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Fotografia: Beatriz Pequeno
Publicado a: 31/03/2025

Mais uma dose dos dois rappers em Portugal.

MIKE e Jadasea na Galeria Zé dos Bois: a música como difusora de amor, carinho e respeito

Fotografia: Beatriz Pequeno
Publicado a: 31/03/2025

As pequenas salas — apertadas, quentes, escuras e cheias de fumo, onde olhamos em frente e por vezes apenas vemos cabeças — são um lugar quase inóspito à contemplação, mas onde é possível levitar quando no palco está alguém cuja essência é grande e bonita.     

Foi a 28 de março que a Galeria Zé dos Bois (ZDB), em Lisboa, recebeu de novo os rappers Jadasea e MIKE, sendo o grande destaque este último. Em Portugal não é um músico muito conhecido do público em geral, mas o suficiente para que os entusiastas de rap o conheçam e tenham esgotado os bilhetes vários dias antes do concerto. Encheram a sala da ZDB e, do início ao fim, entoaram em uníssono as letras das músicas, em estado de comunhão continua.  

MIKE (Michael Jordan Bonema) é um rapper americano, nascido em New Jersey que, devido à procura da família por melhores condições de vida, viveu parte da mesma em Londres e Filadélfia, fixando-se mais tarde em Nova Iorque. Nasceu em 1998 e foi em 2015, influenciado pela cultura hip hop, que se lançou na plataforma de música Bandcamp, com o EP Belgium Butter. Com grande criatividade e capacidade de produção, desde então gravou vários EPs, mixtapes e álbuns. Formou ainda o grupo de rap [sLUms], que juntou alguns amigos como Adé Hakim, Darryl Johnson, Jodi.10k, King Carter e Mason Dreiling, que também se reviam na sua forma de estar, interesses e gostos musicais, e viam na música a fuga das suas complexas realidades familiares e sociais, o que lhes deu algum sentido adicional para viver. Michael Jordan Bonema é também conhecido pelo seu trabalho como DJ e produtor enquanto DJ Blackpower. Em janeiro de 2025, MIKE lançou o seu disco mais recente, Showbiz!, pela sua editora independente 10k.   

Com um público quente e cheio de vontade, a primeira parte do concerto foi feita por Jadasea, MC britânico, membro de Sub Luna City, que há algum tempo é também conhecido pelas colaborações com Bonema, quer na faceta de rapper, MIKE, quer na vertente de beatmaker, DJ Blackpower, com quem neste dia se apresentou em palco. O concerto de Jadasea foi forte, com o habitual registo que representa uma realidade difícil e crua, algo que também caracteriza a escrita de MIKE. Juntar estes dois nomes, assim como em outros casos, levanta a reflexão de cariz filosófico e até psicológico: o quão difícil é um artista chegar a dimensões maiores quando, ao seu lado, tem alguém realmente muito grande. E foi o que aconteceu na ZBD na passada sexta-feira, em que, pela reação do público aquando da entrada em palco de MIKE, foi notório que estavam ali, essencialmente, por aquele artista que tem sido voz das angústias, das inquietações, das vivências difíceis, mas também do sonho e do amor. Por mais de uma hora e acompanhado pelo DJ Taka, MIKE apresentou o seu novo disco, Showbiz!, acarinhou o público e foi, em simultâneo, acarinhado por este. Ao longo do concerto foi exprimindo emoções e agradeceu o calor humano e energia ali transmitidos. Por diversas vezes desenhou simbólicamente um coração com as mãos que dedicou ao público e questionou recorrentenmente se todos se sentiam bem. Por duas vezes desceu do palco e veio cantar junto das pessoas, ao mesmo tempo que as cumprimentava e abraçava, criando um elo de identificação. Ficou claro que, para MIKE, é importante demonstrar amor, carinho e respeito. O norte-americano é um criativo fora do comum e num lugar especial, algo que se demonstrou no concerto pela capacidade de construir harmonia, igualdade e gerar emoções pacificadoras que fazem e fizeram os ouvintes levitar, partindo de pilares tão duros como a denúncia da realidade obscura da vida, ou do peso marcado pelas opressoras vivências diárias. O diálogo entre MIKE e o público foi constante ao longo de todo o concerto e terminou com o rapper a exaltar a liberdade: “Free Sudan! Free Gaza! Free Congo! Free all opressed people!”

A música de MIKE em palco não é muito diferente do que podemos ouvir no disco, talvez ao vivo com mais intensidade. A voz é grave, com um flow muito próprio e característico, por vezes arrastado, que encaixa na perfeição nos samples que o suportam. No concerto também cantou, com um timbre também ele grave, arrastado e feito de nuances monocórdicas cheias de personalidade. A sua música demonstra forte influência do boom bap, acrescentando-lhe novos traços e personalidade, mas também percorre o drill, com samples repescados aos arquivos da R&B, soul, raggae e jazz. É um som que viaja pelo mundo do hip hop alternativo, até experimental por vezes, e que retrata um mundo difícil. E a 28 de março, MIKE foi capaz de nos entregar uma poesia que, de forma orgânica, se ergueu sobre os escombros de uma depressão passada. As experiências violentas e as duras realidades vividas por milhões de pessoas no planeta, são assuntos que MIKE sabe conduzir para a música e, em consequência, para o palco através da sua voz.


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