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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Pedro Vieira
Publicado a: 30/03/2022

Respeitar e ser respeitado.

Pibxis: “Quis mostrar a minha versatilidade no Rei do Rap

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Pedro Vieira
Publicado a: 30/03/2022

Se em terra de cegos quem tem um olho é rei, Pibxis teve de apurar a sua visão durante anos a fio para finalmente se consagrar Rei do Rap, título do seu primeiro longa-duração a solo, editado pela Paga-lhe o Quarto Records de Keso.

Praticamente duas décadas depois do início da sua jornada no hip hop, o rapper de Matosinhos entregou-se à demanda maior, depois de uma primeira investida, em 2018, com o EP Esquizografia, numa obra mais ambiciosa e, por isso mesmo, “amorosa” — uma caracterização que resume o sentimento impresso neste disco que, por se revelar tardio, traz consigo muita coisa na bagagem. “Pibxis, o Rei do Rap. ‘Tá aí a promo”.



Se considerarmos o teu início no rap como tendo sido em 2002, o teu álbum de estreia foi editado 20 anos depois de começares a tua carreira como rapper. Sentes que esse tempo todo foi benéfico para a tua maturação artística?

Se foi benéfico ou não é outra coisa que também podemos falar. Foi necessário que passasse este tempo todo para que eu conseguisse fazer, para ter a capacidade, seja a nível de recursos, seja a nível de capacidade… não diria intelectual, mas também. Ou seja, teve de passar esse tempo todo para conseguir fazer um álbum. Noutras alturas não tinha reunido os recursos necessários, nem sequer tinha tanta vontade de fazer. 

Então porquê agora, em 2022?

Eu sinto que, desde que gravei o Esquizografia, foi aí que a minha carreira começou, apesar de tudo. Antes aquilo era só umas rimas e uns instrumentais e uns beatboxes, ou seja, era mais um estilo de vida. Não tinha tanto esta necessidade, ou esta apetência, para ser músico. 

Quanto tempo demoraste a desenvolver o álbum?

Este álbum demorei cerca de dois anos. É um álbum que começou a ser pensado já antes da pandemia e que se foi fazendo ao longo destes dois anos. 

Pergunto isto porque este disco, além de estar bastante sólido, está largamente acima do que tens vindo a fazer em faixas soltas e pequenos projectos. Sente-se uma evolução num processo que culminou num trabalho muito bem conseguido. Achas, ainda assim, que se a tua carreira tivesse sido construída com mais projectos em nome próprio, poderias estar num nível ainda mais elevado, ou chegares a “rei do rap” só foi possível pelo caminho que fizeste?

O meu percurso foi fundamental. No início, apesar de tudo, sentia que não era assim tão bom. Eu lembro-me que os primeiros anos foram penosos. Começas a ouvir rap e os rappers já eram muito bons. Eu seria médio, mesmo a fazer o que estava a fazer, comparado com outros sentia que não era muito bom. E agora já sinto que tenho um nível com o qual me sinto confortável, para fazer música, para falar de certos temas.

Também sei que tu e o Keso têm uma relação — pessoal e artística — já de há muitos anos. Ele foi uma pessoa fundamental nesse longo processo? Não só neste álbum, mas em toda a tua carreira.

Olha, sem dúvida. O Keso é indissociável da minha carreira, como a amizade do Keso é indissociável da minha pessoa. Mesmo em termos de amizade, o Keso é um daqueles amigos como há poucos, ou seja, mesmo enquanto pessoa ele é um exemplo para mim. Enquanto rapper, o Keso foi aquele input mais profissional à coisa. Sempre fez aquelas críticas mais sérias que uma pessoa precisa no início, de achar que as músicas não estão tão boas. Mas, por outro lado, a postura do Keso em relação a mim, apesar de ter sempre dito as coisas como elas são, deixou-me sempre seguir o meu caminho. Naquilo que é a minha escrita, sempre me incutiu o ser livre e criativo à minha forma, ou seja, foi mais as coisas à volta, de arranjar condições, profissionalizar no sentido de dar bons concertos, tentar escrever as melhores rimas possíveis. Tirando um ou alguns casos que eu possa não me estar a lembrar — porque a nossa relação já é longuíssima —, eu não me lembro de o Keso dizer “não faças assim, faz assim”; é mais “olha, se fizeres assim, é capaz de ficar mais fixe”. O que eu quero dizer é que, apesar de o Keso ter bastante influência em mim enquanto rapper e pessoa, eu nunca me senti pressionado pelo Keso a fazer nada.

Sentes que ele foi e é uma das figuras mais importantes nas gerações intermédias e mais novas do rap do Porto? O exemplo mais óbvio disso é a compilação Sinceramente Porto, mas todo o trabalho da POQ tem tido muita importância nessa força que é característica do rap portuense.

Sim, bastante. O Keso criou um centro, um foco, um sítio como a POQ onde tu podias ir mostrar os teus trabalhos, ou simplesmente ires lá pedir opiniões. E para muita gente que não tem essa oportunidade o Keso é muito importante nisso. Posso dizer que agora só há dois focos de rap, por assim dizer, mais activos no Porto, que seria o Keso com a POQ e o Segundo Piso do Mundo Segundo. 

O Mundo sempre foi esse foco, desde o início o pessoal ia ao Segundo Piso e a quantidade de gente que ajudou e lançou é enorme. Considero o Mundo se calhar como um dos primeiros go to guys do Porto. E o Keso, nos últimos anos, também tem feito esse papel. Há outros pequenos focos, mas com a seriedade e a abertura que a POQ tem em relação a novos artistas acho que foi uma coisa mesmo que ainda não tinha existido com outro tipo de pessoal.

Por outro lado, pelo que sei e vejo, tu és uma pessoa muito respeitada no hip hop nacional, mesmo sem teres no currículo álbuns a solo marcantes. Também sentes isso? 

Eu sinto esse respeito e acho que também tem a ver com aquilo que eu te dizia: antes de eu gravar os álbuns e de me considerar rapper de álbuns e de acção, eu já tinha o lifestyle, a cena do hip hop, de andar atrás do Keso para concertos, mesmo eu ir a vários sítios conhecer diferentes pessoas. Acho que o respeito tem a ver com isso, as pessoas terem-me conhecido em algum momento e através da minha postura e da minha abertura para as coisas. Acho que o respeito vem sobretudo daí, porque eu sempre tive uma noção de movimento e de cultura. Mesmo o meu respeito é nesse segmento, ou seja, ter a noção de que somos vários aqui a fazer coisas diferentes com um interesse em comum, um amor em comum, neste caso o hip hop. Eu acho que o meu respeito, provavelmente, virá daí em relação aos outros — cada um sabe porque é que respeita, cada um terá os seus motivos diferentes para me respeitar.  

Dantes parecíamos muitos e andávamos sempre às cabeçadas uns com os outros. Quando crescemos acabámos por perceber que éramos poucos e que, apesar das nossas cabeçadas uns aos outros e dos nossos desentendimentos e desencontros, nós ainda éramos muito mais parecidos naquela altura com aquelas pessoas do que com o resto. A partir daí acho que houve um crescimento muito positivo para a cultura. A cultura precisou para se manter coesa, com alguma unidade. 

Prova disso mesmo é a quantidade de gente variada que tens neste teu álbum de estreia. Como é que aconteceu isto de haver tanta gente envolvida? Procuraste essas pessoas, ou foi o contrário? Ou ambas?

Há pessoas que eu procurei. A ideia inicial deste álbum era fazer um primeiro álbum. E eu lembro-me dos primeiros álbuns de rappers portugueses que comecei a ouvir ali nos anos 2000, em que os rappers escolhiam beats de produtores diferentes, seja do Sam The Kid, do Bambino, do Kilu… A minha ideia era essa: juntar vários produtores diferentes, uma ideia que já não está muito em voga. As coisas são mais fáceis a trabalhar só com um produtor, dá para fazer algo mais profundo nos beats. Só com um produtor é muito mais fácil nesse sentido. Mas eu quis fazer um primeiro álbum — e um primeiro álbum em que eu me tentasse mostrar em diferentes tipos de beats. A minha ideia era mostrar a minha versatilidade e pegar em músicas que suscitassem temas. E eu estou a sentir esse feedback: cada pessoa diferente tem uma, duas, três músicas preferidas diferentes. Não há muita gente a dizer que prefere só uma música.



Uma colaboração que me impressionou em particular foi a da faixa “Carolos” com o Maior Major, um rapper que ainda agora começou mas que promete vir a dar coisa boas. Como é que conheceste o trabalho dele e porque é que quiseste dar-lhe uma oportunidade no teu disco?

Como é que eu conheço o Maior Major… Agora não me estou a lembrar, mas foi sempre naquela cena de dar props, e ele queria fazer uma música comigo. Ele está a fazer um projecto e queríamos fazer uma música para esse projecto, que não correu tão bem. Eu escrevi várias letras, depois em relação ao beat não tínhamos chegado a uma conclusão… E eu já tinha ali uma letra — a letra do “Carolos” já tinha escrita há muito tempo e sabia que era uma música que eu queria para o álbum. E quando estava a reunir beats para o álbum, não estava a arranjar beat para essa letra. Então, quando arranjei, como nessa altura já estava com a energia de fazer uma cena com o Major, mandei-lhe, a sinergia estava a funcionar e basicamente foi isso. Gosto da cena de dar oportunidade aos mais novos. Mas sim, teve a ver com essa disponibilidade e esse entusiasmo que ele tinha em trabalhar comigo, e eu funciono muito assim, ou seja, quando vejo que agrado a essas pessoas, e essas pessoas ainda têm a vontade de trabalhar comigo, isso para mim é uma honra enorme, é um orgulho e uma injecção de confiança para fazer coisas. 

Falavas desse processo dos beats e das letras. Neste álbum aconteceu muito isso: teres letras e procurares beats para elas?

Aconteceu com quase todas.

Mas esse é mesmo o teu processo?

O meu processo só começa a partir do momento em que eu escrevo, e muitas vezes escrevo em beats que não estão acessíveis, beats que não vou ter a possibilidade de usar. Muitas vezes é o feeling do beat que me faz iniciar a escrita. Mesmo a “Promo” era um beat que não tinha nada a ver com aquilo, apesar de já ter a letra. Mas escrevo muito, ou seja, o que eu me agarro é às letras, não me agarro nada aos beats porque não são meus. Por isso ando muito atrás de beats.

Nesse caso da “Promo” escreveste noutro beat e, depois, pensaste logo no Sensei D.? 

Não pensei logo no Sensei D., mas estava com o Sensei D. e ele mostrou-me uns beats — e aquele beat. E eu comecei a rimar a letra da “Promo” e “epá, isto encaixa. Dá para ficar com este beat?” Foi um bocado assim, um bocado ao acaso.

Ainda sobre esse processo, no documentário que serviu de preâmbulo do disco descreves este álbum como “amoroso”. Este podia ser o teu primeiro e último grande trabalho, no sentido em que deste tudo o que tinhas para dar?

Sim, sim, pode ser. É “amoroso” no sentido de fiz com muito amor e muito carinho. Se fosse o último, se ficar — espero que não —, é um álbum que não me envergonha no sentido de fiz o que podia, o que sabia. Agora é assim: também fiz à minha maneira. Isto para dizer o quê? Há lá músicas que podiam ter mais estrutura, podia ter pensado mais um bocado, mas também é a diferença de fazer um álbum em dois anos ou em três ou quatro. Também sou uma pessoa muito prática nisto do rap. É “‘tá aí o beat, manda-me as pistas e eu vou gravar”. Havia músicas que pediam um bocado mais de estrutura, que eu sinto que podiam ter porque estão coisas assim… ‘tá rap nos beats. Podia ter gasto mais tempo nessa parte de composição, pelo menos em termos de elementos diferentes para o álbum, que não o fiz. Mas o que eu fiz com o pessoal que está à minha volta, nomeadamente o Keso, foi trabalhar com o intuito de chegar ao fim, de ter um álbum pronto mais ou menos nesta altura. Eu podia ter sido mais meticuloso, mas…

Mas não estávamos aqui a falar agora.

Não estávamos aqui a falar agora [risos], se calhar falaríamos daqui a três, quatro anos, não sei… 

Agora que está cá fora, tens planos para levar este disco aos palcos do Porto e do resto do país?

Tenho, tenho planos de fazer concertos de apresentação no Porto e em Lisboa, e depois já ando a ver em sítios que possam ser interessantes. É um trabalho que eu quero muito mostrar às pessoas, quero que as pessoas me sintam próximo. 


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