A piada já terá sido, com certeza, feita várias vezes, mas nunca é demais relembrar: a música de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo é tudo menos — adivinhe-se — uma enorme perda de tempo. Em disco, isso já era uma certeza; ao vivo, não existem grandes dúvidas: estamos perante uma das grandes bandas de rock dos dias de hoje.
Perdoe-se devaneios potencialmente exagerados, típicos de qualquer crítico demasiado encantado, mas o “rock enrow” de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo é invulgar — no melhor sentido da coisa. Em palco, Sophia Chablau (voz, guitarra), Téo Serson (baixo), Vicente Tassara (voz, guitarra, baixo, teclas, fã da editora Seloki Records) e Theo Ceccato (voz, bateria) agarram na energia despretensiosa da sua pop psicadélica e ruidosa (como a melhor pop sempre o é) e transformam-na numa comunhão catártica onde qualquer um pode — e deve — contribuir com a sua parte.
Nesta segunda-feira (3 de junho), o Musicbox, em Lisboa, palco da primeira de duas datas em Portugal da banda oriunda da cena musical efervescente de São Paulo (a segunda ocorre nesta quarta-feira, 5 de junho, na Socorro, no Porto, com primeira parte ao encargo dos Marquise), testemunhou um concerto que, para já, foi um dos melhores que assistimos em 2024.
A visita a Portugal de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo deve-se ao seu segundo disco, o excelente Música do Esquecimento, editado na segunda metade de 2023 pela selo RISCO. Tal como tudo no universo de Sophia Chablau, o título de Música do Esquecimento é uma ironia. Se a música desta banda é tudo menos uma perda de tempo, então as canções escutadas nesse LP serão tudo menos esquecidas rapidamente.
Da clara devoção aos Pavement e da habilidade entre navegar a pop experimental e psicadélica de uns Beatles, Mutantes ou Velvet Underground, o que os Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo conseguem fazer é encontrar um enquadramento onde a relação entre tesão-coração (“Delícia/Luxúria”) e estadias breves na coitadolândia (“Embaraço total”) não são mutualmente exclusivas. Nesta obra, o desejo e o sexo são bem-vindos, mas são tratados com a sinceridade jovial de quem está ciente que o processo de descoberta e experimentação é eterno. A jovialidade, acima de tudo, na música de Sophia Chablau, é uma arma de combate para nos lembrar que ficarmos conformes é, na realidade, a maior perda de tempo das nossas vidas.
O resultado dessa confraternização libertadora são canções pop que nos fazem dançar, malhas rock que nos fazem moshar, baladas psicadélicas que nos fazem chorar (olá “Último sexo”, cantada pela primeira vez fora de portas por Theo e com Sophia na bateria), belíssimas cantigas que nos fazem entoar em coro o seu refrão. No Musicbox, tudo isto aconteceu. O único defeito foi que, nesta noite de segunda-feira, a sala lisboeta estava longe de estar cheia. Mas quem apareceu, veio com muito amor para dar. Felizmente para nós, Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo vieram com tanto amor para dar como para receber.
Poucos acordes de “Baby míssil”, a abrir o show, foram necessários para que o Musicbox entoasse que, quanto mais nos vestimos, mais nos despimos. E isto é verdade! A forma como Sophia Chablau e compinchas exploram as emoções à flor da pele é uma das razões para que as suas canções transformem o vulgar (amor, tristeza) no invulgar (rock despretensioso e andrógino). Quando o desabafo em forma de ruído quase shoegaziano conclui “Fora Do Meu Quarto”, canção de destaque do disco homónimo de estreia (2021), não há muito mais a fazer do que fechar os olhos e, simplesmente, existir e sentir. Quando o roque é assim, poético, a vida até parece mais bonita e menos dolorosa.
Quando os últimos acordes de “Segredo”, maravilhosa canção, encerram o concerto, após um derradeiro moshpit, banda e público estavam em pleno estado de comunhão, onde a poesia no ar surgia da soma total da felicidade dos presentes. Se o limite da soma é a soma dos limites, como a matemática nos tenta explicar, então a alegria, quando estamos perante um espetáculo desta malta de São Paulo, é determinado pela soma do limite do regalo de todos aqueles que fizeram parte da experiência. Pelo que assistimos, esse limite é infinito, confirmando a teoria inicial: a música de Sophia Chablau e camaradas é tudo menos uma enorme perda de tempo.