Depois de o ter apresentado nos últimos meses em várias datas (tanto em Portugal como em Espanha, Canadá ou EUA), Panda Bear lança finalmente esta sexta-feira, 28 de Fevereiro, o seu novo álbum, Sinister Grift. Embora seja um disco a solo, desta vez o músico norte-americano — radicado no nosso país há vários anos — decidiu envolver outros, tanto no processo criativo como nos palcos.
Sinister Grift é um disco que recupera as raízes rock n’ roll e que foi trabalhado com um dos seus companheiros mais próximos do grupo Animal Collective, Josh “Deakin” Dibb. É o primeiro disco em nome próprio de Noah Lennox nos últimos cinco anos e fê-lo querer ligar-se a outras pessoas, tornando os processos artísticos mais colectivos.
Em entrevista ao Rimas e Batidas, explica como chegou a este disco, tanto aos sons como às histórias e personagens que o compõem, fala da experiência revigorante de se voltar a apresentar em grupo em palco mas também de como os Animal Collective estão a cumprir, mais do que nunca, o seu propósito original. O álbum volta a ser apresentado em Lisboa, no Capitólio, a 20 de Março, com produção da Galeria Zé dos Bois. Os bilhetes estão à venda por 25€.
Houve algo específico que te tenha levado, nesta fase, para um álbum com esta sensação de um ensemble de rock da velha escola?
Acho que foi sobretudo influência do Reset, o álbum que fiz com o Peter Kember. Era só samples — ou pelo menos começava com samples — do final dos anos 50 e início dos anos 60, sobretudo coisas de rock, e acho que por estar nesse modo… Além disso, os últimos dois álbuns dos Animal Collective têm uma instrumentação bastante directa, sem grandes processamentos, profundidades ou metamorfoses do som… Acho que este tipo de sistema ou método foi um bocado como uma continuação disso. A ideia original era começar aqui e partir para coisas mais abstractas, desconstruí-las um pouco, trabalhá-las de alguma forma. Provavelmente a única canção que acabou nesse lugar é a “Elegy for Noah Lou”, em que a canção está lá mas também soa um bocado quebrada, como se estivesse meio desfocada. Originalmente, pensava que tudo ia soar mais como aquilo, mas, à medida que passámos mais tempo a gravar os diferentes instrumentos e a tentar conseguir os arranjos certos, a fazer edits e a esculpir o som, percebemos que muitas delas não precisavam de ser levadas para outros lados. Soavam bastante completas como estavam.
E em termos das temáticas, das letras, já existiam coisas específicas que sabias que querias explorar, a partir das vivências dos teus últimos cinco anos de vida, a altura em que lançaste o teu último disco a solo? Ou foram os sons que também trouxeram certos sentimentos que fazia sentido abordar?
Foi um bocadinho de ambos. Normalmente, escrevo as letras mesmo no fim, por isso há sempre alguma inspiração da forma como a canção já soa. Devo dizer que, apesar de ser importante para mim que a semente da canção seja baseada em algo real, em coisas em que tenha pensado ou que tenha experienciado, gosto sempre de ficcionar o tema da canção ou de criar uma personagem que não seja eu. Costumava fazer coisas muito autobiográficas e directas, super honestas, sem metáforas nem floreados linguísticos… Costumava pensar que isso era a maneira pura, a melhor forma para comunicar algo, mas nos últimos 10 anos inverti completamente isso. Desde então, quero mais contar histórias ou inventar uma mitologia nas canções.
Isso foi algo intencional por motivos artísticos? Ou querias distanciares-te um pouco das tuas canções?
Queria separar, manter-me seguro. Mas, sobretudo, é porque sinto que contar uma história é a maneira mais eficaz de comunicar algo. As pessoas gostam de histórias e se o objectivo de divulgar uma música é expressar ou partilhar algo, sinto que contar uma história ou expressar algo de uma forma que agarre a tua atenção é a forma mais eficaz de o fazer.
E essas histórias ou personagens são elementos em que pensas no dia-a-dia? Coisas que te aparecem naturalmente?
Pode ser, sim. Muitas vezes, quando estou a escrever letras, estou só a olhar ao meu redor, para o espaço, e a deixar que as coisas fluam. Muitas vezes não é um exercício mental, do género “quero escrever uma canção sobre isto”. É mais sobre procurar emoções, deixar fluir… É mais um exercício do subconsciente. Há momentos em que — por exemplo, na “Praise” — sabia que queria começar a canção a pensar no meu filho e na minha relação com o meu filho, mas de uma forma leve. O tema acabou por se tornar sobre a paternidade e o facto de haver algo latente na relação entre pai e filho que, por mais que o miúdo se comporte mal ou que pareça que possa haver pouco retorno da sua parte, há sempre algo muito profundo naquela relação. É sobre isso que é a canção e acho que ilustra aquilo que faço. Comecei a tentar fazer uma canção sobre o meu filho e acabou a ser um tema sobre paternidade, de uma forma muito mais geral.
E quão importante foi o Deakin neste álbum?
Super importante. O facto de ser um disco muito guiado pelas letras e pelas melodias é um resultado directo da sensibilidade dele sobre as coisas. Ele quase que misturou exclusivamente o disco. Pediu-me uns apontamentos, mas meio que representa a sua perspectiva das coisas. Eu sinto que tenho muito menos essa sensibilidade. Pergunto-me, se ele não estivesse envolvido, se o disco resultaria assim. Sinto que provavelmente não. E por isso é que gosto de trabalhar com pessoas. Filtras um bocado as coisas através do prisma deles da realidade, e obténs algo que não é bem a perspectiva de nenhum de vós, é uma coisa híbrida. No mínimo, é interessante.
E já sabias que querias trabalhar com ele neste disco em específico?
Sim, ele foi a primeira peça do puzzle, diria. Eu construí um estúdio e, para o primeiro grande projecto, gravei o disco da Maria [Reis]. Era meio que um sonho meu, desde que sou novo, de ter o meu próprio espaço para gravar coisas. Desde que comecei a gravar que penso “talvez um dia possa ter alguma coisa em condições”. Diria que é bem modesto, nada de extravagante, mas de certa forma é concretizar um sonho. E há uma simetria fixe em ter o Josh… Eu e ele a fazermos esta coisa que começámos a fazer juntos. Ele foi a primeira pessoa com quem comecei a experimentar gravar coisas, por isso parecia uma maneira fixe de fechar o círculo. Além disso, gosto muito de muito do trabalho que ele fez nos discos de Animal Collective e senti que ele estava mesmo a desenvolver um estilo próprio, um som específico das suas produções e misturas.
Embora seja um álbum a solo, é muito importante para ti trabalhares com outras pessoas?
Desta vez foi. Foi tão divertido e recompensador que me perguntei por que é que nunca o tinha feito antes. E imagino que seja algo que vá fazer no futuro, porque é um sabor imediato que trazes às coisas. Há ali uma fragrância que eu não conseguiria criar sozinho. Cada vez que eu pedia algo a alguém e eles me enviavam de volta, era um empurrão imediato à canção — quase que parecia batota. E também existe o aspecto social, em que te estás a ligar e a partilhar coisas com pessoas. É algo realmente importante e saudável para se fazer.
Quando começaste a fazer mais música por ti próprio, era para explorar coisas enquanto indivíduo, além do trabalho com outras pessoas? E agora que fizeste todos aqueles discos, estás a fazer as coisas de outra forma, a envolver outras pessoas nos teus projectos, por já abordares as coisas de maneira distinta?
Sim, às vezes fico cansado de mim próprio, já o faço há tanto tempo que já chega de mim. Acho que tem a ver com querer partilhar com outras pessoas e chegar a sítios a que não chegarias sozinho. Acho que me envolvi muito nisso nos últimos tempos.
Como referiste, lançaste em 2022 o álbum Reset com o Sonic Boom. Há mais álbuns colaborativos que realmente gostarias de concretizar nos próximos anos?
Eu faço muitas colaborações, gosto muito disso. Em relação a discos inteiros, não tenho a certeza, claro que estou aberto… Mas, por ter trabalhado tanto tempo com os Animal Collective e como a minha posição nessa dinâmica era sempre de apoiar aquilo que outra pessoa estava a fazer, sinto que tenho muita experiência e honestamente acho que aquilo em que sou melhor é, quando alguém tem uma ideia, ajudar a concretizá-la. Gosto muito de colaborar e de ajudar outros a concretizar as coisas que querem fazer. Em relação a pessoas específicas, não posso dizer que tenha alguém em mente… Talvez a Erykah Badu. Sempre quis fazer uma canção com ela.
Parece-me uma óptima ideia. E em relação aos Animal Collective, quando trabalham juntos em nova música, é algo muito planeado e declarado internamente? E depois cada um vai para o seu canto e faz os seus projectos? Existe essa dinâmica?
É muito pouco verbal, mas parece que criámos uma rotina de nos juntarmos e trabalharmos em algo por um par de anos e depois bazamos e fazemos as nossas coisas pessoais por uns tempos. Apesar de agora isso estar diferente. Embora estejamos a fazer outras coisas, sinto que agora estamos mais ligados neste período em que não estamos activos a fazer música em conjunto. Mas este momento reflecte muito a ideia de quando começámos. Sinto que somos mais os Animal Collective do que alguma vez fomos, de uma maneira estranha. Só porque a ideia original não era propriamente ser uma banda, mas mais fazer coisas em conjunto com outras pessoas, com formações distintas, mais como os músicos de jazz fazem, em que há trios, e depois formam outro projecto por um tempo, e existe essa abertura. Por isso, é muito fixe.
Já apresentaste Sinister Grift ao vivo em várias datas ao longo dos últimos meses. Como é que tem sido tocar estas canções novas em palco?
Tem sido realmente fantástico. Sinto-me sortudo de ter aquilo que considero uma banda de super-estrelas atrás de mim. Sinto que sou o James Brown com os The J.B.’s, eles são os melhores. Todos fazem música deles, que eu adoro, por isso sinto-me super sortudo que eles tenham tirado tempo das suas coisas para fazer isto comigo. E devo dizer que é muito mais divertido… É muito solitário tocar sozinho, pelo menos eu sinto-me assim. Parece que estou a pensar três passos à frente, quando estou no palco — “a seguir vou fazer isto, depois isto vai acontecer”… Nunca há surpresas. Mas quando tocas em grupo, alguém vai tocar um som ou fazer algo de uma maneira diferente e tu consegues ir nessa direcção com eles ou puxá-los para outro sítio. As músicas tornam-se muito mais flexíveis, é algo de que eu realmente gosto.
E este era o disco certo para o fazer?
Desde o início, quando percebi que iria fazer um álbum com esta sensação de banda, que pensei que ao vivo quereria ter um grupo. Até porque tenho feito a solo desde 2007, já estava cansado disso.
Fizeste várias datas em Portugal. Também será, obviamente, conveniente por viveres aqui. Mas também é algo que realmente queres dar ao público português, uma vez que estás tão próximo dele?
É as duas coisas, gosto de tocar em Portugal. Não tenho muitas oportunidades para o fazer. Dei uma indicação ao Nelson Gomes, o meu booker na Europa: disse-lhe que não queria conduzir até muito longe. Isso limitou um bocado os caminhos que ele poderia escolher, mas estou super entusiasmado por tocar em Portugal, tenho muito amor pela terra, para mim significa muito dar de volta.