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Fotografia: Chico Augusto
Publicado a: 23/04/2025

PLATEIA é o álbum de estreia do rapper.

Tinta Persona: “A grande maioria dos temas nasce de uma auto-redescoberta”

Fotografia: Chico Augusto
Publicado a: 23/04/2025

Apareceu como o Moniztico dos Moços do Beco, colectivo de rap de Setúbal, há cerca de 15 anos. Acabaria por assinar como Ohmonizciente até se tornar Tinta Persona. É desta forma que se apresenta oficialmente na música com um álbum de estreia intitulado PLATEIA.

Produzido por Zé Zambujo e Westah, trata-se de um disco de hip hop sem recurso a samples, em que tudo foi tocado, com uma linguagem musical abrangente e um leque sonoro ecléctico afinal, foram mais de 25 os músicos que contribuíram com o seu talento para o resultado final.

São canções que reflectem um cosmopolitismo e uma visão de um mundo sem pálas, já que foram muitas as viagens (e vivências) reais de Tinta Persona que serviram de matéria-prima a este trabalho. Essas ligações com outros pontos do mundo e géneros musicais ficam bem estabelecidas pela presença generosa de músicos convidados internacionais. O Rimas e Batidas falou com Tinta Persona sobre o seu primeiro álbum e aquilo que o inspirou.



Lançaste agora o teu álbum de estreia como Tinta Persona, mas já tinhas um percurso com outros nomes artísticos e projectos. Como é que chegas a esta fase em que mudas de nome e te envolves na construção deste disco, que demorou vários anos a estar completo?

Sim, já faço isto há bastante tempo, desde 2011 ou por aí, mas eu acho que a persona artística, para ser fidedigna, tem de ser um reflexo do que a tua pessoa humana vive, dos momentos que atravessa e da matéria que tem para transformar a partir daí. E houve sempre motivos que levaram a que essas peles se tornassem caducas e deixassem de servir. O meu primeiro projecto foi Moniztico, que foi uma cena muito pueril, acho que foi mesmo um momento de absorver coisas aliás, foi a minha adolescência, isto no fundo é um bocadinho um reflexo daquilo que é a nossa cadência enquanto seres humanos. Na altura trabalhei com o pessoal dos Moços do Beco, e depois a minha vida mudou muito, eu mudei muito, vivi fora, as minhas crenças também sofreram uma mutação profunda, e aquilo deixou de me fazer sentido, mesmo a nível de crença para mim as coisas mudaram. E o projecto mudou todo a partir do momento em que eu saio dos Moços do Beco. Eu sou amigo do Zé Zambujo há 20 anos, desde putos, e o Zé foi aquele amigo que sempre me chamou para estudar música. Infelizmente, na altura não lhe dei o crédito que devia ter dado e não fui. Quando saio dos Moços do Beco, combinei um café com ele e estava desesperado. “Mano, preciso de sair deste projecto, já não me estou a identificar com isto, não é isto que eu quero fazer”. Eles estavam a encaminhar-se para um estilo de hip hop que não era a cena que eu queria, mas eu não sabia o que havia de fazer. Eu não sou músico, no fundo, não produzo não sou músico nesse sentido de pegar instrumentos, tocá-los, não sou compositor. E ele disse: “Mas ‘bora, vamos fazer isso juntos”. E até foi estranho na altura, porque sempre fomos bué amigos, mas para mim havia uma certa cena de “mas este gajo faz música séria”. Ou seja, largar-me nisto também teve a ver com isso, eu próprio ainda não estava pronto para dar esse passo de levar isto tão a sério, de estar no meio de malta que vive disto, de eu próprio poder dar esse passo. 

E eventualmente mudas de nome para Ohmonizciente.

É com essa mudança que começo a trabalhar com o Zé e com o Westah, e depois há esta última transição que tem a ver fundamentalmente com a necessidade de mudar de nome. Isso foi o motivo principal nesta última transição, porque Ohmonizciente era um nome muito difícil de escrever, e eu tive bué situações de estar em contextos novos, por algum motivo o pessoal percebia que eu fazia música, “ah, fazes música, então qual é o nome?” E eu dizia Ohmonizciente e via logo, na cara do pessoal, que era dramático conseguir escrever aquele nome. Às vezes, por exemplo, ia trabalhar com algum produtor, compúnhamos uma cena juntos, e eles quando mandavam o ficheiro às vezes o nome estava errado. E eu ficava: “Man, se nem o people que está a trabalhar comigo está a conseguir escrever isto…” Não posso permitir que o meu nome, que é a primeira bandeira que apresentas às pessoas, seja um inimigo ou uma barreira. No meu caso gosto que a arte seja um diálogo, acho que é importante que haja um mínimo de preocupação com o interlocutor. E para mudar tinha de ser antes de lançar o álbum, foram seis anos a trabalhar no disco, queria muito que a delivery fosse a melhor possível, entregá-lo da melhor forma que conseguisse, e foi aquela cena de: é agora. Fui à procura de um nome com o qual me sentisse representado da mesma forma, e que fosse um bocadinho mais propício a ser dito e escrito, a passar de boca em boca, a poder chegar às pessoas.

E o método e o conceito do projecto já estavam a alterar-se, então.

Sim, acho que o método e o conceito alteram-se sobretudo no momento em que mudo as pessoas com quem trabalho. Essa, sim, foi a transição fundamental a longo prazo, a nível do core da coisa, do nervo. E acho que me deu um bocadinho aquele boost, não só a mim, mas à equipa, de… Sabes quando estás a jogar a bola com os manos e de repente a cena está a correr bué mal e eles dizem: “Agora é para jogar a sério”? Acho que deu um bocadinho esse feeling de, pá, agora é mesmo for real, vamos estar com o foco no máximo, e acho que isso acabou por se sentir entre nós. A partir de agora é o launch time

E como é que foi para ti, então, o processo de fazer música desta forma, com um método muito distinto daquilo que fazias nos Moços do Beco?

Foi uma diferença muito grande para aquilo a que eu estava habituado. Acho que há uma convergência de fenómenos que contribuem para isso, mesmo a nível estrutural, do que estava a acontecer no mundo da música, e da música urbana especificamente. A partir da década passada há uma mudança de drive, eventualmente com o lançamento do To Pimp A Butterfly, o Malibu também é possível que tenha tido alguma influência, o aparecimento do fenómeno Anderson .Paak, e há um bocadinho o regresso do hip hop às roots do soul, do funk, e realmente a musicalidade dos rappers mudou muito nos últimos anos, há um grau de exigência muito maior a nível de musicalidade para o trabalho do MC. Às vezes isso também pode dificultar um bocadinho a que os liricistas furem o Valete, por exemplo, fala sobre isso muitas vezes, e eu percebo bem o ponto dele mas no geral acho que a música urbana saiu a ganhar com isso. Curiosamente, essa minha transição acaba por ocorrer mais ou menos em simultâneo, eu acho que na altura a malta com quem eu trabalhava estava muito virada para o trap, eu estava cada vez menos virado para o trap sem desprimor, inclusive temos sons no álbum em que a base é trap, mas aquela sonoridade mais pura desse subgénero não era de todo o que me interessava trabalhar, e então acho que esse foi o ponto de partida. Depois, a partir daí, foi um turbilhão de situações novas para mim. Foi uma aprendizagem gigantesca a nível musical, até foi um bocadinho recuperar terreno por não ter seguido os conselhos do Zé aos 12 anos e não ter ido estudar música, e nestes seis anos a construir este disco aprendi bué. Falo mesmo no sentido de perceber melhor aquilo que é música, porque realmente houve este momento em que os rappers têm mais essa preocupação e isso também faz com que se tenha tornado uma cena mais comum, os MCs trabalharem com bons músicos, bons instrumentistas, bons compositores. Eu também estava a falar do álbum do Kendrick por isso, tens lá o Robert Glasper, o Terrace Martin, o Thundercat, que são os melhores instrumentistas da actualidade, a nata da nata. E de repente sais de um meio e de um nicho em que a cena é muito drums e botas ali umas samples e vamos rimar, para estares rodeado de pessoas que são detalhistas, que são minuciosas, que têm um conhecimento mais técnico, e realmente esse detalhe muda tudo, no fim de contas muda tudo. Foi um processo brutal estar no estúdio e chegar com uma ideia. Quando começámos a fazer o disco, eu já tinha uma ideia muito polida dos temas, já tinha grande parte das letras escritas algumas depois levaram uma roupagem diferente, mas o caminho da coisa já estava lá. E os músicos que se foram juntando e foram acrescentando novas afluências a esse rio… trabalhar com o Iuri Oliveira, que é um mestre da nossa música nas percussões, trabalhar com o João Lourenço, com o André Gravata, a Rhodalia Silvestre… A história da Rhodalia então é incrível.

Qual é?

Ela canta connosco na “Ressurreição”, a última faixa do álbum, e até teve agora um momento de hype. Esteve na final do Got Talent, infelizmente não ganhou, teria sido bom para ela. Nós compusemos a canção, é uma cena um bocado fora da caixa, porque a primeira metade da música é 5-5-4-4, em vez de ser o típico compasso quaternário, tentámos mudar ali algumas coisas, fugir um bocadinho à norma, sempre com o escopo muito bem definido do tipo de linguagem que queríamos. Era aquela cena africana roots, ancestral, aquela cena que ouves e de repente estás ligado às tuas raízes enquanto ser humano, à nossa ligação à natureza. E era muito difícil convidarmos alguém, na nossa indústria não temos tantos artistas que se enquadrem nisto, e também artistas a que pudéssemos aceder, porque a verdade é que isto foi um álbum de estreia e não pegas no telefone e ligas a qualquer músico da indústria… Portanto, como é que encontras esta pessoa? É um processo duro, e às tantas estávamos a trabalhar com o Kiko, um cantor que é nosso amigo e estava connosco no estúdio a dar umas dicas, e às tantas ele liga e diz: “Acho que conheci a pessoa que vocês estão à procura. Estava a tomar café, a mana veio ter comigo, estava a servir à mesa, tu tens pinta de artista, eu também sou cantor, ela mostrou a cena dela”. E ele assim que ouviu ligou-me, ela veio ao estúdio e em duas ou três horas fechou aquilo assim, na hora, sem preparação, sem ter ouvido o som, uma coisa surreal, caída do céu mesmo, e fez exactamente o que nós esperávamos, na linguagem que queríamos. Ou seja, isso foi um dos motivos, ou se calhar até o motivo principal, pelos quais demorámos tanto tempo a lançar este álbum. Porque houve um momento em que tivemos de decidir: “Ok, vamos acelerar o processo, ou vamos deixar que isto demore o tempo que tem de demorar e lançar exactamente como queremos lançar”. E nós enveredámos pelo segundo caminho, decidimos que o que fazia sentido era estarmos leais à ideia inicial e… É tudo tocado, não há samples. Os poucos que existem foram tocados por nós, ou seja, é tudo feito de raiz. E evidentemente isso também contribui para que o processo seja mais longo, mas também acho que foi muito mais enriquecedor assim, comparado com a experiência que eu tinha e com o mundo que eu conhecia.

Então, quando iniciaste o processo de composição, já sabias à partida que temáticas querias abordar. Como é que isso se foi formando e o que te levou a escrever estas letras?

Há letras neste disco que escrevi há 10 anos, há cenas que são mesmo bem antigas. O “Centro Desta Casa”, por exemplo, que é sobre o meu irmão, eu tinha 20 anos quando a escrevi, ele tinha 9, que é uma realidade bem diferente da de agora, em que eu tenho 30 e ele 19 e isso logicamente muda tudo nas dinâmicas familiares, já não vivo em casa da minha mãe, é tudo muito diferente. Mas é fixe sentir muito ainda estas letras. É uma das principais green flags deste disco, para mim. Nós agora no festival Irrequieto, em que apresentámos o disco, eu não me consegui sequer conter nesse som e fui às lágrimas como já estava à espera, na verdade, porque continua a ser uma cena muito verdadeira. Isto para te dizer que em 2017 já tinha mais ou menos esta ideia. E eu acho que ela começa a ser urdida, ou mais polida, principalmente em 2016, quando eu vivi na Grécia. Foi um período de transformação profunda para mim. “Onde o Sangue Ferve” é um som que fala muito especificamente desse tempo, em que eu digo, por exemplo, que quando voltar a ser um zero, quando voltar a ser gigante, vou ter a oportunidade de sentir correr o sangue, ou de sentir ferver o sangue… Tem a ver com esta ideia de às vezes nós termos de zerar-nos na nossa auto-percepção para que realmente nos consigamos ver. E eu sinto que foi muito isso que me aconteceu no período em que estive na Grécia. Então, diria que a grande maioria dos temas nasce dessa auto-redescoberta e também da minha redescoberta do mundo, não só enquanto conceito, mas enquanto realidade, enquanto paradigma concreto. Eu gostava que os meus trabalhos discográficos tivessem todos ou quase todos, pode haver excepções, não me quero prender um ponto de partida que esteja relacionado com o mundo do teatro, porque essa é a minha profissão. Nos últimos 10 anos tem sido a minha vocação principal e então interessa-me manter essas duas dialécticas conectadas. O momento em que escolho PLATEIA para título do disco, para mim tem a ver com a percepção de que o espetáculo se faz nos dois lados. Faz-se no palco, mas faz-se na PLATEIA e o que eu quero dizer com isto é… Vou dar um exemplo mais simbólico e um mais concreto. Concretamente falando, eu por exemplo agora estou a trabalhar em Lisboa numa companhia que faz espectáculos para os putos da escola. Então montamos o espetáculo num mês, super depressa, decoramos o texto todo, às vezes espectáculos com uma hora e meia, ensaiamos e depois fazemos o espectáculo 40 vezes, o que é imenso. E as 40 vezes são absolutamente diferentes, diria que 90% devido à energia do público ser também muito diferente, então há sempre esta relação… Outro exemplo é pensar que, neste concerto, achei que iria estar super nervoso porque já não íamos a palco há algum tempo, era a primeira vez que íamos tocar o disco, e houve muitos ensaios em que estive mais nervoso do que no espectáculo, porque no espectáculo há essa permuta, essa troca de energia entre o público e o palco e as coisas transformam-se mutuamente: o que acontece no palco vai ditar a energia do público e a energia do público vai ditar o caminho do que acontece no palco. Depois tens o exemplo simbólico que tem mais a ver com a tua jornada enquanto ser humano e a forma como as pessoas com quem tu te cruzas, as paisagens que vês, te influenciam também enquanto agente. Nesse sentido, gosto de pensar numa metáfora: imagina as margens do rio, como o Tejo. A margem Lisboa, enquanto agente, está a olhar para a Margem Sul, para o Cristo Rei e por aí fora, e está a observar as transformações que lá ocorrem e ao mesmo tempo, em simultâneo, a outra margem também está a olhar para Lisboa e a ver as transformações que lá ocorrem, a forma como a paisagem muda, as construções novas que aparecem, o tráfego, as pessoas que por lá passam. Há sempre esta dualidade, esta permuta, este diálogo entre nós e tudo aquilo que se passa na nossa vida. E o rio no meio é o tempo, o tempo acaba por ser a fracção comum a todas as divisões, está presente em tudo. Então gosto de ver as coisas dessa forma e para mim até tem a ver com isso, é um bocadinho prestar um tributo. Tive a felicidade de viajar muito nestes últimos anos, depois com a Covid-19 as coisas logicamente mudaram, mas, sobretudo ali entre 2016 e 2020, viajei muito e vi muitas coisas que me tocaram profundamente e que transformaram profundamente a minha percepção do mundo e das pessoas. Como estar na Sérvia a tomar um café tranquilamente no teu privilégio de português, que às vezes nos esquecemos que temos, e a comer um gelado, e de repente chega-te um miúdo, sei lá, de cinco anos, sem um braço, cego de um olho, a pedir dinheiro, e eu profundamente chocado com aquilo, até porque não é uma coisa que tu vejas cá. As pessoas nativas que estavam comigo a dizerem-me “isto aqui é normal, a maior parte das vezes são miúdos vítimas de tráfico humano, que são raptados e depois são mutilados para as pessoas terem pena e para eles próprios terem medo e perpetuar este ciclo, e depois crescem e sei lá se os matam, se os largam por aí”. Ou estar na Roménia, na estação principal de Bucareste, e ver uma mulher com uma criança ao colo um dia inteiro, e eu passei ali várias vezes, e a criança nunca se mexe e depois as pessoas também dizerem que eles muitas vezes drogam as crianças, só para estarem ali quietinhos o dia inteiro. Nem vês a cara, os putos estão assim embrulhados em mantas. São realidades escabrosas, profundamente chocantes e divergentes da que nós conhecemos, felizmente nestes casos, pois também vi muitas coisas que me marcaram positivamente. E acho que estes temas são também resultado disso, o que eu transformei dessa matéria que vivi.

É um álbum em que se nota essa experiência de vida e do mundo, uma influência que tanto é sonora davas o exemplo da ancestralidade africana na “Ressurreição” como nas temáticas. Subentende-se que houve matéria-prima de viagens, histórias e vivências que foram moldando as canções.

Sim, queríamos que houvesse esse cosmopolitismo, porque era super importante para mim prestar esse tributo às pessoas que me marcaram positivamente, e às outras vivências também que, não vou dizer que me marcaram negativamente, mas que me mostraram realidade que eu não conhecia. E depois fizemos esse jogo de, em algumas canções, imprimir isso mais na estética, e noutras imprimi-lo na temática. E daí também ter sido importante escolhermos estes feats como o Synik, que vindo do Zimbábue tem uma percepção do mundo com certeza muito diferente da nossa, a Rhodalia, a Federica Gallus, a Uxué, que vieram dar essa camada de haver um pluralismo nas vozes que te dão esta bandeja de “olha estas coisas que existem no mundo”, fora tudo o resto que nós não conseguimos abarcar no disco, evidentemente, mas era importante que houvesse outras pessoas a contribuir activamente para isso também, outras vozes. 

E essas vozes foste buscá-las de forma intencional, por quereres alguém com determinadas características? Ou foram aparecendo de maneira muito orgânica e fluida? A história da Rhodalia já explicaste.

Sim, a Rhodalia tem essa história caricata. Nos outros casos, felizmente, partiu mais de nos irmos cruzando com pessoas que nos faziam sentido trazer, foi mais isso do que estarmos a forçar a cena de “temos que ter malta que não seja tuga”. Acho que isso, ao início, nem era uma cena, mas, de repente, conhecemos o Synik, na altura ele tinha lançado um som com uma banda portuguesa que nós conhecíamos. O Zé mostrou-me, eu curti a wave e fiquei tipo “este mano é fixe, tem boa voz, rima fixe”. Entretanto, acabámos por conhecê-lo num concerto de YAKUZA, o Zé estava a tocar com eles, ainda nos antigos Anjos 70, e vimos que o Synik era uma pessoa de trato fácil, super tranquilo e humilde, trocámos contactos e foi rápido, acessível, sem grandes truques. Depois, a Federica é cantora lírica e nós queríamos muito no “Plateia” que aquela parte final tivesse assim uma cena épica, em concertos chegámos a tocar aquilo uma vez ou outra com solo de guitarra, mas fazia sentido ter ali uma voz poderosa, sem letra. Mas de facto não estava a ser muito fácil chegar à pessoa que olhasse para aquilo e metesse ali uma cena. O Zé acabou por ser o arquitecto principal da harmonia e da melodia da coisa, mas depois eles os dois, a par e passo, construíram aquilo, também foi uma cena relativamente recente, foi em 2024 que conseguimos resolver isso, era um dos berbicachos que tínhamos no disco. Foi das últimas coisas. A Uxué Caño conhecemos em Bilbao, ela é locutora de rádio e é cantora também, tem um projecto de música e conhecemos-o lá numa viagem que fizemos. Fomos fazer um projecto de música a França com um amigo nosso que já lá tinha vivido e que já a conhecia desse período, o André Cruz, que tinha feito lá Erasmus. Fomos nós os três, mais um amigo nosso que é o Pedro, o vocalista de Big Up, uma banda de reggae. Passámos por Bilbao, estávamos naquela, curiosos para conhecer, acabámos por ir beber um copo com a Uxué, demo-nos todos super bem, e sentimos logo que ela tinha uma presença fixe, uma voz interessante. Aquele poema é do André, ele já me tinha mostrado há muito tempo, apesar de ser em espanhol é da autoria dele, e assim que ele mostrou queria muito ter aquilo no meu álbum porque faz muito sentido para as temáticas que eu exploro, aliás o André é uma das pessoas que tiveram um contributo preponderante para este disco existir, porque foi ele o cicerone, o dinamizador que fez com que eu começasse a viajar tanto, que me influenciou nesse sentido de alguma forma, e então para mim também era fixe ter uma cena com o cunho dele. Então fez sentido ter o poema dele e a voz dela, porque acho que também dá essa camada de realismo de: isto efectivamente foi uma pessoa que conhecemos com a mala às costas. Ou seja, acho que partiu sempre mais do factor humano, e depois fomos olhando para isso e tendo aquele clique de “ah, isto encaixa, isto era fixe, isto dá mais uma camada à coisa”. 

E já agora, suponho que a presença d’A garota não no disco seja uma ligação mais local, de Setúbal.

Sim, a Cátia é minha amiga, é uma pessoa de quem eu gosto muito particularmente e à qual devo muita gratidão, porque foi uma pessoa muito importante na minha vida em vários momentos. Já trabalhei com a Cátia até fora da música, fomos colegas de trabalho, e foi uma daquelas pessoas que foram uma força propulsora para mim, para eu ter a moral e a autoconfiança necessária para levar as coisas mais a sério e dar aquele passo seguinte. Porque, enfim, começámos todos mais ou menos da mesma forma, somos miúdos que têm ideias e que querem fazer coisas com essas ideias, e às vezes a vida permite que possamos dar asas a essas ideias e outras vezes não. E quando digo a vida estou a contar também com estas pessoas que se cruzam no teu caminho e que te apertam a mão, olham-te nos olhos e dizem assim: “Acredita em ti, isto vale a pena, isto é bom, vai para a frente.” E a Cátia é mágica nesse aspecto, a Cátia é uma pessoa com um carisma à parte e que tem o dom de te tocar ao primeiro toque. Ela olha para dentro de ti, ela olha através de ti. E é uma pessoa por quem tenho muito amor, muita gratidão. Até colaborámos primeiro para o disco dela, para o 2 de abril, onde participei no “Mediterrâneo”. Adorei fazer essa música, adorei mexer com aquele timbre. Nós em 2021 tocámos no Avante, tocámos o “Mediterrâneo” e acabámos por fazer uma versão do “Onde o Sangue Ferve”. A primeira vez foi aí, nem sequer foi em estúdio. Pronto, depois decidimos convidá-la também para o “Chico, Chicão”. E é uma pessoa com quem eu espero colaborar mais, porque é uma pessoa de quem gosto muito, acima de tudo. 

Agora a ideia é apresentar este projecto ao vivo, levá-lo para os palcos, para a dimensão da performance, para junto das plateias que também inspiraram o conceito?

Sim, a ideia é essa. Nós temos estado a ultimar ideias no sentido de formatos, sobretudo. Porque, repara, nós tendo 26 músicos convidados para o disco, que é um número que parece meio absurdo agora visto à distância, mas é verdade, além de nós os três de mim, do Zé e do Westah , dá-nos um bocado aquela fome de que queremos meter toda a gente em palco e fazer uma cena em grande, mas é evidente que a realidade não se coaduna com isso e que isso não vai ser sempre possível. Felizmente no Irrequieto já tivemos a possibilidade de fazer um concerto com uma equipa grande, trazer muita gente, sobretudo porque é essa a linguagem do disco. Agora, pronto, estamos a ultimar outros formatos, para situações em que seja necessário termos uma resposta um bocadinho mais minimalista, mas a ideia é irmos por aí fora, tocar em todo o lado que seja possível e partilhar isto ao máximo com as pessoas. Foi muito bom termos esta oportunidade neste festival, porque foi bonito começar em casa, foi fixe tocar naquele contexto, porque o concerto também foi organizado por malta com quem eu já me tinha cruzado, já havia uma certa familiaridade, portanto foi todo um ambiente muito tranquilo, muito caloroso. E é isso, nesse aspecto não vamos diferir muito do resto da malta, queremos estar em todo o lado e dialogar com as pessoas, partilhar isto tudo com as pessoas. À partida, eu, o Zé e o Westah estamos sempre, somos o core do projecto, temos que estar os três, não faz sentido que seja de outra forma; ou seja, voz, DJing e caixa de ritmos mais sopros, eventualmente o Zé também pode tocar alguns teclados, e pelo menos mais um instrumento que há-de ser baixo ou guitarra, consoante as circunstâncias e possibilidades. Diria que a formação mínima são estas quatro pessoas, depois eventualmente há-de haver uma outra formação com back vocals, e depois à partida teremos resposta para coisas maiores, se houver a possibilidade de fazer um mega gig com 10 ou 11 músicos em palco, temos capacidade de resposta para isso, felizmente. Portanto estamos aí para nos adaptarmos às exigências de cada gig, de cada promotor, de cada espaço.


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