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Texto: ReB Team
Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 29/01/2025

De Kendrick Lamar a Charli XCX.

Os melhores álbuns internacionais de 2024

Texto: ReB Team
Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 29/01/2025

Se ontem dávamos conta do impacto da música instrumental no panorama nacional, hoje mostramos o quanto a palavra rimada em inglês tem circulado por entre os ouvidos da redacção do Rimas e Batidas. O todo-poderoso Kendrick Lamar, o incontornável Tyler, The Creator e o malogrado herói Ka formam a triade de MCs que mais rotações obtiveram por entre os nossos headphones e sistemas de som, com o primeiro dos três a ser o nome mais consensual por entre os escribas desta publicação na hora de eleger os melhores álbuns internacionais do ano que passou. O rap domina e bem o top 10 desta lista de balaços, mas há outras frequências que também se fizeram sobressair nos últimos 12 meses ao longo desta lista, como as do jazz de vanguarda, do rock alternativo ou da pop mais desafiante que o presente tem para nos oferecer. Ora espreitem.


[Kendrick Lamar] GNX

Kendrick Lamar virou o “jogo” ao contrário e tornou-se naquela que, muito consensualmente, foi uma das grandes figuras do ano para a música em geral ao longo de 2024. Depois de rivalizar com o maior artista do planeta da esfera hip hop, aproveitou o momentum para editar um álbum que não só o ajudou a elevar-se ainda mais, como fez o mundo inteiro voltar a embanderiar o típico som californiano do g-funk, trazendo consigo uma super-estrela e habitual colaboradora como SZA, mas também abrindo a porta àqueles que poderão segurar a tocha num dia em que K.Dot decida pendurar as botas, como são os casos de Dody6, Lefty Gunplay ou Peysoh. Entre a pujança de DAMN. e a densidade de Mr. Morale & The Big Steppers, este novo GNX mostra-se facilmente como uma das obras mais bem conseguidas de Lamar, estando no ponto de equilíbrio certo para captar os ouvidos quer daqueles que escutam música de forma desprendida, como dos que gostam de mergulhar a fundo nas palavras para decifrar cada significado nelas contido.

— Gonçalo Oliveira


[Tyler, The Creator] CHROMAKOPIA

Para os fãs do que quer que seja que Tyler, The Creator se tem proposto a fazer nos últimos tempos, os anos ímpares são anos de expetativa, porque costumam significar um novo projeto do americano. Com CHROMAKOPIA, quebrou-se não só esse, mas vários ciclos que associávamos fortemente ao artista. O seu oitavo álbum de estúdio, lançado em outubro de 2024, foi certamente um dos álbuns internacionais mais interessantes do ano, por mais razões do que aquilo que é efetivamente apresentado dentro deste. A sua grande valência encontra-se nas entrelinhas, e no contexto. CHROMAKOPIA é feito por um artista que se encontra numa posição confusa e que quer aqui começar uma verdadeira mudança de rumo, agora que ultrapassa os 15 anos de carreira. Não é o seu melhor álbum de sempre, seja por que prisma se olhe para ele, mas também não tem de o ser, até porque não o tenta sequer. Não se trata de um passo para trás, mas mais um passo para o lado no trajeto do californiano, pois é uma continuação das verdadeiras linhas do seu trabalho: irreverência, sinceridade e produção exímia. Difícil é identificar momentos onde essas características falham na carreira de Tyler, The Creator.

— Francisco Galante


[Ka] The Thief Next to Jesus

Menos de um par de meses após o lançamento, The Thief Next to Jesus tornava-se o último álbum de Ka. O rapper e produtor norte-americano morreu inesperadamente aos 52 anos. Como derradeira obra, deixou um disco à sua imagem, algo sombrio e discreto, pouco ruidoso, denso e rico. Trata-se de um álbum em que o artista natural de Brooklyn explora a relação atribulada entre os negros americanos e a fé cristã, acabando por ele próprio projectar a sua perspectiva pessoal em relação a Deus, questionando dogmas e analisando criticamente os preceitos doutrinários da igreja. Não podia fazer mais sentido que os instrumentais recorressem sobretudo a samples de gospel, sendo um álbum marcado por esta aura espiritual, que remete para o culto e a ética (ou falta dela) na fé. É a marcante última pedra do templo do rap que Ka edificou, com muito mérito, ao longo de 30 anos de carreira. Um preacher do rap que mereceu o seu lugar na história e que tem uma obra final digna do momento.

— Ricardo Farinha


[Doechii] Alligator Bites Never Heal

Depois de Kendrick Lamar, SZA ou ScHoolboy Q, a editora TDE tem em Doechii uma nova pérola. A rapper editou o seu primeiro longa duração em 2024, calorosamente recebido por fãs e crítica. A artista nativa da Flórida demonstra toda a sua versatilidade neste projecto: ouvimo-la cuspir barras ameaçadoras e teatrais em “CATFISH” ou “BOILED PEANUTS”, melodias cativantes em “WAIT” ou “SLIDE” e palavras humorísticas e meditativas na engenhosa “DENIAL IS A RIVER”. É uma viagem catártica para a sua autora, discorrendo sobre a sua vida de forma sincera e emocional com uma caneta ponderada e afiada. Mais do que uma estreia de sonho, Alligator Bites Never Heal é presságio de uma promissora carreira e a prova definitiva que Doechii ainda tem muitas mais maravilhosas peripécias musicais pela frente.

— Miguel Santos


[NxWorries] Why Lawd?

Oito anos após Yes Lawd!, Anderson .Paak e Knxwledge voltaram a unir forças para um segundo álbum. A receita é mais ou menos a mesma: um disco despreocupadamente despido de grandes statements conceptuais, mas ainda assim um trabalho recheado de boas canções que parecem ter um fio condutor a agrupá-las. A estética lo-fi que vai beber à música negra americana tem nestes instrumentais de Knxwledge muito provavelmente o seu apogeu. A palavra e as vozes sedosas do rapper-cantor-narrador Anderson .Paak completam a prescrição. Mas onde Yes Lawd! parecia existir uma leveza, sem mágoas nem manchas, em Why Lawd? (e o próprio título indicia isso mesmo) os temas trazem nuances de uma carga emocional acrescida. Abre-se espaço para dúvidas, inseguranças, solidão e arrependimentos entre crónicas de amor tecidas num R&B-rap de alta qualidade. Os NxWorries ganharam dimensão e densidade, acumularam experiências e histórias para um disco que acompanha a maturidade que vem com o crescimento. Mesmo sem grandes intenções revolucionárias, é mais do que suficiente para merecer um lugar entre os álbuns do ano.

— Ricardo Farinha


[ScHoolboy Q] Blue Lips

O rapper da TDE marcou 2024 com este que é um sério candidato a álbum do ano. Depois de um CrasH Talk muito quadrado e até aborrecido, ScHoolboy Q apostou num disco absolutamente contrastante: uma fórmula sonora nada convencional/linear que resulta num dos esforços criativos mais entusiasmantes do ano velho. Ao todo são 18 temas, mas muito mais que 18 versões diferentes do artista californiano, que se apresenta em moldes pouquíssimo usuais dentro destes temas, com vários beat switches num ritmo frenético que deixam qualquer um quase assoberbado pela densidade artística que este Blue Lips oferece. Numa fase pautada por alguma indefinição nos próximos passos do hip hop enquanto género musical, temos aqui um disco bom para refletir sobre isso, com um som dividido entre modernidade e alguma tradição, numa fusão que vale a pena sentar e ouvir atentamente. O “rapazinho de escola” Q continua com um aproveitamento escolar (quase) imaculado com mais um disco de qualidade que o eleva a um lote restrito de artistas da nova geração em grande nível.

— Carlos Almeida


[Amaro Freitas] Y’Y

As pontes que o pianista pernambucano Amaro Freitas ergue são prodígios de arquitetura musical de fulgor impressionante: ligam a África ancestral à Bahia e ao Recife, ligam o Brasil modernista aos recantos mais profundos da Amazónia, ligam as culturas indígenas às vanguardas norte-americanas, ligam John Cage e Steve Reich a Thelonious Monk e McCoy Tyner, ligam o jazz ao passado e ao futuro. Tudo ao mesmo tempo. Em Y’Y, um trabalho que é uma espécie de espiritual meditação sobre o Amazonas como primordial fonte de vida e cultura, o piano preparado, as percussões que evocam os sons do mundo natural, a água e as madeiras, são cores com que o pianista pinta um luxuriante e imersivo mural. Que o seu talento tenha convocado para a sua beira gente como Hamid Drake, Jeff Parker, Shabaka Hutchings ou Brandee Younger — bem como o aplauso desmedido de publicações internacionais de referência como o New York Times ou a Pitchfork — é apenas justo sinal da dimensão da obra que, de forma discreta e (quase) à revelia da intelligentsia do jazz, tem vindo a desenrolar diante dos nossos ouvidos desde que se estreou com Sangue Negro em 2016.

— Rui Miguel Abreu


[Roc Marciano & The Alchemist] The Skeleton Key

Se Roc Marciano e The Alchemist tivessem andado juntos na escola e fazer música fosse um jogo, seriam sempre postos em equipas opostas. Só para equilibrar as contas, claro está. Porque quando os dois rapazes se juntam e sintonizam rimas e batidas, não há quem contra eles tenha grandes hipóteses. Hoje, feitos homens com “H” ao quadrado de hip hop, vão cimentando os seus postos de referências maiores da nata do rap norte-americano — e sem grande esforço aparente, fazem-nos habilidosamente crer. Aliás, “Me and Alchemist, we the gatekeepers, keymakers” revela-se, na faixa introdutória, paradigmático do espírito com que estes dois assombrosos criativos se reúnem para fazer música: ao segundo álbum de estúdio colaborativo, depois de The Elephant Man’s Bones, fica a sensação de que esta é uma milésima parte do catálogo conjunto que ainda têm por mostrar. E onde já vai a fasquia…

— Paulo Pena


[JPEGMAFIA] I LAY DOWN MY LIFE FOR YOU

O mais recente álbum de JPEGMAFIA mistura o hip hop industrial com elementos de metal, sons glitchy e até mesmo funk brasileiro, criando uma experiência ainda mais frenética do que aquela que o rapper e produtor nos tem habituado. No microfone, a postura continua a ser de confronto, com comentários afiados, bem-humorados ou combativos sobre diferentes tópicos, incluindo críticas a figuras do mainstream como Drake. Em comparação com os seus trabalhos anteriores, I LAY DOWN MY LIFE FOR YOU inclina-se mais para as influências do rock, com guitarras distorcidas a explodir em várias faixas e a evocar momentos de caos e libertação. Apesar da produção arrojada e da procura em manter os níveis de energia bem elevados durante quase todo o disco, o alinhamento termina com um conjunto de músicas mais calmas e reflexivas, voltando a frisar a polivalência que já reconhecíamos ao artista de Nova Iorque.

— Gonçalo Oliveira


[Ezra Collective] Dance, No One’s Watching

Os Ezra Collective não foram apenas o primeiro nome oriundo do jazz a conquistar um Mercury Prize — feito alcançado com Where I’m Meant To Be, o seu igualmente extraordinário registo de 2022 —, podem também acrescentar ao seu triunfal currículo a proeza de terem esgotado a Wembley Arena na recta fina de 2024, uma perfeita celebração do espírito contido no título deste mais recente trabalho, Dance, No One’s Watching. Só que há de facto muita gente a ver e sobretudo a escutar, tanta que o quinteto londrino há muito que transcendeu o circuito de clubes de jazz para ascender aos palcos principais de festivais de massas e daí até à invejável condição de cabeças-de-cartaz numa sala geralmente reservada para a elite pop-rock. E o que é realmente incrível é que o grupo dos irmãos Femi e TJ Koleoso, de Joe Armon-Jones, Dylan Jones e James Mollison alcançou tudo isso com uma música que parte da energia incontida do afrobeat de Fela, abraça a sinuosidade grave da música das Caraíbas e o espírito combativo da vanguarda rap britânica sem nunca perder a capacidade de invenção instantânea que o jazz desde sempre promulgou. Sim, dá para dançar. Mas não há nada que diga que a revolução não pode nascer na pista de dança. Ou, a julgar por algumas das imagens da entrega absoluta da multidão à música dos Ezra Collective na Wembley Arena, no mosh pit.

— Rui Miguel Abreu


[Kamasi Washington] Fearless Movement

[IDLES] TANGK

[Fontains DC] Romance

[BADBADNOTGOOD] Mid Spiral

[Vince Staples] Dark Times

[Shabaka] Perceive Its Beauty, Acknowledge Its Grace

[Nubya Garcia] Odyssey

[E L U C I D] Revelator

[ØKSE] ØKSE

[Kim Gordon] The Collective

[Navy Blue] Memoirs in Armour

[Mk.gee] Two Star & The Dream Police

[Little Simz] Drop 7

[Bruno Berle] No Reino Dos Afetos 2

[Nilüfer Yanya] My Method Actor

[Nia Archives] Silence Is Loud

[Billie Eilish] Hit Me Hard and Soft

[Judeline] Bodhiria

[Maruja] Connla’s Well

[Charli XCX] BRAT

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