O esloveno Gasper Livk abriu as hostilidades do terceiro dia (11 de Abril) de Portalegre JazzFest com o seu solo de contrabaixo no Museu de Tapeçaria. Na bagagem traz uma caixa de 5 discos, editada pela Clean Feed, onde actua a solo, em duo, trio, octeto e large ensemble. Curioso. Ora, começou o concerto com o arco a roçar nas cordas mas sem fazer pressão alguma, restando apenas aquele tsssx-tsssx. Porque também não pressionava as cordas, ficou um barulhinho estranho e impreciso. E foi isto durante meia hora. Nem uma nota, nem um caminho, só aquela estática quase imperceptível e, para alguns, totalmente incompreensível. Livk, bastante empenhado, mexia-se bastante mas nem por isso nos levava a qualquer lado. A experiência sónica, porque havia ali uma exploração do modo como o som se difunde, passou-nos ao lado. Incomoda-nos quando não nos conseguimos agarrar a nada e, pior, quando não nos provoca nenhuma emoção. Aprecia-se a espaços o controle do baixo volume, mas convenhamos, é pouco. Adiante.
Bruno Pernadas na guitarra elétrica com (muitos) efeitos e José Soares no saxofone alto actuaram no auditório do CAEP pouco passava das 21h30. Pernadas abre a solo com um tema que compôs para o filme Four men on a raft (1942) de Orson Welles. É uma canção entre a folk, o jazz e a dream pop. Pernadas apresenta depois José Soares e a coisa dá-se. Ao longo de uma hora há jazz de fusão, com e sem efeitos, há folk e há pop. Lembra-nos muito as bandas sonoras do cinema noir. Aquele jazz muito cool. Pernadas é conciso e tecnicamente admirável. Justifica o hype que tem em vários géneros. É bom o modo como interage com os samples e os vários pedais, embora algumas transições sejam duras. Os seus temas são bem escritos e algumas composições lembram-nos o melhor da música popular portuguesa. Nota-se que não é um puro jazz player, mas entende-se que a contemporaneidade já não se adequa a estas gavetas estanques. Há modernidade e classicismo. Já José Soares tem aquele alto que remete para outros tempos. É curioso como se distingue do bebop de Toscano, tendo um som cronologicamente posterior. Hard-bop será? Pouco importa o género. Foi um concerto bonito e tranquilo onde a espaços a improvisação permitiu ir a lugares novos e trilhar caminhos interessantes.
No fim da noite, já nos claustros do Convento de Santa Clara, a dinamarquesa radicada em Berlim, Mia Dyberg apresentou-nos o seu trio. Asger Thomsen tem um contrabaixo poderoso, com muito ritmo e às vezes apunkalhado. Na bateria, Simon Forchhammer surpreende. Tem um swing muito próprio, principalmente com as vassouras. Ambos elevam o espírito das composições de Mia. Apontada como uma das novas esperanças do jazz europeu, Mia Dyberg toca muito e bem. De lírica discreta, evitando lugares comuns, o seu sax alto é firme e lúcido. É um free jazz europeu, branco e aberto. Ao longo da noite as desconstruções e o “voltar ao tema” são fluidos e aprazíveis sem nunca perder o essencial. Neste concerto há uma liberdade e um espaço amplo que apreciamos. Mia Dyberg é bastante expressiva e intercala a intensidade com a subtileza. Sim, este som pode ser abrasivo, mas a noção de quietude atenua qualquer um. Mia está sempre muito atenta e lidera um trio que fez as delicias do público.