Uma atmosfera de moderada antecipação pairava no Sagres Campo Pequeno na noite em que Pedro Mafama apresentou o seu mais recente álbum, Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente. Esta celebração surge depois de um ano intenso, em que o artista mostrou o seu segundo LP de originais em mais de 50 actuações por Portugal fora. O projecto expandiu o alcance da música de Mafama, atravessando gerações e juntando miúdos e graúdos nos seus concertos, um espelho do público presente na plateia e bancadas que, apesar de não ter esgotado o recinto, multiplicou-se no volume de apoio incondicional e incansável ao artista. Vimos pais, mães, avós, filhos e, obviamente, os Mafanetes, clube de fãs do artista que tem marcado presença nas actuações de Mafama. Acompanhado por Sónia Trópicos e LANA GASPARØTTI, Pedro Mafama deu um espectáculo sonoro e visual que o consagrou como um dos artistas mais relevantes da música contemporânea portuguesa.
Antes de começar a actuação lia-se no ecrã “Pedro Mafama: Uma experiência bailecore”, e os sintetizadores espaciais que deram ordem de começo foram o mote ideal para um ambiente sediado no presente que quer fazer ver o futuro. “O Baile Vai Começar” sussurrado a escapar por entre as teclas tornou-se progressivamente mais elevado até que um agitado Pedro Mafama entrou em palco, abrindo a actuação com pujança e trazendo o bailarico para a discoteca com jogos de luzes bem desenhados.
Sem um segundo a perder, o sample do “Hino dos Mineiros de Aljustrel” avisa que está na altura de “Estrada” continuar a viagem a alta velocidade, com o solo da música a ser cantado em uníssono pelo público. Prosseguiu a “Alegria” e a folia em grande espírito, até que “Virou!” terminou com as primeiras palavras não cantadas de Mafama naquela noite. Saudou o público com carinho, mostrou-se orgulhoso por estar ali depois de um “longo ano, com muitos quilómetros percorridos.” Deixou também um lembrete, ao público e a si, para desfrutar, aproveitar a vida e esta ocasião, e “Golo!” confirmou a manita de temas em cheio neste espectáculo.
Estava No Abismo… foi o principal foco da actuação, mas o percurso de Mafama tem bases mais profundas. Essas bases estiveram muito bem representadas pela mão de temas como a imponente “Estaleiro”, a fúnebre “Jazigo” ou o fenomenal ataque de LEDs luminosos que veio com “Borboletas da Noite”. Mas Mafama ainda foi mais longe. O pedido “posso virar rapper aqui?” foi prontamente aceite pelo público e “Citroën Saxo” foi declamado pelo artista anteriormente conhecido como Pedro Simmons. Naquele momento, todos voltaram a 2014, altura em que Mafama estava a apontar noutra direcção, mas que garante que já tinha “o sonho e o ADN de pensar o nosso país”. A viagem pela sua carreira incluiu ainda a fulminante “Lacrau” e “Não Saio”, temas em que Mafama improvisou melodias para um microfone, um jogo entre auto-tune e falsete que mostraram a habilidade que tem para utilizar a voz como instrumento.
De olhos postos no futuro, “Sem Ti” trouxe o expoente da experiência bailecore para o centro do Campo Pequeno. Foi a primeira vez que Pedro Mafama a tocou ao vivo, e foi estreada com um sorriso de orelha a orelha e sem uma pinga de nervosismo. Ouviu-se “Mafama” entoado a bons pulmões, prova de um público entusiasmado e agradecido, recompensados por “Vida Airada”, que voltou a trazer a dança sem limites antes de uma pausa para agradecimentos. Perguntou depois ao público a quem queriam mandar beijinhos, e a promessa “o Mafama entrega” foi entoada pelo próprio em tom seguro e brincalhão, antes de o “Preço Certo”, com direito a comboio pelo público, encerrar o espectáculo com um estrondo.
No encore, voltaram os mineiros, voltou a casa a ir abaixo: “Estrada” fez estremecer o chão com o seu ímpeto infatigável e um Pedro Mafama em deleite despediu-se de um público rendido. Este concerto foi o culminar de uma viagem musical que tomou Portugal de assalto. É uma sonoridade que não olha à idade, bebe de muitos e queridos sítios da música portuguesa e dá de beber a ainda mais portugueses. Auxiliada por uma apresentação visual exímia, a música foi fielmente transposta para o palco, num concerto que foi o derradeiro passo em frente de Pedro Mafama.