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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Maeve W.
Publicado a: 10/02/2025

Das sombras de Londres ao eco de Lisboa.

Maripool: O Espectro Sonoro de Uma Cidade Invisível

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Maeve W.
Publicado a: 10/02/2025

[O Primeiro Acorde: A Geometria da Melancolia]

Nascida em Lisboa, cidade onde o Tejo abraça o Atlântico, Natacha Simões, sob o pseudónimo de Maripool, encontrou-se transplantada para Londres, metrópole de neblinas e luzes difusas, como uma partícula errante no tempo. A sua jornada musical iniciou-se de forma quase fortuita: ao conseguir o seu primeiro emprego na capital inglesa, investiu o seu salário inaugural numa guitarra, um objecto que rapidamente se tornou extensão da sua própria essência. As noites londrinas transformaram-se em sessões solitárias de aprendizagem, onde, de forma autodidata, desvendava os segredos das cordas, permitindo que a música emergisse como uma revelação fragmentada entre prateleiras de supermercado e madrugadas silenciosas.

Ensinar-se a tocar não foi um processo metódico, mas uma inevitabilidade, como se cada nota já existisse no seu ADN, aguardando pacientemente que os seus dedos descobrissem o caminho. Nas suas melodias, ecoa um crepúsculo entre tempos e geografias: a fragilidade etérea do shoegaze dos anos 90, o jangle pop das memórias desfocadas, e o espectro emo do Midwest americano que, embora jamais tenha conhecido em primeira mão, ressoou com uma intensidade atemporal na sua pele.

Maripool descreve a sua música como DIY, reflectindo uma abordagem artesanal e íntima à criação sonora. Cada composição é uma peça única, tecida com fios de experiências pessoais e influências diversas, resultando numa tapeçaria sonora que é simultaneamente familiar e inovadora. A sua presença online, através de plataformas como o Instagram e o Bandcamp, oferece um vislumbre do seu mundo criativo, onde partilha não apenas a sua música, mas também fragmentos da sua jornada artística.

A transição de Lisboa para Londres não foi apenas uma mudança geográfica, mas uma metamorfose espiritual. As ruas movimentadas, os sons urbanos e a diversidade cultural da capital britânica serviram de pano de fundo para a evolução de Maripool como artista. No entanto, as raízes lisboetas permanecem presentes, conferindo às suas composições uma melancolia suave, uma saudade que atravessa o tempo e o espaço.

Assim, a música de Maripool torna-se uma cartografia emocional, onde cada acorde delineia paisagens internas, e cada melodia traça rotas entre o passado e o presente, entre o conhecido e o desconhecido. É uma exploração contínua da geometria da melancolia, onde as formas e os sons se entrelaçam, criando um universo sonoro único e profundamente pessoal.

[A Noite em Que Londres Se Fez Som]

Em 2022, Maripool lançou o seu EP de estreia, It All Comes At Once, uma obra que transcende a mera colecção de canções, assumindo-se como um verdadeiro ritual de exorcismo emocional. Neste trabalho, cada acorde parece ter sido desenhado com tinta invisível, revelando-se apenas àqueles que já percorreram os longos corredores da nostalgia e do desconhecido.

A guitarra, carregada de reverb, actua como um portal sonoro. Ao ouvi-la, somos transportados para um limiar entre o sono e a vigília, onde as emoções se manifestam com uma nitidez volátil. Os fantasmas não se materializam explicitamente, mas habitam nas entrelinhas, nas cordas dedilhadas com uma precisão que soa acidental, mas que representa a mais pura forma de honestidade musical.

O EP é composto por faixas que exploram diferentes nuances emocionais. “Softly” abre o trabalho com uma melodia envolvente, onde a voz suave de Maripool nos guia por entre reflexões íntimas. Em “Untitled”, a artista apresenta uma abordagem mais crua, com acordes que evocam uma sensação de urgência contida. “This Time Again” destaca-se pela sua intensidade lírica, revelando uma faceta mais sombria e introspectiva. Por fim, “Coming Back” encerra o EP com uma melodia que mistura nostalgia e esperança, deixando-nos suspensos entre o passado e o futuro.

Este trabalho foi recebido com aclamação pela crítica, com publicações como a DIY, So Young e Pitchfork a destacarem a profundidade emocional e a autenticidade presentes nas composições de Maripool. A sua capacidade de fundir elementos do shoegaze dos anos 90, do jangle pop dos anos 2010 e do emo do Midwest resulta numa sonoridade única, que ressoa profundamente com os ouvintes.

Em It All Comes At Once, Maripool não só compartilha a sua música, como nos convida a uma viagem introspectiva, onde cada nota serve como um espelho para as nossas próprias emoções e experiências. É uma obra que nos desafia a confrontar os nossos próprios fantasmas, enquanto navegamos pelas paisagens sonoras que ela habilmente constrói.



[O Silêncio Entre as Notas: Um Dia Que Não Existe]

Em 2024, Maripool presenteia-nos com o seu segundo EP, A Day That Feels Like Nothing at All, uma obra que aprofunda ainda mais a sua exploração sonora, criando paisagens que parecem existir fora do tempo. Há algo de espectral na forma como a sua música se move — como se cada faixa fosse uma cidade que não pode ser visitada, apenas sonhada.

A produção deste trabalho é notavelmente mais madura e complexa, evidenciando o crescimento artístico de Maripool. As camadas sonoras são meticulosamente construídas, com guitarras reverberantes e vocais etéreos que se entrelaçam para criar uma tapeçaria sonora rica e envolvente. Cada faixa é uma exploração auditiva que nos transporta para um espaço onde o tempo parece suspenso, e as emoções são sentidas de forma mais profunda e intensa.

Em A Day That Feels Like Nothing at All, Maripool convida-nos a explorar os espaços entre as notas, os silêncios que falam tanto quanto os sons. É uma meditação sobre a passagem do tempo, a efemeridade das emoções e a beleza encontrada na transitoriedade da vida. Este EP solidifica a sua posição como uma artista que não tem medo de mergulhar nas profundezas da experiência humana, oferecendo-nos uma banda sonora para as nossas próprias introspeções e sonhos.

[Maripool, Ou a Arte de Ser Invisível]

Há artistas que gritam para serem ouvidos, e há outros que sussurram — e, por isso, são impossíveis de ignorar. Maripool pertence a esta segunda linhagem, onde a introspecção se transforma em algo universal. O que a sua música nos oferece não é um manifesto, nem um grito de revolta, mas um espaço vazio onde cada um de nós projecta as suas próprias saudades, as suas próprias ausências.

A invisibilidade em Maripool não é ausência, mas um convite ao espectro das possibilidades. Não há um rosto fixo, uma identidade rígida, um discurso fechado. Em vez disso, há um jogo subtil de reflexos, como um vidro embaciado onde cada ouvinte desenha, momentaneamente, a sua própria história antes de a condensação a apagar.

Os seus acordes não são grandiosos nem pretendem ser. A grandeza, aqui, está na sugestão, na forma como uma melodia pode ser tão leve que se transforma em brisa — e, ainda assim, permanecer connosco por dias inteiros, alojada na nossa memória como um fragmento de sonho que não conseguimos abandonar.

A sua música não nos diz para sentir. Não nos instrui nem nos conduz. Não há um caminho traçado, nem uma emoção específica a seguir. Em vez disso, Maripool coloca-nos diante do espelho, sem avisos nem legendas, e deixa que sejamos nós a decidir se conseguimos encarar o reflexo. Há um vazio ali, mas é um vazio fértil, um campo onde cada um de nós planta as suas próprias dúvidas, nostalgias e esperanças.

No fim, talvez a verdadeira inovação não esteja na distorção da guitarra, no eco das vozes ou na produção etérea — mas na coragem de criar sem impor, de existir sem exigir reconhecimento imediato.

E, no final, não é essa a função mais pura da arte? Não nos moldar, mas dar-nos o espaço para nos recriarmos a cada nota?

[A Day That Feels Like Nothing at All: Cartografia de Sons e Silêncios]

No crepúsculo de um dia que se dissolve em nada, emerge uma tapeçaria sonora tecida por Maripool, onde cada fio é uma nota, cada nó uma emoção. Este disco é um mosaico de seis peças, cada uma reflectindo um fragmento de uma realidade etérea.

[“not today”]

Uma guitarra sussurra ao amanhecer, acordes que flutuam como folhas ao vento. A voz irrompe, brilhante, iluminando a melodia. Um violino entra, contrapondo-se, dançando num diálogo íntimo. Uma pausa — o silêncio respira. O violino retoma, insistente, um ostinato que hipnotiza. A guitarra desdobra-se, repetitiva, enquanto baixo e bateria se unem, infundindo energia. O tema desvanece-se, sem um fim definido, deixando-nos suspensos no ar.

[“isn’t it funny”]

A guitarra surge com um timbre áspero, quase irónico. Um saxofone eleva-se, conferindo uma sonoridade singular. A pulsação do baixo e da bateria é intensa, repetitiva, como um coração que bate com urgência.

[“mistakes i make”]

Uma pulsação jazzística abre o caminho. O saxofone dialoga com o riff da guitarra, uma conversa íntima entre dois amantes musicais. A guitarra, em acordes abafados, seca as cordas, criando uma textura única. Um solo leve de saxofone eleva-se, enquanto a voz desliza suavemente sobre o instrumental. Há uma alegria contagiante neste tema, uma celebração dos erros que nos tornam humanos.

[“twist”]

Ecos da new wave ressoam, reminiscências dos Young Marble Giants. Simplicidade e criatividade entrelaçam-se, formando uma melodia minimalista mas profundamente original.

[“waste of time”]

Uma frase simples repete-se infinitamente, como um mantra. Arpejos de guitarra dialogam com sons de piano e sintetizadores, criando uma paisagem sonora hipnótica.

[“bring yourself down”]

Uma continuação do tema anterior, mas num tempo mais lento. Um solo peculiar e lírico emerge. A voz, quase num registo de Sprechgesang, oscila entre o falado e o cantado, conduzindo-nos através de um labirinto emocional.

Neste álbum, Maripool convida-nos a uma viagem introspectiva, onde cada tema é uma porta para um universo paralelo, uma exploração das nuances da existência através de sons e silêncios.


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