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Fotografia: Boris Halas
Publicado a: 18/07/2024

O produtor acaba de se estrear com o EP Ta Brinca.

NegoO: “Estamos a colonizar com a nossa batida”

Fotografia: Boris Halas
Publicado a: 18/07/2024

Mais um talento dos subúrbios de Lisboa para o mundo. Com raízes angolanas, NegoO cresceu em Queluz, mudou-se para Paris durante a pandemia e acaba de se estrear com o EP Ta Brinca, onde colaborou com nomes proeminentes na cena da batida, como Danifox, Vanyfox, Lycox, DJ ADAMM e Ibn Itaka.

Aos 21 anos, a trabalhar com a Moonshine, já fez um DJ set no Boiler Room e passou por festivais e clubes de diversos países. A nave ainda agora descolou mas a viagem já parece promissora. Em chamada Lisboa-Paris, entrevistámos o DJ e produtor sobre o seu percurso e o seu disco de estreia.



Começaste a produzir com 17 anos, não foi? Como se deu o teu início e quem foram as primeiras pessoas a inspirar-te ou até a influenciar-te para começares a produzir?

Tinha 16, 17 anos. Já tinha curiosidade antes, por volta dos 15 ou 14, mas nunca tive ninguém que me ajudasse. Tenho pais angolanos, crescemos com o kuduro, o semba, o afrohouse, mas também o funaná ou o zouk e até a música congolesa. Também sempre ouvi hip hop de vários países. Com o passar do tempo, na escola, tive um amigo meu que me ajudou muito com o FL Studio. Então foi ele quem me mostrou como é que montamos um beat e tudo mais. Tudo começou na escola. Ele trazia o computador e mostrava-me como é que fazia. E, pelo menos no meu bairro, já tinha várias inspirações. O Maboku, o Mixbwé… Ouvia muito as produções da CDM, do Maboku e do LiloCox, que postavam músicas no SoundCloud, e interessei-me pelas músicas. E também ouvia o DJ Firmeza, com os Piquenos DJ’s do Guetto, o Dadifox, o Finicox, o Edifox… Os foxes. E a minha ambição foi crescendo. Até que um dia decidi lançar uma música com o Narci’Foox, no SoundCloud, que era o “Sempre a Subir“. E assim começou, pouco a pouco. Isto ainda em Queluz-Belas.

Como é que depois começaste a dar passos mais sérios?

Foi quando vim para Paris. Cheguei na altura da Covid-19, estava tudo fechado, não se podia sair, mas depois, quando as festas voltaram a acontecer, tinha ido a uma festa da Moonshine ver o Vanyfox tocar. E aí conheci o grupo JetLife Paris. Fui começando a pedir ajuda, mais para a música, mas, com o passar do tempo, com a música que tinha criado e que já tinha alguma exposição, disseram-me porque é que eu não começava a tocar também… E foi assim que comecei. Foi uma história engraçada. Porque foi num evento em que ia tocar o ADAMM, o Vany e Les Colonnes, um grupo francês. Mas chegou o dia e o voo de outro dos DJs que ia tocar foi cancelado. E foi nesse momento que eles me disseram: “Bom, vamos dar-te uma oportunidade.”

Agarraste a oportunidade e… estamos aqui. Obviamente, todos esses artistas que já mencionaste acabam por vir do mesmo universo, mas cada um tem o seu estilo. Como descreverias a tua sonoridade, agora que até te estás a apresentar mais enquanto produtor, com um EP?

Ainda não consigo descrever perfeitamente o meu estilo, mas as pessoas que vão ouvir o projecto vão sentir que tem vários moods. Por exemplo, a primeira música é mais triste e pensativa. Mas, em geral, resumindo, tento criar um estilo mais alegre, dançável, mais mexido, com os nossos instrumentos africanos, nomeadamente as congas, os bongos, a nossa percussão, o nosso ritmo. E tento infiltrar tudo, seja rock, pop, hip hop, música brasileira, bossa nova, samba, tudo e mais alguma coisa. Tento sempre tirar um elemento de cada coisa para tentar construir o meu próprio estilo.

E foste testando estas músicas do EP nos sets que foste fazendo?

Sim, já ando a tocar o EP há um bom tempo, entre seis meses a um ano. Vou sempre experimentando e explorando, tento sempre criar surpresas, mostrando as novas músicas que tenho feito. E costumo ter feedback positivo. A “No Piano”, quando a toquei pela primeira vez, ninguém estava à espera que eu fizesse aquilo…



E como foi o processo de trabalhares com os outros produtores neste disco? Passou muito por construíres uma base e depois passares-lhes as músicas? Como é que funcionou?

Na maior parte dos casos estivemos mesmo presentes no estúdio a criar a música. Normalmente criamos a música assim. Também podemos criar por FaceTime ou Discord. Costumamos estar no Discord a mostrar projectos uns aos outros, mas os sons que fiz para o EP foram todos ao vivo. Criámos o nosso mood para termos um ambiente certo para a música. É diferente fazer ao vivo, a energia vem de outra forma, não há limites.

Estavas a dizer que foi quando chegaste a Paris que começaste a dar passos mais sérios porque obviamente já existe aí todo um circuito. Mas também é interessante que muitos artistas vêm deste universo musical muito baseado em Portugal e obviamente ligado às raízes africanas, mas depois também é algo que se espalha pela Europa e pelo mundo porque há muitos artistas emigrados. Sentes que a batida está muito viva aí em Paris e no circuito francês?

Sim, já se passavam vários sons aqui, mas, com o passar do tempo, temos estado a colonizar cada vez mais… Espalhar a batida, a mensagem, e estamos a fazer um bom trabalho aqui em Paris. Há muitos DJs de Paris que 60% ou 70% do que passam é a nossa batida, a nossa música.

E também é interessante porque obviamente há inúmeros produtores e DJs franceses com as suas próprias raízes africanas, que não têm qualquer relação com os PALOP nem com Portugal, mas que acabam por se rever.

Exactamente, há uma diferença, mas acima de tudo uma troca de culturas que acontece nas festas. E, sinceramente, a batida aqui está a vir com uma força diferente.

Como foi passares pelo Boiler Room?

Foi como um sonho. Não estava nada à espera. Quando recebemos a proposta, meio que duvidei porque foi tão rápido que nem estava à espera… mas a proposta chegou e fomos lá tocar. Nem consigo contar, são cenas que tens que presenciar para saber. Mesmo quando vejo o vídeo, fico só a rir, porque era algo que eu não conseguia imaginar. Na tuga víamos o Maboku, o Marfox, o Firmeza ou outros DJs que tocaram e representaram a batida no Boiler Room e ficávamos chocados porque era algo diferente, sabes? Estás a tocar para um público estrangeiro e é algo que passa mesmo para o mundo. É um momento que não dá para descrever.

E quais são os teus próximos passos?

O meu objectivo neste momento é dar sempre mais e mais, fazer boa música e mostrar mais trabalho, com mais exigência. Quero fazer videoclipes, visualizers e tentar contribuir mais para o nosso movimento, ajudando os próximos que estão a vir.

Como estavas a dizer, esse movimento está muito vivo e há muita gente a fazer coisas e a lançar e a passar música em vários países. Mas o que é que sentes que falta para a coisa crescer mais?

Falta mais apoio, e força e união entre nós produtores. Porque se estivermos todos unidos e numa só direcção, penso que podemos ir muito longe mesmo no movimento. Já vi a olho nu o que o nosso movimento pode dar. Quando fui ao Canadá e aos Estados Unidos, vi que há coisas sérias para se fazer, pessoas que estão interessadas no nosso movimento e que podem ajudar-nos a fazer com que ele chegue mais longe.


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