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Fotografia: António Proença (O Cidadão)
Publicado a: 11/02/2025

Jazz ligado ao presente.

Nubya Garcia na Casa da Música: triunfo no arranque de uma digressão de consagração

Fotografia: António Proença (O Cidadão)
Publicado a: 11/02/2025

À entrada da Casa da Música, no Porto, um público mais maduro poderia, no passado domingo, 9 de Fevereiro, confundir quem ali estivesse para assistir à data única de Nubya Garcia no nosso país — no arranque de uma digressão europeia que, para já, pelo menos, não tem nenhuma outra data planeada para Portugal, mas que a levará, até meados do próximo mês, a países como Espanha, França, Bélgica, Holanda e Alemanha, além, claro, de Inglaterra, com conclusão previsivelmente triunfal anunciada para o Koko, em Londres, a 13 de Março. Acontece que a saxofonista britânica que em 2024 editou Odyssey, um dos melhores registos desse ano, revisto aqui mesmo numa edição de Notas Azuis, se apresentava na Sala 2, com o grande auditório da Casa da Música reservado nessa noite para Vitorino. O que não impediu a imaginação por breves momentos de uma pequena fantasia: e se houvesse espaço para uma inusitada jam entre o nosso veterano crooner e a grande tenorista? É que ambos partilham uma paixão pelas colorações musicais cubanas — não seria assim tão estranho, não?… Mas, enfim, tal não sucedeu, obviamente.

Apresentando-se como cabeça de um quarteto em que também brilharam o pianista e teclista (Bosendorfer de cauda, Rhodes, sintetizadores) Lyle Barton, o contrabaixista Max Luthert (que Nubya apresentou como “Max Luthert, The 3rd — If I had ‘the 3rd’ as part of my name I would make sure to use it all the time”, ironizou) e o baterista Sam Jones, a líder e estrela da noite demonstrou estar muito animada, ultra-comunicativa e claramente entusiasmada pelo arranque daquela que é certamente a sua digressão de consagração. “Já há algum tempo que eu não tocava no Porto”, explicou ela, bastante emocionada por encontrar uma sala (650 lugares) completamente esgotada. E com um público bem mais jovem do que a primeira impressão à entrada da Casa da Música fez inicialmente supor. De facto, a última vez que a vimos no Porto foi num contexto muito mais expansivo, como parte de uma das edições do Primavera Sound, altura em que as suas raízes culturais caribenhas estavam bem mais expostas. Odyssey, podemos dizê-lo, é farinha de outro saco, trabalho em que Nubya faz questão de exercitar o seu músculo composicional, tanto quanto o de instrumentista, o que resulta num registo de contornos mais subtis e refinados. Ainda assim, no final do concerto, e claramente já para lá da hora a que era suposto ter terminado, Nubya ainda questionou se gostávamos de dub (claro que sim…) antes de se atirar a uma memorável versão de “Triumphance” que, adequadamente, sublinhe-se, coroou uma triunfal performance.

Nubya Garcia faz-se acompanhar pelo que, sob muitos aspectos, é o melhor tipo de banda: músicos ultra-competentes que sabem, apesar de possuírem sólidas capacidades técnicas, servir a líder, nunca soando intrusivos. Ainda assim, todos sem excepção conseguiram brilhar graças a bem conseguidos solos. Destaque natural para Sam Jones na bateria, que é o motor da banda. O baterista que já emprestou o seu particular pulso a gravações de Binker Golding, Oscar Jerome ou Camilla George é um mestre do tempo rítmico e que ainda por cima domina não apenas as mais modernas declinações de swing como é capaz de, através de efeitos que ele mesmo manipula usando uma dupla tarola no seu kit, levar-nos ao espaço com o delay e o reverb usados à maneira jamaicana com intensidade máxima. Um mestre, sem a menor sombra de dúvida que em dados momentos se entregou a intensos diálogos com a líder que, por sua vez, soou francamente majestosa no seu tenor.

Para que fique claro, Nubya está muito mais empenhada em soar poética, quase como se cantasse através do saxofone, do que em soltar fogo de artificio através do instrumento. Os seus solos são mais líricos do que intempestivos, mais refinados do que crus, mas há uma elegância que se sente em todo o seu discurso à medida que se entrega a peças como “Dawn” (que na versão de estúdio conta com prestação de Esperanza Spalding, contrabaixista americana com que uma então muito jovem Nubya chegou a estudar em Berklee), “Odyssey” ou à belíssima “We Walk in Gold” (que tem contribuição de Georgia Anne Muldrow no disco). Ao vivo, a música que Nubya Garcia gravou com uma série de convidados surge mais contida, mais depurada, mas com a sua força original intacta, provando que esta é uma artista real, com capacidades reais, e não um qualquer produto gerado “artificialmente”. E outra coisa: não há qualquer dúvida de que a música que Nubya nos oferece tem firmes raízes no jazz, mas a artista não enjeita outras linguagens, do R&B e hip hop, cujas cadências enformam algumas das passagens, aos modos tropicais da América do Sul e do Caribe. Isso só lhe reforça a ligação ao presente e não a desmerece em nenhum sentido. O sorriso amplo nas caras do público que só abandonou a sala após generosa ronda de aplausos deixou isso muito claro.


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