, tens estruturas multinacionais muito grandes, algumas com mais de uma centena de anos, com muito poder económico e influência, que têm métodos legais e jurídicos para se protegerem e aos seus interesses. E estão, como em qualquer dinâmica negocial, em qualquer indústria, numa posição em que protegem os seus interesses. Do outro lado, tens pessoas que não estão informadas, que não estão capazes ou não têm acesso a pessoas que protejam os seus interesses, e isso gera um maior declive nestas posições que, idealmente, seriam posições onde as pessoas estavam à mesa e haveria uma relação horizontal. O artista que sabe o valor da sua música, a editora que sabe o valor da música do artista e o impacto que pode ter para promover essa música, e os dois crescerem em conjunto. Se partes para uma negociação com uma editora e não consegues conceber o valor da tua música, porque nem sabes o que é a Audiogest, porque nem sabes qual é o valor de uma gravação e o que isso implica, a capacidade que existe para protegeres os teus interesses e para valorizares a tua música num comportamento de mercado que seja adequado ao valor real da tua música é muito menor. Portanto, estás mais vulnerável. Se eu acho que as pessoas que trabalham nas editoras têm, por definição, essa intenção? Não. Acho é que protegem os seus interesses e, se houver alguém do outro lado que não está a proteger devidamente os seus interesses, também não vão ser os próprios a ter esse cuidado.
Acaba por haver um certo aproveitamento mesmo que não haja uma intenção nem um calculismo nesse sentido?
Sim, e aí não falamos só das editoras. Se eu tiver informação à qual tu não tens acesso, e essa informação for a base da nossa troca, às vezes podes apanhar deste lado uma pessoa que está numa de “vou aproveitar o facto de tu não saberes”, mas também podes apanhar outra que é mais “não é a minha responsabilidade explicar aquilo que ele não sabe”. A nível estrutural, acho que esse aproveitamento é do status quo, da forma como as coisas são feitas naturalmente. Não é uma intenção específica da pessoa X ou Y de beneficiar disso. Mas, se fores ver um contrato, tipo, de uma editora, na maior parte das vezes em que estou do lado do artista a protegê-lo, estou: “Hum, devias pensar nisto, não sei se deverias alienar isto, não sei se deverias pôr isto nas mãos deles”. E, se não souberes, nem sabes o que é aquilo ou o valor daquilo… É muito mais fácil de, se alguém te quiser explorar, o fazer. E é esse o ponto mais importante. Nós já sabemos a história, a quantidade de problemas que existiram entre artistas e editoras, a quantidade de vezes em que os contratos que os artistas assinaram os prejudicaram mais à frente… Temos noção de como as coisas funcionam e da verticalidade nestas dinâmicas de poder, porque tens uma indústria construída há mais de 100 anos, com entidades com muito poder económico, com muito aconselhamento jurídico e legal, versus pessoas que estão a fazer música nos seus quartos ou nos seus estúdios e que não têm esse aconselhamento. E isso gera uma assimetria. Se um artista tiver noção do seu valor e for proteger os seus interesses, não vai necessariamente afastar uma editora ou impedir que se estabeleça uma relação com uma editora. Acho é que há maior possibilidade de essa relação se estabelecer de uma forma que seja mais vantajosa para as duas partes, e não um aproveitamento, seja de uma negligência ou de uma vontade real. Acho que a maior parte das pessoas fazem os seus trabalhos com boas intenções, mas se todas estiverem informadas, aquilo que considerarem que é um bom negócio vai estar mais alinhado e isso vai criar relações e dinâmicas mais sustentáveis ao longo do tempo.
No fundo, para ser mais justo para todos.
Sim, e depois há outra questão. Do lado das obras, existem publishers em Portugal e acredito que a fazer um bom trabalho, mas como existe falta de informação dos artistas relativamente aos seus direitos, uma entidade como a SPA, também ela centenária, é a única em Portugal a fazê-lo, não há concorrência, e tem toda uma bagagem. Como o mundo se desenvolveu nos últimos 10 ou 15 anos muito de um ponto de vista digital, a necessidade que estas entidades têm de desenvolver sistemas mais transparentes e eficientes, de monitorização, report, de mostrar aos autores onde é que a música está a ser tocada, quanto dinheiro está a ser gerado, de onde é que ele veio, quais foram as percentagens que eles receberam… A transparência da informação. Os sistemas destas entidades, na minha visão, ainda estão atrasados em relação àquilo que é a realidade da nossa linguagem. Hoje, estamos habituados a que a informação surja… Queres saber quantos views teve o teu post? Quantas visitas teve o teu site? É tudo automático. E como é que ainda recebes estes dados da SPA num PDF? Porque é que não é de uma forma mais eficiente e legível? A transparência também se mede pela eficácia da comunicação. Não é só a informação estar disponível, é ela também estar legível. E depois há quase um clash geracional… E por isso é que fiz O Criador, sinceramente. Se eu comunicar esta informação através de um artigo de três páginas numa linguagem jurídica, ninguém vai ler — e quem for ler não vai perceber metade. Portanto, se eu comunicar isto com um vídeo com uma animação ao lado, vai ter mais impacto na forma como nos apercebemos da informação. E a minha visão na altura foi: as entidades deveriam estar a explicar isto de uma forma adequada à maneira como hoje comunicamos. E isso vê-se em todo o lado, os jornais também tiveram de se adaptar. E se os artistas estiverem mais informados, todos nós vamos sair a ganhar como um todo. A To Be Honest é uma decorrência disso. Porque percebi: é fixe o pessoal saber, mas muitas pessoas ainda têm dificuldade em gerir isto e a torná-la uma gestão eficiente, que possa garantir resultados, mesmo financeiros, uma gestão que possa levar a música deles a novos públicos e territórios… Esse tem sido o meu foco e é o que tenho tentado fazer. Ainda estou muito no início, embora já tenha um catálogo de que me orgulho muito, e sei que nalguns destes campos, sobretudo na internacionalização e na relação com agências criativas e produtoras audiovisuais, ainda estou muito a desbravar terreno. Porque o meu contacto sempre foi com artistas. Portanto, estou é muito próximo dos artistas e isso ajudou-me a construir este catálogo e a desenvolver estas relações, e agora estou a entrar num novo campo, que é perceber como é que me vou aproximar destas entidades e facilitar-lhes também o processo, ao mesmo tempo que estou a fazer jus ao valor da música e à mensagem e identidade dos artistas. Para mim, é importante que todo este processo seja feito com respeito.
Como dizias há pouco, até à geração do Slow J eram poucos os artistas do hip hop em Portugal que conseguiam, de facto, ser profissionais. No sentido de viverem da sua música, de ela ser a sua profissão. Ainda por cima, sendo o hip hop um movimento de contracultura, uma subcultura que vem das margens, com uma génese tão informal, acredito que também seja por aí que haja uma grande distância em relação à linguagem jurídica e a certos conceitos mais profissionalizados. E depois há outra camada, que é muito interessante, e é o caso de muitos artistas com que trabalhas na To Be Honest, que é o método do sampling. O licenciamento dos samples, que nos EUA é uma prática mais do que desenvolvida e estabelecida, não é propriamente uma realidade em Portugal. Não serão assim tão comuns os casos, e os que existem são sobretudo mais recentes e ligados às editoras. Diria que há todo um caminho ainda para percorrer nesse sentido, se fizer sentido percorrê-lo, se as coisas se encaminharem para aí. Pergunto-te também se o teu trabalho enquanto publisher também passa por aí, por essa área específica, tendo em conta os artistas com quem trabalhas.
O sampling é um bom exemplo de um desenvolvimento relativamente recente e foi necessário haver todo um processo de formação e informação à volta disso. Começou-se a regular e a conseguir fazer o caminho inverso e a descobrir-se músicas que usaram samples de músicas que estavam protegidas.
E quando certos donos de masters interpuseram processos judiciais contra novos criadores, que tinham samplado as suas músicas originais.
Exactamente, portanto é o mercado a regular-se, à medida que a tecnologia… Ela está sempre à frente e o mercado vai tentar regular-se a acompanhá-la. O sampling é um dos exemplos paradigmáticos disto, ao ponto de hoje em dia já ser muito raro um artista pegar num sample de uma música, pelo menos conhecida, e passar por cima disso com um “ah, eles não vão descobrir”. Não, hoje em dia já presumes que o pessoal vai descobrir, portanto já tens um trabalho… Além da questão ética, sobre se estás ou não a roubar, se é uma nova obra… E vais ter pessoas a achar que arte é arte, há pessoas que acreditam que nada de novo é na verdade criado e estamos todos em processos de reciclagem, há pessoas que defendem que se deve proteger o original. São escolas ideológicas. Mas, de um ponto de vista muito prático, a partir do momento em que começas a perceber que o mercado já encontrou uma forma de regular esta realidade, então todo ele começa a trabalhar de uma forma em que já há pessoas focadas em garantir que, se usas um sample, pode ser licenciado; já há profissões criadas nesse sentido; as editoras já têm conhecimento de causa para saberem que artistas dos seus é que poderão querer ou não que as suas músicas sejam sampladas; há mais informação e educação à volta disto; portanto estes mecanismos e processos tornam-se parte da indústria e não coisas que vêm da margem. Mas tudo começa um bocado na margem.
Claro, esse é o processo natural. Mas quando tu falas em “limpar a casa” dos artistas com quem trabalhas, também passa por aqui, ou não necessariamente?
Muitas vezes, e sobretudo num catálogo muito antigo, tens muitas questões de utilizações… Por exemplo, a BeatStars. Há muitos artistas que vão lá comprar beats. A maior parte dos artistas acha que está a comprar um beat e que pode usá-lo e siga para bingo. Mas se tu começas a ler as licenças, e de um ponto de vista legal, mesmo a unlimited lease — que nem é uma licença, é uma lease, um direito de uso — tem consequências do ponto de vista da propriedade da gravação da nova música que a maior parte das pessoas que lá compram beats nem têm noção. Portanto, isto gera uma fraca noção do que é que eu estou a fazer quando estou a gastar 200€ ou 300€ para comprar um beat. Acho que estou a fazer uma coisa, posso estar de boa fé, a achar que estou a fazer tudo certo porque paguei, mas tu vais ver a licença e lês tudo e começas a perceber que há certas dinâmicas que, talvez se soubesses, não terias comprado e talvez fosses antes dar o toque ao teu amigo que faz beats e irias negociar com ele. Mas o problema da tecnologia, do acesso, de do nada teres na ponta dos dedos milhões de type beats e que estão ali disponíveis, isso tem mais possibilidades de gerar dinâmicas em que as pessoas realmente não sabem onde se estão a meter. E este é um exemplo de muitos outros que estou a tentar ajudar os artistas a arrumar. E às vezes é literalmente tentar falar com os produtores originais para chegar a acordos para licenças que digam aquilo que é importante para o artista que a está a adquirir, quer seja exclusivo ou não, mas que sejam licenças. Muitas vezes, os próprios produtores que têm beats na BeatStars nem sabem o que diz o lease. Se estas dinâmicas forem bem compreendidas, pode chegar-se a situações win-win e realmente os artistas colaborarem uns com os outros, mesmo que não estejam perto um do outro. Um pode estar nos Estados Unidos, outro em Portugal, e há vários casos em que eu ajudei a que isso acontecesse e isso pode gerar mais música.
Imagino que possa ser complicado hoje, por exemplo, licenciar um beat feito há dez anos com um sample obscuro dos anos 70. Se for um esforço que estás a fazer no sentido de arrumar a casa de um artista com quem trabalhas, suponho que seja um processo exigente e poderá levantar questões em que os próprios poderiam até nem pensar; mas talvez também seja importante, apesar de que certamente também haverá resistências se o sampling caminhar em pleno para a regulação e para o licenciamento em Portugal.
Sim, uma das grandes questões que estou a tentar entender como resolver é a questão da dificuldade da internacionalização da música contemporânea portuguesa. Com excepção do fado, que já tem um bocado as suas avenidas. Se pensares bem, se eu for um artista que sabe que samplou coisas que não estão autorizadas, aqui em Portugal posso ter a sensação de que “ah, somos um mercado pequeno, eles nem vão querer chatear-se connosco”. Mas não tens nenhum incentivo para ires promover essa música fora do teu território. Porque aí entras em regras que já não são as tuas ou em contextos de indústria que já não são aqueles aos quais estás habituado. Por isso, acho que a longo prazo — e muitas vezes sei que isto é custoso e difícil pensar assim —, se estivermos disponíveis para nos aproximarmos de uma forma que seja mais orgânica e real dos autores originais, acho que isso pode construir dinâmicas de relação que podem vir a ser muito proveitosas. Tenho exemplos disso, de situações em que fizemos o caminho mais difícil de ir dar o toque ao produtor original e chegar a um acordo com ele. Se podias ficar calado e deixar que ele viesse até ti, zangado, porque usaste a música sem autorização? Sim, podias assumir essa posição. Mas se escolheres fazer o inverso, vai custar-te um bocado porque vais ter de pagar uma fee ou chegar a um acordo que implica abdicares dos teus 100%, mas a longo prazo vai desenvolver uma confiança e uma relação com esse produtor que, se calhar, da próxima vez que fores aos Estados Unidos ou ao Canadá ou à Alemanha ou o que seja, vais ter ali um aliado, uma pessoa que confia em ti, que poderá querer trabalhar contigo outra vez. É isto versus uma pessoa que até é melhor que nem saiba que tu existes.
Claro, é uma lógica que pode abrir outro tipo de portas.
Pelo menos é essa a minha crença e toda esta dinâmica vai levar a esta noção do valor da música, a este reconhecimento do valor de todas as pessoas envolvidas nestes processos criativos. Acho que, por princípio, ao longo do tempo vai levar-nos a uma maior ligação entre estas partes todas e vai gerar música mais autêntica, feita com maior cuidado e qualidade de produção. Porque estás próximo de quem o fez e quem o está a fazer, em vez de estares só a pegar num beat da Internet. Se calhar tens a hipótese de trabalhar esta ideia, rearranjá-la, trabalhar os stems e ficar só com os drums ou regravar uma guitarra… Há muito mais elasticidade na música se as pessoas estiverem a trabalhar juntas ou pelo menos com todos os interesses e direitos assegurados. Pelo menos é nisso que acredito e a minha tentativa ao trabalhar com os artistas é mostrar-lhes que realmente existem novas avenidas que podem ser criadas a partir dessa organização e respeito pelo trabalho de todas as pessoas envolvidas. Porque é como estavas a dizer: muitas pessoas que chegam hoje à música vêm do seu quarto, do seu computador. E não tiveram formação, não têm noção de como é que as coisas se passam na indústria, não têm noção do seu valor. É tudo muito acessível e fácil e, do nada, se correr bem, estás a esgotar arenas, a ter imensos concertos ou milhões de streams.
E houve vários artistas portugueses com esse trajecto, que já estavam num patamar bastante alto, com muita estrada e ouvintes, mas ainda nem sequer tinham a sua música registada.
Exactamente. E é moroso, sim, implica muita organização e muita catalogação. Mas acredito que esta organização, a longo prazo, vai poder beneficiar não só aquilo que estou a tentar fazer por eles, mas também as suas carreiras. Porque isso pode significar que, no dia em que o artista X for ao Canadá, o produtor com quem ele chegou a um acordo antes de se chatear, pode tornar-se numa relação que do nada pode ser uma porta aberta para novos mercados ou colaborações artísticas. Esse é o meu primeiro ponto quando começo a trabalhar com os artistas. Está tudo registado? Todos os produtores envolvidos têm a sua share? E há certas situações, sobretudo aquelas que já estão muito lá atrás, que são realmente muito difíceis de resolver. Às vezes até é difícil encontrar os próprios autores, saber quem eles são. Mas se a premissa e a vontade for essa, as coisas chegam a bom porto e tenho percebido que o que os artistas querem é realmente isso. Eles não querem estar a olhar por cima do ombro, querem estar tranquilos, que todas as pessoas envolvidas sejam reconhecidas. E normalmente é um problema de organização, não de malícia.
Claro, e neste caso também tem a ver com uma prática completamente instituída de o sampling ser um método criativo disseminado e era assim que funcionava, sem preocupação com licenciamentos porque também não havia tanta formalização e profissionalização.
E hoje até estás a ver uma grande tendência na música à volta do sampling. Muitas das músicas de charts são simplesmente remakes de canções antigas e isso é uma consequência da regulação do sampling. Se a boa fé estiver lá… Todos nós temos as nossas referências e inspirações e beneficiamos do que foi feito antes de nós. É importante que esses processos não estejam vedados, porque os artistas e a arte vão fazê-lo à mesma. Por isso é importante a regulação e que seja feita de forma eficiente, que seja possível fazê-lo. Senti muito isso enquanto bailarino. Ia fazer um vídeo de dança e não sabia se podia usar aquela música, se quando pusesse o vídeo no YouTube aquilo ia ser tirado… E não sei até hoje. Não há formas de eu conseguir utilizar uma música para um vídeo de dança. E isto é uma das coisas com que os bailarinos, por exemplo, lidam muito.
E este teu esforço acaba por potenciar cruzamentos entre a música e outros sítios, circuitos e expressões artísticas em que ela pode existir.
Espero que sim, esse é mesmo o objectivo.
Sobre a internacionalização da música portuguesa contemporânea, obviamente tem havido alguns esforços nesse sentido, sobretudo junto do mercado brasileiro, mas é sempre muito difícil furar e há sempre aquilo que parecem entraves internalizados pelas pessoas em Portugal. O publishing pode ser um caminho eficaz neste esforço de internacionalização?
Uma coisa é a minha crença e aquilo pelo qual vou lutar, outra é o que hei-de descobrir no processo. Mas a minha sensação é que tens realmente problemas de escala, que estão associados à dificuldade na capacidade de investir num novo território — mesmo que seja um artista grande em Portugal — que pode ser cinco, dez ou cinquenta vezes maior. Isto é um problema de escala que tem de ser identificado e que é real. Portanto, se eu estiver a tentar dar concertos num território onde não tenho público… Para desbravar esse mato, a minha taxa de esforço, dada a capacidade financeira e o poder de investimento que eu tenho enquanto artista, é altamente limitada. Existem problemas de escala em Portugal, mas acredito que se o publishing, se esta promoção da música além fronteiras for feita activamente junto de novos players, se for construído e desenvolvido, acredito que isso poderá dar origem à penetração da música em novos mercados, sem isso implicar taxas de esforço tão grandes. Quando comparado com os artistas a terem que fazer esse caminho através de concertos, editoras lá fora ou irem fazer um feat com um artista grande nesses mercados, que parecem as avenidas já mais ou menos desenvolvidas. Mas, para a música passar numa série grande, em Espanha, no Brasil ou onde seja, a taxa de esforço do ponto de vista financeiro versus a capacidade de penetração em novos mercados sinto que pode resolver alguns destes problemas de escala. E eu posso não conseguir levar um artista e a sua comitiva a fazer um concerto no Rio de Janeiro, mas consigo ir lá e levar a música deles e tentar que seja ouvida por pessoas que nunca a ouviram e posso tentar encontrar espaço onde essa música possa fazer sentido. E vou descobrir que há questões culturais que estão, obviamente, associadas a estes problemas de exportação… Se estivermos a falar dos outros países que falam português, não nos podemos esquecer que somos o colonizador. Um brasileiro consumir música portuguesa tem camadas simbólicas muito maiores do que simplesmente estar a ouvir uma música internacional. E tens todo um legado cultural e musical criado, por exemplo, no Brasil ou em Angola, que são de um grande orgulho para esses povos e populações. Portanto não é com um acto de neo-colonização que isto pode ser feito e sem a noção do que é que isto representa nessas comunidades. Acho que há espaço para novas portas serem abertas e penso que o desenvolvimento de uma sonoridade portuguesa contemporânea que tenha em consideração toda a nossa diversidade e que não apague o nosso passado mas que o integre, pode dar origem a novas ligações e, do ponto de vista de qualidade e sonoridade, uso muito o exemplo do Afro Fado, porque acredito mesmo no potencial dessa música. E se pensares de um ponto de vista mais cultural, tens um Mizzy Miles com um álbum prestes a sair que tem a capacidade de juntar artistas de diferentes territórios e de fazer muito bem esta ponte entre Brasil e Portugal. Se correr bem, é uma relação por explorar que pode dar origem a novas ligações, mais orgânicas, entre Portugal e Brasil, entre ambas as culturas.
A mesma história que nos aproxima, a língua e certas questões culturais que nos unem, também é uma história que nos pode afastar.
Portugal tem muito um comportamento de negação, como se nós fôssemos os bons colonizadores. Muitas vezes a nossa incapacidade de olharmos para nós mesmos e para o nosso passado com a devida noção é também aquilo que nos tem afastado de estabelecer ligações que sejam orgânicas e reais. Porque, se não compreenderes o teu passado e a luta e as dinâmicas do passado e não as integrares no presente, não vais conseguir construir uma dinâmica futura com estas culturas, porque não as integraste. Continuaste a ver-te como um país exclusivamente branco quando já não o és e continuas a promovê-lo dessa forma, sem ter noção de tudo o que está para trás e sem o integrar, sem o reconhecer. É um problema cultural. Somos um país que precisa de ir para a terapia e o primeiro ponto em terapia é reconhecer as tuas limitações, os teus erros, os teus padrões, as tuas crenças limitantes, as histórias que contas a ti próprio que te impedem de estabelecer uma relação com o mundo à tua volta. Portugal tem estado muito apoiado numa história do passado que não é real e isso impede-nos de nos posicionar no mundo.
Quais é que dirias que são as tuas ambições máximas com a To Be Honest? Em que é que imaginas que ela se possa tornar no futuro, quando estiver mais cimentada, quando já estiveres a concretizar uma série de coisas em que estás a trabalhar e que estás a planear?
Diria que há três coisas que fazem parte deste plano de crescimento. O primeiro é, sem dúvida, estabelecer novas dinâmicas de colaboração e de criação entre os artistas em Portugal, e entre artistas portugueses e estrangeiros. Quer seja a desenvolver writing camps, a procurar produtores internacionais para trabalhar com artistas de cá, até no desenvolvimento da ligação entre artistas da To Be Honest uns com os outros. Outra grande ambição que tenho é conseguir posicionar músicas que já são da consciência colectiva portuguesa, e mesmo outras que possam não ser, em mercados e contextos novos, através de sincronizações. O meu sonho é ver uma música do Slow J, do T-Rex, do ProfJam ou do Richie Campbell num jogo como o FIFA ou o NBA2K. Acho que existe esse potencial e gostava de desbravar esse terreno. Não que isso nunca tenha sido feito anteriormente, mas é importante continuar a provar que isso é possível de acontecer e a minha ambição é conseguir abrir essas portas para os meus artistas e para os que virão a seguir. E um dos grandes focos é conseguir uma internacionalização consolidada e sustentável dos artistas da To Be Honest, para conseguir tirar este tecto de “Portugal para Portugal” da cabeça dos artistas. Espero que, através do publishing, das actividades de licenciamento, possa desbravar esse terreno, ao mesmo tempo que ser um artista em Portugal já não seja visto como algo assim tão à margem de uma profissão séria. Com informação, noção da indústria, com ética, transparência e honestidade ao longo do processo, acho que é possível desbravar estes campos e criar novas ligações. Há muitas ligações para criar entre formas de arte, seja cinema, gaming, dança… E na relação entre a música e outros contextos, como o desporto, por exemplo. Vais ver um jogo da NBA e a cultura musical está dentro da experiência de jogo. E vais ver um jogo de basket em Portugal e está muito mais próximo da experiência de ringue, de pavilhão, de ginásio, do que de uma experiência onde a cultura e música urbana contemporânea estejam presentes. A relação entre o basket e o hip hop, por exemplo, é clara. Foi por jogar basket que eu cheguei ao hip hop. Portanto, ainda temos alguns pontos que se podem ligar, seja com o futebol ou outras modalidades. E hoje estamos a assistir às consequências do alto investimento que houve na formação desportiva, sobretudo no futebol, porque é o desporto-rei em Portugal… Somos um país com este tamanho, mas nesse campo somos um major player. Os treinadores e jogadores portugueses são potências mundiais. Acho que é a prova de que, na realidade, a nossa pequenez está mais na nossa mentalidade do que nas nossas capacidades. Porque, quando é feito um investimento e um esforço, pode não ser nos primeiros dois ou cinco anos, mas ao longo do tempo vais começando a ver os frutos. Enquanto continuarmos a achar que não querem saber de nós porque não falam a nossa língua, enquanto continuamos a ver artistas de todo o mundo — quer falem inglês, espanhol ou dialectos mais específicos e regionais — a atingir os charts mundiais… Se a mentalidade continuar a ser “mas o português é muito áspero, eles não querem saber porque somos muito pequenos”… Isso são profecias auto-realizáveis. Isto pode até ser tudo verdade, ou pelo menos são variáveis que devem ser tidas em conta porque não nos devemos iludir, mas não podemos ser conduzidos por isso. Se não, vamos ficar no canto, porque nem vale a pena ir lá falar, nem vale a pena tentar abrir estas portas. Claro que vamos ter que levar com muitos nãos.
É cortar as próprias pernas à nascença.
Claro, e tu não queres perder no balneário, isso não vale a pena. Porque assim nem vais a jogo, nem chegas à Champions. Tens de te ver como capaz de chegares à Champions para fazeres o trabalho e o investimento, e esse é um grande foco e, inclusivamente, uma das razões pelas quais não quero ser apenas um administrativo. Não quero só ser uma pessoa que está no computador o dia inteiro a organizar e a registar obras. Isso vai ser uma parte importante do meu trabalho, sobretudo agora no início, para garantir que as casas estão todas arrumadas, mas o trabalho do publisher pode ser altamente criativo. E com um dos artistas com quem trabalho, o Púrpura, tenho um estúdio e estou a tentar trazer artistas, fazer com que os músicos da To Be Honest passem por cá, para estar próximo do processo criativo e não ser só uma pessoa engravatada que está só… Bem, engravatado nunca serei. Mas acho que todas estas pontes têm de ser feitas.