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Ilustração: Riça
Publicado a: 03/04/2020

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #17: Jon Hassell / Holuzam / FARWARMTH

Ilustração: Riça
Publicado a: 03/04/2020
A Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.
[Jon Hassell] Vernal Equinox / Ndeya Em Ocean of Sound (Serpent’s Tail, 1995), David Toop dedicava um capítulo inteiro ao “quarto mundo” de Jon Hassell, artista cuja música era descrita como “psicotrópica na sua capacidade de activar mundos alienígenas na nossa imaginação através de estranhas justaposições”. O autor explica que discos de Hassell, como este Vernal Equinox que marcou a sua estreia em 1978 e que agora merece reedição (que se enquadra na recente e paulatina recuperação da sua discografia clássica que viu títulos como Fourth World Vol. 1 – Possible Musics, Dream Theory in Malaya (Fourth World Volume Two) ou Flash of the Spirit voltarem aos escaparates), foram feitos num “espírito de criativa antropologia” citando depois os escritos de James Clifford que propunha, em The Predicament of Culture, a ideia de “surrealismo etnográfico”: “Estou a usar o o termo surrealismo”, escrevia Leiris, “num sentido obviamente lato para circunscrever uma estética que valoriza fragmentos, colecções curiosas, justaposições inesperadas – que trabalha para provocar as manifestações de realidades extraordinárias extraídas dos domínios do erótico, do exótico e do inconsciente”. No caso desta presciente estreia em 1978, muito antes da ideia de World Music ser proposta pela indústria, muito antes da electrónica ajudar a moldar a pop de feição mais tropical, a justaposição passa muito pelos arranjos em que se combinam instrumentos de diferentes culturas. E este é mesmo um disco em que a leitura da ficha técnica ajuda a descodificar o conteúdo: Nana Vasconcelos nas congas e shakers, David Rosenboom no sintetizador Buchla, claves e sinos por Miguel Frasconi, kanjira pelo incrível Bill Winant, Andy Jerison no sintetizador Art e no piano Fender Rhodes, Nicholas Kilbourn na talking drum e mbira e ainda, pois claro, Jon Hassell no trompete e piano eléctrico. O álbum soa, no entanto, como tendo sido inteiramente produzido no Yamaha DX7 (ainda faltavam uns anos para chegar ao mercado) por um engenheiro japonês ao serviço de uma qualquer companhia de muzak apostada em transformar elevadores dos mais modernos arranha-céus em imersivos aquários sonoros (elogio, pois claro). Quando o sol, no seu movimento celeste aparente, se sobrepõe ao equador, vindo do hemisfério sul para o norte, e o dia é igual à noite na sua duração, assinala-se o equinócio vernal (21/3, quando chega a Primavera). Aqui esse equinócio é metafórico e designa uma rica música existente entre dois planos, o acústico e o electrónico, o imaginário e o real, o presente e o passado. Jon Hassell haveria de aprofundar esta visão, cruzando ideias resgatadas aos minimalistas (Steve Reich, sobretudo), ao Miles Davis mais eléctrico e a registos etnomusicológicos de cariz científico, mas nesta estreia o horizonte do seu conceito é já muito nítido e plenamente intrigante. E mais de 40 anos depois esta música continua a soar como se chegasse aqui vinda de um amanhã mais ou menos distante.

ZAMPLER001, by Holuzam

ZAMPLER001 by Holuzam, released 02 April 2020 1. Molero – Simi Vulpa (ZAM005 “Ficciones Del Tropico”) 2. Sabaturin – Mourgouskus (ZAM008 “Kenemglev”) 3. Ondness – Chupacabras, Sinais de Luzes (ZAM011 “Megadawn”) 4. Telectu – Anarké 1 (ZAM012 “Off Off”) 5. Nuno Rebelo – Moon OK (ZAM013 “Improvisações Cristalizadas”) 6.
[Vários Artistas] Zampler001 / Holuzam Este Zampler001 da Holuzam é uma demonstração de crença total: no poder da música, na ideia de comunidade, no futuro que terá que chegar. Nas notas de lançamento, os responsáveis pela editora lisboeta explicam que após o cancelamento da digressão que deveria ter suportado Textures & Lines, o registo colaborativo de Joana Gama, Luís Fernandes e Drumming GP que abordámos por aqui na passada semana, decidiram que deveriam não apenas manter o calendário de edições já planeado, mas até levantarem o véu sobre o que o futuro trará com este sampler que agrega excertos dos seus próximos lançamentos. Assim, encontram-se aqui peças de Ondness e Telectu (que asseguram as entradas de catálogo ZAM010 e ZAM011, respectivamente, com Megadawn e a bem-vinda reedição de Off Off), bem como de Molero (a quem caberá a edição ZAM005, Ficciones del Tropico), Sabaturin (ZAM008, Kenemglev), Nuno Rebelo (mais uma edição de arquivo, ZAM013, Improvisações Cristalizadas), João Pais Filipe (ZAM014, Sun Oddly Quiet), Polido em dois momentos distintos (de ZAM015, A Casa e os Cães, e também, da entrada com número ZAM016, Sabor a Terra) e, finalmente, @c (ZAM017, Liminal Movements). E com este  sampler de edição física limitada (100 exemplares em CD), a Holuzam esclarece um pouco mais a sua ambição de documentar não apenas a memória mais ou menos remota da nossa mais exploratória produção electrónica (vector de edição aqui representado nas belas peças “Anarké”, dos Telectu de Vítor Rua e Jorge Lima Barreto, mas também “Moon Ok”, de Nuno Rebelo, o guitarrista de Mler Ife Dada que com o muito estimado clássico Sagração do Mês de Maio (1ª Sinfonia Falsificada), de 1989, inscreveu igualmente o seu nome na nossa história electrónica), mas também o agitado e diverso presente que nos envolve: os quarto mundismos de Molero e Sabaturin (projecto de Charles-Émile Beullac e Simon Crab); as oblíquas desconstruções rítmicas de Ondness, sempre em busca do sentido nos labirintos da abstracção; os estudos harmónicos em torno das mais hipnóticas e extáticas derivações polirrítmicas de João Pais Filipe; os misteriosos mundos sonoros de Polido, sempre nas margens entre a luz e a sombra, aqui em dois distintos momentos, um mais electrónico e outro de texturas mais acústicas de guitarra, depois devidamente tratadas e manipuladas, seguindo um pouco o caminho do fantástico Água ao Moínho de 2018; e ainda os veteranos @c de Miguel Carvalhais e Pedro Tudela que continuam a esculpir o som como matéria desafiante. E agora importa cumprir o calendário, já que a matéria agora revelada neste Zampler001 é deveras entusiasmante.
[FARWARMTH] Momentary Glow / Planet Mu O atento Vasco Completo dava conta no Rimas e Batidas no passado mês de Fevereiro da edição que hoje mesmo se cumpre de Momentary Glow, o álbum de estreia de FARWARMTH, projecto de Afonso Ferreira, na Planet Mu de Mike Paradinas. O álbum foi gravado no âmbito de uma residência artística no Alentejo, em 2018. E foi o próprio Afonso Ferreira que, na já referida peça, esclareceu como nasceu a música que agora se encontra editada: “A residência artística de 2018 veio inspirar e enriquecer um Momentary Glow que na altura estava quase completo. Foi organizada pela dupla Camila Fuchs, onde participaram artistas como Lucinda Chua, Lybes Dimem, Specimens, Zoë Mc Pherson e uma das pessoas que me é mais próxima, Swan Palace, entre muitos outros músicos e produtores incríveis. Foi pouco mais de uma semana num convento em Montemor-O-Novo, no pico do Verão. As longas sessões de improviso tornaram-se em algo diário durante a nossa estadia, podiam acontecer a qualquer altura. Por vezes, começávamos uma sessão durante a tarde, as pessoas iam entrando e saindo e contribuíam para o ensemble que ali se formava em mudança constante, após uma pausa para jantar a troca de sons caía sobre a noite inteira. Ao romper da manhã já se ouviam novos sons, novas linguagens”. Partindo de matéria acústica recolhida nessas sessões – violoncelo, acordeão, flauta, entre outras – FARWARMTH propõe-se a si mesmo a vertigem e o mergulho, tratando cada som como um opaco lago em que mergulha em busca de algo. O artista fala em procurar “ressonância emocional” com esse material e na construção de “ligações entre o tempo, o espaço e as pessoas”. O resultado são difusas paisagens harmónicas, feitas de drones de combustão lenta, como quem flutua numa memória de um tempo que não reconhece, distante, mas familiar, preenchido com ecos subtis e imagens diáfanas que sabemos pertencerem a algo que seríamos capazes de reconhecer caso fossem mais nítidas, mas que assim assumem uma condição enigmática, mas estranhamente confortável. Nada aqui é abrasivo no sentido de algo que perturbe ou inquiete e o som de cada peça desenrola-se como uma tranquila massagem aural, mesmo quando os tremores do espectro mais grave das frequências são mais pronunciados e a tonalidade geral é decididamente cinzenta ou até de tons ainda mais carregados. E isso deve-se, certamente, ao lado emocional de que fala o autor, à relação que o acto criativo estabelece com uma ocasião concreta, de troca de estímulos artísticos e de partilha de ideias. Já os títulos, revela-se ainda nas notas de edição, prendem-se com directas referências a uma solitária vida costeira do autor, tornada mais isolada ainda pelos longos Invernos. Para escutar, de auscultadores colocados, quando o sol se despede e o crepúsculo anuncia a chegada da noite.

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