pub

Texto: Hugo Pinto
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/04/2025

Mestria nacional no arranque do certame.

Portalegre JazzFest’25 — Dia 1: eleva-se a fasquia para o que aí vem

Texto: Hugo Pinto
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/04/2025

Começou ontem (9 de Abril) — e em alta — a vigésima edição do Portalegre JazzFest, primeiro com o solo de Carlos Barretto no Museu da Tapeçaria, depois com o duo Carlos Bica & João Barradas na igreja do Convento de São Bernardo.

Uma das apostas deste Portalegre JazzFest são os concertos diários de contrabaixo solo. São concertos gratuitos, ao fim da tarde, numa das salas do Museu da Tapeçaria, decorada com enormes peças dos painéis de Almada Negreiros na Gare Marítima de Alcântara. À chegada, a sala apresenta-se cheia, entre locais e gente que vem de fora para o festival. Pedro Costa, o programador desta edição, apresenta Carlos Barretto, lembrando que ele foi o primeiro programador do festival. É justa e merecida a lembrança.

Carlos Barretto começa seguro, com um quasi-fado. Ou pelo menos algo indubitavelmente tuga. Haverá Paredes? Ao segundo tema, um arco. A técnica é sentida e crua, o som mais arisco. Nada é gratuito, tudo arrancado a ferros. Barreto larga o arco e segue free, depois volta a pegar-lhe e é um diálogo que soa a discussão. E drama. O terceiro tema soa mais jazzístico e previsível — e não há mal nenhum nisso. Soa a hard bop, algo mais swingado, mais rápido e contundente. Barretto coloca umas pequenas molas nas cordas e o som ressente-se disso. Fica mais fino e mais difícil de digerir. Não há cá meninos neste som e isso não tem de ser um drama. A certa altura, entra um pedal com um delay-echo. Fica tudo mais cheio… E mais bonito também. Barretto bate nas cordas e agora é percussivo. Mais tarde acelera, como se tivesse pressa de chegar a qualquer lado, a correr. Não há descanso nesta pressa. Toda esta música transmite sentimentos. Alguns deles são palpáveis. Barretto agradece e lembra-nos que lançou o ano passado Lonely Dog, o seu último trabalho a solo. Termina com uma improvisação. De volta aos pedais, tudo é um balanço, como o ponteiro dos segundos de um relógio avariado mas não parado. Carlos Barretto já vai solto e anacronicamente certinho. (Como pedir coerência a quem escreve sobre este jazz?! Tende paciência). Tudo valeu a pena.



Depois de jantar o destino é o Convento de São Bernardo, onde os painéis seculares de azulejo azul impressionam qualquer um. Já na igreja, a luz daquele azul elétrico choca e imprime estranheza. Há os previsíveis agradecimentos institucionais e nota-se a presença das figuras públicas da cidade. Algo boring tudo isto. Carlos Bica é um nome maior do contrabaixo. Com uma carreira internacional notável e colaborações preciosas nos mais diversos estilos — Sam The Kid que o diga. Além, obviamente, do seu trio Azul. Nome incontornável da música portuguesa.

Já João Barradas é um jovem acordeonista premiado internacionalmente. E embora jovem, o seu currículo mostra que está no sítio certo, a tocar com as pessoas certas, a compor como poucos e a tocar muito. Este concerto foi toda uma experiência. Algo mágico e não facilmente descritível. Como uma trip. O local tem aquele misticismo de uma igreja nua, com algo de decadente trazido pelo tempo, mais o catolicismo e as cruzes e um ocasional pássaro para compor o ramalhete. O som deste duo é difuso e amplo. Ou, quando assenta, mais próximo da música erudita que do jazz. Sim, há espaço para a improvisação, mas é tudo estranhamente rígido. Há uma formalidade inescapável na qual Bica e Barradas se sentem bem. Há muitos modos de um arco se relacionar com o contrabaixo e Bica sabe-os todos. O acordeão de Barradas começa como um drone, depois como um cravo, por fim há um controlador vocoder e percebemos que está ali um mundo. O espaço deste som é imenso.

A relação entre os músicos é intempestiva agora, depois ainda será acutilante, mais tarde irá aligeirar, antes de se voltarem a picar. É tudo uma abstração direcionada. Nada de preciso nos serve para descrever esta música. É como um circo do diabo na igreja. Os “solos” são bastante fucked up e a certa altura ocorre-nos que nos faltam referências para apreciar tudo isto. É nessa altura que nos deixamos ir, não vale a pena intelectualizar. Ao segundo tema há lamentos no som. É tudo muito triste. Um som dorido. Como os nossos pés de tanto subir e descer Portalegre. Depois é música antiga, mais calma. A seguir arroga. Eleva-se exigente. Isto pede a atenção de quem a ouve. É quase impossível ficar passivo. Ainda bem que assim é. Há momentos quasi-pop, como quando Barradas usa um controlador no acordeão. Ocorre-nos que os Animal Collective haviam de gostar disto. Agrada-nos de sobremaneira que eles evitem lugares-comuns. Também que o som seja internacional, não caindo na, tão fácil, cena tuga do acordeão. Bica apresenta João Barradas e revela que quase todos os temas são não só compostos pelo acordeonista, mas também escritos especificamente para este momento. É a primeira vez que os estão a tocar e tudo isto é impressionante, tornando um concerto já de si especial, em algo único. São temas muito classy. Entra um tema de Bica que soa meio preso à pauta até Barradas entrar. Por um breve momento eles riem, a “conversa” é animada e alegre. É tão bom a cena mais alegre. O concerto termina mas a reação do público é de tal impacto que se faz um encore. Bica fala sobre a hora mágica das 11:11. Diz que há a crença de que a essa hora os desejos se realizam. Esta noite tudo correu bem. Que grande bom agoiro para o resto do festival. Fica alta a fasquia.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos