Nome forte do rap underground espanhol, Santa Salut estreia-se em Portugal no próximo sábado, 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, com um concerto no Titanic Sur Mer, no Cais do Sodré, em Lisboa, programado pela Faded. Tommy El Finger e Uno estão a cargo da primeira parte. O after-show será responsabilidade de Sam The Kid e DJ Big, com um DJ set que se irá prolongar até às seis da manhã. Ainda há bilhetes à venda.
Será a primeira data da digressão internacional da rapper catalã, que vem apresentar o álbum Queens of Groove, o segundo longa-duração da sua carreira, que foi editado a 27 de Fevereiro e funde uma estética boom bap com elementos que vão da electrónica à tradição musical argentina — o disco foi composto na capital do país sul-americano, Buenos Aires.
Para antecipar a estreia em Portugal e assinalar o lançamento do álbum, o Rimas e Batidas entrevistou Santa Salut.
Esta vai ser a tua estreia em Portugal. Estás entusiasmada por vires tocar ao teu país vizinho?
Estou sim, é como uma nova aventura. Sinto-me bastante sortuda por ser único ir tocar aí como rapper espanhola. Não sei como vai correr, porque é a primeira vez, mas recebi muitas mensagens de portugueses ao longo destes anos, por isso estou muito feliz de tocar em Portugal.
Vens apresentar o teu novo álbum, Queens of Groove. Como é que o abordaste? E o que é que sentes que o distingue dos teus discos anteriores? Há elementos novos que sabias que querias incluir e explorar?
O meu primeiro álbum, Discordia, foi muito experimental. Agora, a certo ponto eu estava a pensar: “Tenho de fazer um segundo álbum, preciso de refrescar, tenho andado a tocar as mesmas canções há quase dois anos e meio. Tenho aprendido muito sobre música, tenho viajado tanto, tenho andado a ouvir coisas tão diferentes… Preciso de passar as coisas da cabeça para a música.” Então, pensei que com este segundo álbum tinha de fazer o meu melhor, o melhor álbum que conseguia fazer, pôr lá todo o trabalho que tenho vindo a fazer. Quero mostrar às pessoas que me acompanham que tenho vindo a melhorar e que consigo ser muito melhor do que quando estava a começar. Então fui para Buenos Aires, tive a sorte de tocar lá muitas vezes, tenho lá amigos, adoro a forma como vivem a música lá. Estive lá três meses e fiz o álbum inteiro.
Sentes que as tuas experiências em Buenos Aires influenciaram muito o álbum?
100%. Em Buenos Aires as pessoas gostam do que faço, apreciam a minha arte, fazem-me sentir grande. E eu antes estava um pouco mais em baixo, há momentos em que não te valorizas tanto. Por isso eu estava a rappar muito sobre estas ideias. E há momentos no álbum em que estou do género “sim, sou uma grande rapper, woohoo“, mas há outros em que estou mais introspectiva. E há muitos sons e fusões de sonoridades. Existe sempre electrónica nos meus concertos e discos, e acho que desta vez a usei de uma forma mais madura, com mais sentido, porque, obviamente, tenho vindo a aprender.
De onde vem o teu interesse pela música electrónica?
Sempre adorei música electrónica. Antes de começar a rappar, ia a festas electrónicas de hard techno, minimal… Mesmo no início do meu projecto, com o DJ com quem trabalhava, testávamos eu a rappar por cima de techno, percebíamos que havia ali algo interessante. E é óbvio que adoro todas as partes dos meus concertos, mas quando é hora do techno… [risos]. E também estou a começar agora a fazer os meus DJ sets, em que toco techno, trance… E também canto as minhas faixas mais electrónicos, misturo-as, há algo aí.
Apesar dessa paixão pela electrónica, também integras na tua música muitos outros sons, nomeadamente mais orgânicos e tradicionais.
Sim, a base principal deste álbum é um boom bap orgânico. Toda a música que adoro como soul, jazz, rap, coisas tipo Fugees… Gosto muito destas ideias e estamos a misturá-las. Também gosto de ter um momento punk nos meus discos. Há aqui uma faixa em que a referência é mais Limp Bizkit, tenho outras que vão para o folclore tradicional argentino, depois tenho house… Estamos a misturar coisas orgânicas com sons mais electrónicos e frescos. Durante este tempo todo, estive a pensar em todas estas referências.
Por ter sido composto na Argentina, o processo criativo foi muito diferente ou nem por isso?
Claro que foi diferente, mas… No primeiro álbum, aluguei uma casa nas montanhas e fiz lá quase todo o trabalho criativo. Fora da zona de conforto, do quotidiano, porque um álbum não é uma coisa do dia-a-dia. Não é um single, isto é um trabalho diferente. E agora claro que foi uma grande experiência porque estive lá três meses, fiz lá uma rotina, trabalhava com os produtores e ia todas as tardes, à mesma hora, para o estúdio. Fiz amigos. É importante sair da vida normal para criar algo extraordinário.
E sentes que as tuas raízes catalãs influenciam directamente a tua música?
Não creio… Eu canto em catalão, mas a música mais popular na Catalunha é o rock, o punk ou a rumba… Há certamente referências destas na minha música, porque ouvi música da Catalunha a minha vida inteira, fui a muitos concertos de grupos locais, por isso claro que sim. Mas não quero que a minha música seja rotulada só como música catalã, até porque não o é.
E estamos numa era em que a música cantada em castelhano — com a explosão do reggaeton ou de ícones como Rosalía — tornou-se mesmo popular ao nível mundial. Acreditas que, nesta fase, o rap espanhol — mesmo um registo mais underground — tem mais potencial para ir mais longe, para chegar a um público mais global? No teu caso, obviamente já estabeleceste pontes importantes com a América Latina.
Sim, acho que há um grande nível em Espanha e é muito positivo que tenhamos algo realmente identitário. Consegues ver isso na música espanhola e este é um grande momento para a música cantada em espanhol, o mundo inteiro quer ouvir-nos. Mas haverá sempre música que é para toda a gente, e música que não é para todos — para isso é que serve o underground. Mas, sim, este também é um bom momento para o rap e para a música urbana, há artistas a tocar em salas muito grandes, para muitas pessoas. Ir tocar à Argentina ou ao México… Eles ficam malucos. E nós também somos muito efusivos no sul da Europa, também já toquei na Grécia e é assim.
E sentes que deveriam existir mais pontes entre o rap espanhol e o rap português? Porque, obviamente, estamos muito perto — mas não há muitas coisas a acontecerem nesse fluxo, entre as duas fronteiras.
Sim, sem dúvida, deveria haver mais pontes. Não há muita coisa a acontecer. Talvez a língua seja uma barreira, mas não é assim tão diferente. E nós também não entendemos toda a música que ouvimos.