Depois de no ano passado ter apresentado “Bossy Girl”, Nenny regressou aos singles no final da semana passada com “Normal”, um tema com um beat nostálgico que evoca o hip hop e R&B do início dos anos 2000 — ainda que Marlene Tavares consiga facilmente refrescar a sonoridade com os seus diversos flows e estética.
O tema foi construído em Londres com Parker Ighile, produtor britânico de origem nigeriana que já trabalhou com estrelas mundiais como Rihanna, Nicki Minaj, Quincy Jones, Ariana Grande, Rita Ora ou Jessie J. A propósito do lançamento, o Rimas e Batidas conversou com Nenny sobre “Normal”, o trabalho com produtores estrangeiros e as suas ambições internacionais.
Como é que surge o “Normal”? Qual foi o ponto de partida?
Este single surgiu de uma situação em que eu estava um bocado frustrada, de uma situação mais complicada da minha vida. Mas surgiu de uma forma super natural. Eu fui para Londres, combinei com o Parker — um produtor que já trabalhou com a Ariana Grande ou a Nicki Minaj —, entrámos em contacto e foi assim que surgiu, super natural. Ele produziu o beat, eu comecei a escrever, droppei e nasceu o som.
Já tinhas contacto com este produtor antes, ou foi este o primeiro contacto?
Este foi o primeiro contacto. Sugeriram-me trabalhar com ele, eu entrei em contacto e combinámos. Fui para Londres e produzi muitas coisas com ele. Eu já tinha experimentado outros géneros musicais, mas o “Normal” foi aquele som em que eu disse… Quero droppar nisto e lançar.
E a tal fase da tua vida por que estavas a passar levou-te a gostares do instrumental e a quereres escrever esta letra, é isso?
Era uma fase em que eu estava a tentar ter muitas coisas: a minha casa, o meu carro… E queria viver depressa. Tanto que digo “baby tenho pressa, tenho pressa”, só que há situações em que temos de ter calma, por vezes as coisas na vida não correm como nós queremos, e foi muito essa a cena do “Normal”. O que achares que não é o normal na verdade é o normal.
E o que é que te agarrou naquele instrumental?
Foi sobretudo a cena hip hop OG, e ali com o meu flow e com a letra dei-lhe um twist mais fresh e new school, que foi o que me agarrou ao beat.
Já tinhas pensado em fazer temas com beats deste género?
Já tinha pensado, sim, mas não tão cedo. Estava um bocado mais focada nas tendências, como, por exemplo, um amapiano que está mais trendy. Estava mais a pensar nisso. Mas geralmente acho mesmo que não é pelo género musical e sim por aquilo que sentes e queres fazer. Se sentes que é o som perfeito para ti, então é só lançares.
E quando olhas para o teu catálogo, sentes que é importante veres vários tons, uma palete de diversas sonoridades?
Sim, porque hoje em dia já não temos essa bolha e essa caixa de ser só uma rapper, ou ser só uma cantora de fado ou de R&B. Enquanto artista, cada som que sentires, se for de um género musical diferente, faz e lança, se é algo de que gostas realmente e se achas que os teus fãs vão sentir.
Ou seja, não sentes a pressão dos padrões e sentes-te livre para fazeres o que te apetecer.
Sim, desde o início que mostrei que sabia explorar várias vertentes. Sinto que ainda há muita gente que me vê como rapper, mas é o que costumo dizer, eu não me considero rapper. Obviamente faço rap, droppo, faço trap e várias outras coisas, mas também canto e meto-me na caixa de “artista”. Sou uma artista que consegue droppar, cantar, fazer outras melodias…
Já tens alguma experiência a trabalhar com diferentes pessoas. Sentes que trabalhares com alguém como o Parker, que tem um background distinto e mais alargado, não só em termos da experiência que tem na indústria mas também pelo seu contexto pessoal, é muito diferente? E também já tinhas colaborado com o Arrow Benjamin.
São produtores super humildes que trabalham com alguns dos melhores artistas do mundo, que toda a gente conhece. Mas eles são humildes e estão sempre abertos para, simplesmente, fazer música. Sinto que muitos produtores aqui em Portugal têm a pressão e colocam pressão sobre os artistas para fazer o hit. Aquilo que está a bater é o que tens de fazer para também seguires a moda e estares sempre naquele ciclo. Mas estes produtores lá de fora não. É que o mercado deles é tão grande que eles querem sempre expandir para novas sonoridades, músicas diferentes, e são super tranquilos. Porque a essência deles é fazer música, não é criar um hit. Acho que é muito a diferença que senti em relação aos produtores em Portugal, que querem a todo o custo fazer um hit. E eu percebo, toda a gente quer fazer hits e ganhar dinheiro com isto. Mas qual é o teu propósito? Qual é o teu objectivo? O meu é viver da música e fazer música, que é aquilo que me alimenta. Obviamente que quero fazer hits, mas a minha essência é música. E sinto que a essência desses produtores também é fazer música, também é o que os alimenta. É por aquilo que eles se levantam de manhã, é aquilo que eles sempre viveram. E há muitos aqui em Portugal cuja essência não é fazer música, é produzir um beat porque é um trabalho e querem simplesmente ganhar dinheiro.
Musicalmente, também sentiste diferenças? No sentido de terem influências distintas?
Completamente. O Parker é de origem nigeriana, o Arrow Benjamim é de origem jamaicana, então eles têm uma diversidade de géneros musicais que já vem de origem… Têm muita musicalidade, é diferente. Em Portugal há muitos produtores que têm muita musicalidade, obviamente, mas o espectro não é tão alargado. E eles vêm de onde veio, sei lá, o Bob Marley ou o Burna Boy. Acabam por ter mais conhecimento e por serem mentalmente mais abertos.
Tendo em conta isso, vês-te a quereres trabalhar cada vez mais com produtores internacionais como estes?
Sem dúvida. Há muitos produtores que estão interessados a nível internacional e, agora que também estou numa label americana, a Live Vynl, estou super interessada em internacionalizar a minha carreira, porque acho que tenho todo o potencial, e claro que estou interessada em fazer coisas lá para fora.
Quais é que sentes que são os principais obstáculos e desafios nessa internacionalização? Muitas vezes fala-se da barreira linguística, mas tu também acabas por misturar e tens outras valências que te dão o tal potencial.
Acho que é mesmo a língua, acaba por ser uma grande barreira. Tens muitos artistas a tentarem simplesmente fazer sons para o Brasil e é super difícil. O sotaque acaba por ser diferente e muitos brasileiros não entendem o que a gente diz. Nós percebemos o que eles dizem, por isso é que conseguem sempre entrar no mercado português muito mais facilmente… Consumimos as novelas e as séries com o português do Brasil. E para muitos artistas cá é muito difícil chegarem ao Brasil… Mas eu acho que tudo é possível. Por exemplo, eu tenho o “Tequila”, que apresentei no A Colors Show, e havia imensos comentários em inglês a dizer que não percebiam mas que gostavam da vibe. A melodia às vezes fala muito mais alto do que perceber uma certa língua. E tens vários exemplos. Por exemplo, a Aya Nakamura, que é uma artista francesa, está agora num nível mesmo mundial e faz sons, eventos, desfiles para marcas de luxo internacionais… Muita gente não percebe mas gosta da vibe e da melodia. Tudo é possível.
E o próprio espanhol, que também tem um mercado muito grande, tem vindo a ganhar preponderância na indústria mundial.
Sim, e o francês e o espanhol acabam por ser muito mais acessíveis no mercado musical porque tens as antigas colónias, em África, na América latina… Muitos países onde se fala espanhol e francês que acabam por consumir e torna-se internacional. Em Portugal tens Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Timor-Leste, só que é uma comunidade mais pequena e um mercado que não é tão desenvolvido. Há muita gente, por exemplo, que ainda não tem Spotify. E isso trava um bocado a internacionalização.
Mas quando falas em internacionalização estás focada no mercado lusófono e, mais concretamente, no Brasil; ou também estás a pensar na indústria mundial, onde se ouvem sobretudo canções em inglês ou espanhol?
O meu sonho era conseguir fazer isto para o mundo inteiro, obviamente. Mas começar com o Brasil, que já é muito difícil, seria muito fixe. E não é impossível.
Como já falámos, na tua música acabas por misturar uma série de géneros e estéticas. Sentes que são as raízes africanas que se reflectem na tua música que também poderão ter essa capacidade de maior internacionalização? Tendo em conta até os exemplos que estavas a dar, desde o Burna Boy à música jamaicana que obviamente é super influente.
Sim, claro, acho que as minhas raízes africanas ajudam a internacionalizar-me e também as coisas R&B que faço. Também sempre tive uma influência jamaicana enorme e isso são cenas que ajudam, são muito importantes.
Há algum caminho sonoro que vás explorar mais agora, ou vais continuar a ir de música em música, tendo em conta o que fizer sentido?
Acho que vou continuar a ir de música em música. Vou lançar o que realmente estiver a sentir. Porque me quero divertir. Não quero ter aquela pressão de lançar cenas muito rápido e depois não lançar uma coisa que faça sentido. Quero criar um projecto que tenha significado. E acho que essa caminhada faz-se a lançar sons de que gosto e dar cada vez mais de mim aos meus fãs. Quero mesmo fazer algo que permita que as pessoas me conheçam melhor. O meu último projecto, o Aura, foi um EP de apresentação que diz que a Nenny está aqui e ela é super versátil. Só que quero ter um projecto com mais significado e que faça com que as pessoas percebam muito mais a minha personalidade e o meu lado humano.
Vês-te a fazer isso num disco maior, ou também num EP, com músicas que já saíram e com outras que ainda aí vêm?
Músicas que ainda vêm aí. Ainda estou um bocado indecisa, na verdade. Tenho um álbum todo gravado em inglês, mas sinto que também tenho de dar mais de mim aos meus fãs que estão cá. Portanto, estou meio, como dizem os ingleses, going with the flow. Quero mesmo divertir-me, lançar sons… Se calhar um EP só para Portugal e depois começar a fazer mesmo cenas em inglês. Está no forno.