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Fotografia: Lourenço Carvalho
Publicado a: 22/04/2025

“Bom dia. Era a desilusão do dia por favor…”

redoma no Maus Hábitos: assim se lança uma flecha em forma de disco

Fotografia: Lourenço Carvalho
Publicado a: 22/04/2025

“Ah tão bom, ninguém as faz como vocês.” Assim começam as palavras ditas e escritas por Carolina Viana, cara metade destas redoma, junto com a produtora Joana Rodrigues. Maus Hábitos, noite de 17 de Abril, numa primavera que teima em ser chuvosa, arrasta melancolia em meio de dolência, teima em adiar a redenção aos luminosos dias. Bate certo, como a esteira musical e poética de santos da minha mente, disco lançado pela Biruta Records, formato de longa duração inaugural da trajectória de redoma. Estamos na noite da apresentação desse trabalho em palco. 

Concerto que reune todas e todos os que importam. Porto, terra de criação desta dupla e de tantas outra expressões musicais, entre o hip hop e a palavra dita. Antes ainda escutámos uma prestação fulgurante e inquieta de Balu, produtor que veio com a MC alicemnenhumlugar. Como num, em nada silêncio, abrir espaço para redoma. “Esse é o último comboio”, desamparavam em sentido urbano as palavras entre batidas, entre um ir mais adiante, em desabafo — “tinta negra por dentro”. Esse é o último comboio, onde uma guitarra em palco sobressai ao beat. Há muito e bom nervo aqui, a seguir de perto.

redoma assomam-se e trazem toda a cumplicidade que as fez chegar aqui. Além de Carolina e Joana, há a trompete de João Pedro Dias e os visuais projectados em tela pela designer Diana Gil. Arrancam em modo instrumental fazendo “contas à vida”. Este longa duração é uma continuidade, mas onde existe um crescimento, como relevavam em entrevista concedida ao Rimas e Batidas. Ouvimos redoma entre as sonoridades de uma seminal Bristol na passagem do milénio, entre uma aura de mistério dessas vozes e uma certa presença de uma Moor Mother dos dias de hoje, ou até mais perto dos campos da lírica poética de uma aja monet em when the poems do what they do. Tudo isso sem nunca esquecer que, nesta terra, uma marcante Capicua mostrou a tempo formas de ser e saber fazer. 

“santos da minha mente” enquanto tema homónimo do álbum também soa em palco e torna-se ilustrativo e abrangente. Muito do que são ou querem, que reivindicam, está aí contido. O que se releva como força inseparável acrescida, e plena de razão, é a voz texturada da trompete de Pedro Dias, sublime e omnipresente. Trazem de volta partes do EP, a dar conta dessa continuidade com “entreparedes” a que juntam “folia”, numa dupla plena de intensidade e propósito. Ecoam finais de frases certeiras — “…sou presente”. E esses interlúdios de trompete são magníficos. 

“Cala-me e apronta / cala-te e afronta” incendeia por dentro. Parte de um todo em êmbolo roto, feito de desilusão e ilusão. Navegação à vista, nesse embalo do loop lançado por Joana em “2572”, como em título mantido sem revelar a razão, refere Carolina. Este primeiro bloco de concerto que termina com um redentor solo de trompete a fechar esse “lugar”. 

Esta música de redoma transpira de desilusões, em candura, é certo, muito do amor como numa dessas frases pinchadas nas paredes — em grito feminista — de uma qualquer cidade onde se lê “não posso ser a mulher da tua vida pois já sou a mulher da minha”. Mas há também uma certa desilusão do espaço urbano, entre a identidade e a perda. “Vamos agarrar este Porto que se está a ir aos poucos”, reclama Carolina à plateia cúmplice e presente.

O segundo bloco é mais poético na medida do pós-desalento, num sonho e da fuga. Uma tripla de temas faz-nos as delícias. Juntam “delírios mentais” a “poço” e “fuligem”. Esse delírio, meio surreal, meio mensal, como em apresentação desse que foi um dos primeiros avanços do novo disco — “Faz parte de uma natureza ditada à nascença, porque no decorrer do ciclo, há um momento propício.” E essa trompete a pairar tema adiante, a pairar… A prevenção da queda, da consciência do momento em modo “quero acreditar!” presente em “poço” é seguida por “fuligem” onde fintam o final, adiam o desfecho nesse pairar sobre a espuma dos dias. Tema construído em uníssonos entre as vozes e a melodia, entre Carolina e Joana. Houve um desfecho em palco, inundando de improvisação, unindo em texturas cromáticas os visuais, em tela, ao trompete. Tudo muito carmim, feito de uns explosivos e aveludado tons.

Arranque para o derradeiro bloco do concerto em modo “voo lento”. Se das palavras resulta um fluxo aéreo, meio etéreo, andamos nesse voo alto – voo lento, com muito suporte garantido pelo flow trazido desde as mãos de Joana. Acção da gravidade, a escapar, até que se ouve “esse fluido que caiu da tua mão”, mas sem deixar cair no chão. Havia em campo uma trompete imaculada, feita de surdina em amparo. “outro lado” trouxe essa sonoridade de epílogo, de fim de estória contada, numa toada batida que ecoa pelos poros das palavras, essa procura em contínuo: “Tenho andado à escuta / para poder falar / mas assim não dá / que é que tá do outro lado?” Na verdade é um final em aberto que traz a perspectiva do acreditar, de não desistir de manter tudo por acontecer. 

Terminam com um encore declamatório, em “condição”, repescado do EP e cheio de propósito. Tema de forte pendor, rampa, feito de um “eu” em redor do lugar. “O que eu também queria era pode viver / puta, preta, branca, fufa, homem ou mulher. (…) Agora que estou / não me vou”, como nos alertam as palavras afiadas, sábias e na herança das avós: “O que custa não é viver, é saber viver”.

Foi uma das melhores formas imaginadas de retomar esta presença em palco de redoma. Passaram uns anos, desde que nesse dia quente de Agosto, quando tocavam no final de tarde suspensa em Lamego no Zigurfest’22. Por entre as nuvens encasteladas que se aproximavam, ficámos com tamanha vontade de narrar o que víamos a acontecer. Esse dia chegou, e foi assim apaziguador e com tanto de bom para poder contar.


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