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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/04/2025

Um trio que vai do jazz ao rock, com tudo o que a abstracção e a improvisação permitem pelo meio.

Mats Gustafsson, de Fire!: “No dia em que sentirmos que nos estamos a repetir, ficaremos em casa”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/04/2025

Mats Gustafsson, Johan Berthling e Andreas Werliin, enquanto Fire!, formam uma autêntica superpotência criativa, uma célula coesa que não reconhece fronteiras entre o jazz, o rock mais abrasivo e exploratório, a abstracção pura e algo mais, com uma devoção plena à liberdade absoluta e às possibilidades infinitas que a improvisação oferece.

E desde que se estrearam em 2009 com You Liked Me Five Minutes Ago, na incontornável Rune Grammofon, os Fire! trilharam um caminho singular, com total espírito de aventura bem documentado em oito imprescindíveis registos. Testament, lançado em 2024, é o título mais recente dessa importante discografia, e a obra que os traz até ao nosso país para três concertos: amanhã, dia 10 de Maio, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa; sexta-feira, dia 11, em São Miguel no âmbito do festival Tremor; e no sábado, dia 12, em Braga, no gnration. A energia que Steve Albini captou no seu estúdio e fixou em Testament voltará a ser empregue nestas três apresentações. Isso é o que nos garante Mats Gustafsson, que no meio da azáfama de uma intensa digressão ainda encontrou tempo para responder a algumas perguntas do Rimas e Batidas.



Gravaram Testament no estúdio Electrical Audio de Steve Albini, em Chicago. Já tinha gravado lá com os The Thing, em 2009. O que o fez voltar, o que recorda das sessões e como é que o Steve conduziu o processo de gravação? Porque o álbum soa muito vibrante e a gravação soa tão real que nos transporta imediatamente para a sala…

Sim, esta foi uma gravação especial para todos nós. E foi um grande choque quando o Steve faleceu. Ele era tão vibrante e cheio de ideias e energia. A sua atitude e pensamento inovadores são uma grande experiência de aprendizagem para mim e para todos os outros. A melhor situação que já tive num estúdio. Ponto final. Ele fazia-nos estar realmente presentes no momento. E era um verdadeiro mestre no controlo/registo dessa energia. Sem dúvida. Voltei lá recentemente e gravei com o seu colega Greg Norman. Também foi uma experiência fantástica. E a vibração especial de Albini ainda está lá. Não exatamente a mesma…. Mas ainda assim… Muito mágico. E para vantagem da música. Gravei um novo projecto chamado “PIVOT” com Tomeka Reid, Chad Taylor e Ken Vandermark. O Steve foi crucial para a gravação do Testament. Despojando tudo para apenas… o básico. Sem instrumentos adicionais, sem factores de perturbação. Apenas três artistas reunidos num estúdio. Saxofone baritono, baixo e bateria. É só isso. Uma experiência muito, muito bonita!

Tem tocado por toda a Europa com os Fire! desde o início do ano, mais ou menos. Como é que esta agenda intensa afecta a música que estão a tocar? Sentem-na a mudar de local para local? Diria que há um elemento site specific na forma como as actuações se desenrolam todas as noites?

Cada local é diferente. Cada dia é diferente. A acústica, as pessoas, a vibração. Esta é a beleza de tudo isto. As possibilidades que isto dá à música e à experiência da música. Fizemos uma longa pausa com o trio. E quando voltámos a fazer digressões, após alguns anos, percebemos que é pura magia para nós. A primeira digressão que fizemos em Março foi fantástica. A música foi incrível. Algumas das melhores músicas que já fizemos, para ser honesto. Com base no material do Testament, mas adicionando algumas músicas mais antigas e algumas novas ideias à mistura. Cada noite tem uma setlist diferente. É assim que deve ser.

Fire! existe há 15 anos e produziu 8 álbuns, uma marca espantosa seja qual for o padrão. Como acha que o grupo evoluiu durante esse tempo e como é que este mundo em constante mudança influencia essa evolução?

O mundo e tudo o que nos rodeia afecta a música e as nossas vidas. Especialmente agora. O mundo está totalmente de pernas para o ar neste momento, no que diz respeito a níveis de estupidez e comportamentos narcisistas. Tudo gira em torno do ego, do dinheiro e do poder com a ajuda de mentiras mais profundas. É muito provocador assistir a esta treta populista. A arte é uma reacção ao que está a acontecer. Tal como a poesia, a música e actividades afins. Fire! transformou lentamente a sua música, é claro. E no dia em que sentirmos que nos estamos a repetir, ficaremos em casa. Há sempre coisas novas para explorar e desenvolver. Para aprofundar. Esperemos que nos possamos transformar mais um pouco! E espero que em breve o mundo pareça e soe diferente. A música tem esse poder. Para curar.

Já estão a planear os próximos passos em termos de novas gravações, novos projectos? O futuro continua a atrair-vos com a mesma intensidade?

O futuro está aqui, agora. Só podemos viver o presente agora. E penso que não se deve planear demasiado com antecedência. Devemos amar e ser activos no presente, agora. É importante olhar para trás e aprender com a história. História musical, política e ideológica. Há muito para nos inspirarmos e também para nos revoltarmos. Mas tudo faz parte de um processo de aprendizagem. Temos novas ideias para o trio, novos materiais. E vamos trabalhar com uma nova editora em breve. A Rune Grammofon — à qual temos sido fiéis desde o primeiro dia — está a reformar-se, por isso vamos começar uma nova colaboração agora. Estejam atentos! Vai ser uma boa colaboração. Os membros individuais do trio estão a fazer muitos outros projectos no âmbito da música criativa — jazz, noise, free jazz, rock, música contemporânea — e tudo isso afecta o trio no que é trazido para a mistura. Essa é a beleza de tudo isto. Nós adoramos esta forma. A única forma. Para nos desenvolvermos individualmente e juntos num coletivo como Fire! Trio e Fire! Orchestra. Há demasiadas coisas a acontecer para sermos preguiçosos… Não podemos esperar pelo amanhã — mas levamos cada dia como ele vem. Há tanta música óptima e criativa por aí para nos inspirarmos. Para apanhar pedaços e transformá-los em música de fogo — música Fire!

A sua paixão pelo vinil é bem conhecida. Tem histórias de vinil relacionadas com Portugal? Já alguma vez comprou discos raros por estas bandas? Pode partilhar algumas histórias?

Sem paixão não somos nada. Eu tenho demasiadas histórias para contar. É melhor irmos juntos para o bar, mais tarde, partilhar uma aguardente. Estou sempre à procura de vinis e de novas experiências. Em Portugal, cada vez que visito encontro novas informações e novas inspirações. O fado em 7” é como magia para mim. Ando sempre à procura disso. Colecciono tudo com a Susana Santos Silva, claro. Ela é o melhor que saiu de Portugal — ao mesmo nível do grande fado e de um vinho do Porto espetacular. Ela é a melhor! Estou sempre curioso por coisas novas para ouvir — e sim, de preferência em vinil. O vinil dá cabo de mim e da minha mente das melhores maneiras possíveis! Não há como fugir disso! Aqui vamos nós!


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