LP / Digital

ØKSE

ØKSE

Backwoodz Studioz / 2024

Texto de Ricardo Vicente Paredes & Sofia Rajado

Publicado a: 15/04/2025

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A ideia de surgimento de super-grupos feitos de estrelas trazidas para um novo firmamento é, à partida, deveras entusiasmante. Se a isso acrescentarmos o efeito surpresa, tanto no modo como no resultado, estamos perante o lugar certeiro e belo da ambição. 

ØKSE surge como colectivo colaborativo conjurado por quatro individualidades criativas nos seus campos de acção musical. Quarteto formado por Mette Rasmussen no saxofone alto, Val Jeanty na alquimia do som, Petter Eldh no contrabaixo, MPC nos sintetizadores, e Savannah Harris na bateria. Sim é um super-grupo e traz um disco homónimo de apresentação, e a tudo isso resolveram chamar ØKSE — palavra dinamarquesa para machado, essa ferramenta ancestral, de máxima utilidade na obtenção de lenha para a fogueira, para manter a chama acesa. “Não há machado que corte a raíz ao pensamento”, certo, e pode ser um mote de pensamento aqui. Porém, na certeza que este machado está em boas mãos para cortar e estilhaçar os maus pensamentos que proliferam. É um machado de dois gumes e, afinal, bem afiados. A valer a música e as palavras escritas e debitadas por um punhado de excelsos sábios rappers, que são E L U C I D logo em modo de arranque em “Skopje” e billy woods em “Amager”, eles que juntos formam a dupla Armand Hammer, e ainda maassai em “The Dive” e Cavalier em “Kdance92”. São MCs ligados ao movimento hip hop de Nova Iorque, que se vai construindo fora dos grandes circuitos comerciais da música e que busca no som e nas palavras uma forma orgânica de expressar as emoções, as vivências do quotidiano, as experiências pessoais e coletivas, isto através de uma liberdade criativa cada vez mais genuína, com maior exploração no som e introdução de elementos sonoros menos habituais no rap e também com a criação de letras aguçadas e próximas à ideia de spoken word. Estas são algumas das características comuns a todos os músicos que compõem o álbum e demonstram o quão especial é a conexão entre eles: apesar de partirem de diferentes mundos, o propósito inicial que os impele para criar a sua própria arte parte de um lugar comum de experimentalismo, liberdade, empatia e muita inquietação. 

Assim, ØKSE é um disco que intervala com mestria temas instrumentais e outros com rappers, um vasto cardápio sonoro que revela, como num desejo, um jazz livre e experimental de mão dada ao pulso e batida do hip hop. Eldh tem essa bagagem, está há muito nessa missão de fusão, aglutinando no caminhar junto do jazz e do hip hop, e emana das linhas de contrabaixo evidencias de que é muito mais o que une do que o que separa as linguagens. Há uma ancestralidade onírica nos vozeares disparados pela alquimista Jeanty, raizes milenares que a maestrina traz apontando ao futuro tão presente em “Amar Økse”. Isto depois de “Amager”, que convoca à batalha billy woods sobre uma base de batidas de drum’n’bass, intercaladas com momentos de improvisação no saxofone, tocado por Mette Rasmussen na sua forma característica e conhecida de muita robustez e firmeza no som, que se nota pelas narrativas sonoras que constrói. Está também inscrita a cumplicidade das duas metades de Armand Hammer nestes ØKSE, numa parceria que vai para além da colaboração musical. O disco é lançado pelo selo de woods, Backwoodz Studioz, numa prensagem de baixa tiragem para o valor e desejo que esta matéria contem. Haverá sempre a via digital e o importante é que se deite ouvidos e alma a esta constelação sonora.

Uma portentosa corrente estabelecida por um quarteto que, disco adiante, não desarma. Sem concessões no flow, no groove e nas palavras. Valem ainda as de outros dois fulgurantes mestres de cerimónias noutros dois temas deste — e não cedemos uma palavra — impactante álbum. “The Dive” traz-nos maassai a misturar spoken word com R&B e a terminar com mais experimentalismo sonoro. Por sua vez, em “Kdanse92”, Cavalier volta à base da cadência do rap com influência no boom bap e constrói a sua lírica sobre batidas com ritmos africanos que se repetem em loop contínuo, sobre o qual surge ainda, mais uma vez, o saxofone de Rasmussen. São camadas de elementos sonoros que se vão unindo para expressar muita força.

Em “Fragrance”, delícia de perfume, um notável emaranhado da palheta vibrante do saxofonismo livre e levitante de Rasmussen constrói-se sobre a base de arquitetura jazzística, onde as baquetas ritmadas de Harris dialogam com o swing do contrabaido de Peter Eldh, um emaranhado que faz a viagem entre o aroma dos dias ou a falta dele nalguns menos bons — como aponta o subtítulo. Fecho deslumbrante para “Ownwards”. Tema que se ouve fintando o final, querendo fazer escutar em ciclo permanente. É feito desses ingredientes, trazendo o ritmo ancestral ao de hoje, convocando a espiritualidade da dança e do mergulho nos ensinamentos do passado mais longínquo, sem mácula. Sigamos por aí — que caminho bom este, sábia profecia destes quatro mestres.

ØKSE é com certeza um dos melhores álbuns do ano de 2024, ou até da década, não só pelo seu resultado final que vicia ao ouvir, mas também pelo seu propósito e ideia inicial, que pensou e possibilitou juntar mundos que à partida parecem longínquos e que, afinal são tão próximos. Oxalá nos passem por perto num dos palcos que lhes assentariam como uma luva nesta coleção primavera/verão que se vai programando e vivendo.


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