Os Beatbombers voltam a mergulhar no legado de Carlos Paredes com Quatro Paredes, um EP onde o sampling e a produção electrónica reinterpretam a essência da guitarra portuguesa, com lançamento marcado já para o dia 28 de Março.
Autorizados pela família do mestre das 12 cordas, a dupla formada por Stereossauro e DJ Ride — cujo percurso já se tinha cruzado com de Paredes na popular remistura para “Verdes Anos” — construiu quatro novos temas a partir das suas composições, tecendo uma fusão de texturas onde tradição e vanguarda se encontram. Batidas e sintetizadores convivem com as melodias intemporais do eterno músico de Coimbra, resultando numa experiência sonora que oscila entre momentos de contemplação e de tensão ao longo do disco.
A capa do EP é assinada por Carlos Quitério, que transformou uma conhecida fotografia do guitarrista numa ilustração de motivos orgânicos. Para marcar o centenário de Paredes, Quatro Paredes será apresentado ao vivo no dia 25 de Abril, em Coimbra, cidade natal do mestre. Num projecto que promete ser uma viagem entre passado e futuro, Stereossauro e DJ Ride prestam homenagem a uma das figuras mais influentes da música portuguesa, levando a sua obra a novos territórios sonoros e públicos.
A propósito destas novidades avançadas pelos Beatbombers, o Rimas e Batidas colocou algumas perguntas a Stereossauro, que nos desvendou alguns detalhes sobre aquilo que rodeia o EP.
Quando te lembras de ouvir Paredes a primeira vez?
Foi no liceu que ouvi falar dele, nem foi a ouvir a musica, talvez no 8º ou 9º ano, em 1990. Estava na escola a fingir que sabia tocar guitarra e um amigo meu falou-me do Carlos Paredes, que era um guitarrista de topo mundial e que tocava melhor que o pessoal do metal. Fiquei curioso e na primeira oportunidade que tive gravei logo uma cassete. Eram outros tempos, não estava tudo acessível com um clique.
O que significa ele para ti?
Logo quando descobri o Carlos Paredes deu para perceber que era uma coisa diferente. Havia muito um estigma de que o fado era uma coisa antiga, que ninguém da minha idade ouvia, eu próprio não ligava muito ao fado, mas o Paredes era realmente um coisa diferente. Eu se calhar associava, erradamente, o fado às marchas de Lisboa, aquela coisa mais alegre com umas cantorias marialvas, e isso não me interessava nada. Já o Carlos Paredes tinha uma sonoridade pesadíssima, carregada de intensidade e, às vezes, até violenta, mas também com melancolia e beleza frágil, e isso sim sempre me interessou imenso. Não era uma coisa que ouvisse todos os dias, mas cada vez que ouvia batia sempre forte e reforçava a ideia que este senhor era diferente, e que a musica dele falava comigo como poucas outras. Estamos a falar de uma altura em que eu só ouvia rap, punk rock, algum thrash metal e uma ou outra coisa electrónica, os Prodigy e coisas dessas. Portanto, ouvir algo acústico era raro, e o Paredes era talvez o único que tinha a mesma intensidade que essas bandas mas apenas com uma guitarra portuguesa.
O que representa para ti no conjunto da tua carreira o que fizeste com o “Verdes Anos”?
Game changer. Mudou tudo. Foi a musica que me abriu mais portas até hoje. Logo no momento em que fiz percebi que esta tinha algo especial, foi tudo muito rápido, foi daquelas ideias que do começo ao fim não levou mais de um hora a executar — quem me dera que fossem todas assim. Mas só quando apresentei ao vivo a primeira vez é que senti que mexeu com as pessoas de maneira diferente, foi ás 4 da manhã no final de um DJ set com o Ride, lembro me que a seguir a nós vinham os Moderat para o palco. Estávamos mesmo em ambiente rave, 4 da manhã, pista ao rubro e, para fechar o set, lembro-me de dizer ao Ride: “Vou fazer esta nova com os samples do Paredes e vou matar a pista, mas que se lixe, é a ultima musica.” E para o meu enorme espanto, no final da musica ficou tudo a bater palmas, o pessoal tinha adorado. Acho que me virei para o Ride e disse: “Este é o meu caminho.” Graças a esse tema consegui abrir portas para fazer o disco Bairro da Ponte. O “Verdes Anos” é a semente do resto da minha carreira, mesmo quando faço coisas sem guitarra portuguesa.
E em relação a este EP: o que nos podes dizer sobre ele?
Este ano celebra-se o centenário de Carlos Paredes, é uma data muito importante. Eu já tinha isto começado há algum tempo e com o aproximar do centenário disse para mim próprio que desta não podia passar. Já andava há vários meses a tratar da autorização dos samples por parte da família do Carlos Paredes, a quem aproveito para agradecer a honra de nos darem esta oportunidade, é sem duvida uma honra poder fazer isto com o aval da família, dá todo um outro sentido de legitimidade ao disco. Desde o “Verdes Anos” que surgia sempre em conversa entre mim e o Ride: “E se um dia consumirmos voltar a fazer malhas com samples do Paredes… Isso é que era.” Até porque temos sempre colaborado nos discos um do outro, mas já há vários anos que não lançávamos nada oficial de Beatbombers, e assim que tivemos o ok para avançar foi muito rápido de acabar o disco porque estávamos mesmo com vontade de fazer isto — um disco instrumental, sem reservas, deep e com muitas camadas. Ficámos mesmo muito satisfeitos com o resultado final e agora já só penso em tocar isto ao vivo para ouvir estas malhas em altos berros num PA! A capa ficou ao cargo do Carlos Quitério, nosso amigo de longa data e mestre nas ilustrações. Fomos mesmo colegas na escola [risos]. Ficou tudo em família.