Oito anos de Rimas e Batidas: música portuguesa, acima de tudo
“Aniversários são a coisa que acontece enquanto estamos demasiado ocupados a viver, não é?”
A frase é do nosso director, Rui Miguel Abreu, quando na passada quinta-feira, 20 de Abril, dávamos conta de que o Rimas e Batidas atravessava a barreira dos oito anos de vida. Apesar de não ter sido prontamente assinalado, este foi um aniversário particular, já que compreendeu uma passagem do testemunho a meio do percurso, comigo a assumir a vaga de editor desta publicação no arranque de 2023, após a saída de Alexandre Ribeiro. A altura, por isso, exige um reforçar das ideias que se pretendem para nos guiarmos ao longo dos meses (e anos, porque não?) que se avizinham: continuar a gerar ecos de todas as culturas musicais que vão criando fendas na indústria discográfica (do hip hop ao jazz), celebrar o pensamento artístico diferenciado e, acima de tudo, ajudar a empurrar a música portuguesa para cima, rumo a um lugar de ainda maior destaque, onde tem feito por merecer estar, dada a qualidade dos trabalhos com que nos tem presenteado.
Posto isto, há uma posição que temos de assumir dentro de um tema que tem vindo a ser debatido, o da quota mínima obrigatória de música portuguesa presente nas rádios nacionais, para que esse caminho continue a ser trilhado no sentido ascendente. Em 2020, como resposta à pandemia, o governo aumentou essa taxa de 25% para 30% com o objectivo de ajudar a fomentar a nossa cultura numa altura mais delicada. Essa mudança trouxe mais audiências quer às estações radiofónicas, quer aos próprios músicos, ajudando estes ainda a aumentar as suas receitas devido ao acréscimo de exposição em canais mais tradicionais — posteriormente traduzido num maior following e consumo das suas criações em redes sociais e serviços de streaming e de uma redobrada procura dos seus nomes ao nível dos concertos de norte a sul do país. Este ano, desde 27 de Fevereiro, a medida reverteu-se e a quota regressou à casa dos 25%, provocando uma grande estranheza entre as diversas entidades que populam a indústria musical portuguesa — dos próprios artistas até à Sociedade Portuguesa de Autores — que crêem que a actual situação do mercado interno, onde reina a oferta em quantidade e qualidade, justifica a que a percentagem mínima de temas do cancioneiro nacional a passar pelas ondas das rádios se mantenha nos 30%. Há ainda um par de excepções a ter em conta: as estações públicas têm a sua percentagem de música portuguesa fixada nos 50%, enquanto que algumas não se regem sequer por qualquer tipo de taxas neste sentido — como são os casos da Cidade FM e Mega Hits, curiosamente duas estações cuja tracção nas plataformas digitais se deve quase em exclusivo ao conteúdo fornecido por artistas portugueses (desde entrevistas a showcases), mas que alegam ter falta de oferta nacional na área da música urbana, em especial o hip hop e o r&b, para conseguir cumprir com tais requisitos. Em que é que ficamos?
Logo após o anúncio do regresso da quota aos 25%, vários artistas manifestaram-se contra a medida nas redes sociais e foi até criada a página/iniciativa maismusicaportuguesa.com, que não só aborda a importância de voltar a subir esse número, através de um vídeo bem elucidativo com dados concretos, como aponta ainda para uma petição endereçada ao Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, na qual mais de 7000 pessoas já mostraram ser a favor da retoma dos 30%. O protesto com maior simbolismo terá sido, no entanto, o de INÊS APENAS: a artista de Leiria foi a autora de uma das quatro canções a extraídas do processo de livre submissão que constaram na final do último Festival da Canção e, numa das galas, aproveitou o momento para defender a causa através de uma mensagem escrita num pequeno rádio.
Inspirado por esse seu subtil momento de activismo, soube desde logo que o Rimas e Batidas teria de marcar a sua própria posição face a este assunto e as ideias para uma série de conteúdos começaram a surgir: após a reflexão de hoje, voltamos a abordar a temática das quotas da música portuguesa nas rádios nos próximos dois dias, primeiro com uma entrevista à própria INÊS APENAS (que já começou a desvendar algumas partes do seu novo trabalho) e depois com uma playlist recheada de temas nacionais, que pode muito bem ser consultada pelos programadores de rádio que estão a ter mais dificuldades em dar com o produto.
Importará sempre ressalvar de que o que se faz é tanto e, ao mesmo tempo, tão diverso, ao ponto de haver, também, muita coisa que acaba por não encaixar na estética editorial do Rimas e Batidas; ou que até encaixa, mas que, devido à falta de tempo/mão-de-obra (sim, somos uma publicação 100% independente! 🙋🏻♂️) nos obriga a deixar certas coisas para trás. Como tal, esta não será nunca uma visão total daquilo que é a música portuguesa, mas sim um retrato mais contido (e mesmo assim bem colorido) com a nossa curadoria.