Com Manel Morgado a dar cartas, ninguém perde. O artista mais conhecido como Lunn lançou no passado mês de Março A Casa Ganha Sempre, um sincero showcase das suas valências que mostra alguém em total controlo das batidas acompanhado por colaborações cirúrgicas. Alguns dos convidados fazem parte do universo MUNNHOUSE, casa de produção criativa que Morgado fundou em 2022, mas há uma aproximação a outros nomes da música portuguesa como Lhast ou Murta. Longe de ser o primeiro trabalho, é um cartão de visita definitivo das capacidades instrumentais de Lunn.
É no epicentro da acção que somos recebidos por Morgado, que abre as portas da MUNNHOUSE para esta entrevista. O Rimas e Batidas sentou-se com o produtor para uma conversa sobre o início deste projecto, os inputs dos vários colaboradores e algumas das escolhas sonoras.
Em 2023 lançaste o teu primeiro single a solo, “Eclipse”. Dois anos depois, estás de volta com o teu primeiro projecto a solo. De onde é que surge este projecto?
Na altura do “Eclipse”, decidimos que ia sair por mim, e surgiu-me a ideia de querer fazer um projecto em nome próprio. Por isso é que fiz o Balanço com o L-ALI, porque ele já sabia que eu estava numa de fazer um projecto. E saindo do Balanço eu quis continuar e decidi que queria fazer isto assim. É consequência de trabalhar com estas pessoas nos projectos delas. O “Eclipse” era a primeira faixa de um EP de colaborações, só que muitas saíram entretanto ou os sons foram para [os artistas] em vez de irem para mim, e o “Eclipse” não fez parte do projecto porque eu queria que todas as faixas fossem com pessoas diferentes. O EP acaba por ser uma playlist, sem uma narrativa sonicamente muito concreta, não tem um fio condutor, daí o conceito do projecto: estou a dar as cartas, que são os beats — sou o dealer dessa sonoridade — e eu quero que eles ganhem. A vibe é meio lounge, dá a sensação que podíamos estar sentados à mesa a ter conversas individuais e eles a jogarem comigo, e a quererem contribuir para o meu jogo também. A casa ganhar é uma referência à MUNNHOUSE, e as colaborações essenciais do projecto são a casa também.
Algum dos convidados teve um input mais importante a nível da produção final do beat?
O Lhast, naturalmente. É bué fixe ter ao teu lado uma pessoa com muita experiência, principalmente porque ele tinha acabado de lançar o Cold Summer & Warm Winters com o Chaylan, que eu adoro. Estava muito a tentar perceber como é que ele via as coisas e como é que ele queria transmitir as ideias vocais dele, não só ali. Nós fizemos mais trabalhos e eu entretanto também produzi com ele e para ele noutras coisas.
Ouvimos um saxofone em “Nada”. Como é que aconteceu incluíres este instrumento?
Aconteceu porque o Tomás Martin estava connosco no writing camp do xtinto em Ourém. Na altura estava a mandar os sons ao Pedro Dórdio e o Tomás estava na sala e eu comecei a tocar o beat do “Nada” e de repente estou a ouvi-lo lá a tocar atrás de mim. Ele é muito bom, fez quatro ou cinco takes do início ao fim e depois foi só chop and screw. Eu não sou o maior fã de saxofone, por isso é que eles também são mais suaves, nunca muito estridentes, não têm muito protagonismo. Mas ironicamente eu já tinha alguns inserts de saxofone, achei que fazia sentido no bolo da música, e foi um bocado mais predominante, contra a minha vontade inicial [risos]. Cada som é um som, cada universo é um universo e se aquilo pede, é isso.
O que é que sentes que mudou mais das tuas produções anteriores?
Apesar de trabalhar tendo em conta as pessoas que estavam comigo a colaborar, é o que tem mais de mim, onde eu gosto mais de arriscar. Estava mais a pensar em mim e no que é que eu ia lançar, os desafios eram diferentes. Era procurar por fazer mais simples, e estar com muito mais atenção em takes, nuances e detalhes de vozes aqui e ali. E teve a ver também com eu estar activamente a trabalhar mais em songwriting.
A guitarra soa mais do que noutros temas teus, tanto em “Outra Vez” como em “Voicemail” ou “Watson”. Foi um instrumento em que decidiste apostar mais neste projecto?
De maneira nenhuma, eu nem sequer uso muitas guitarras nos meus beats. É a tal cena de teres essa atenção e de saberes que se calhar puxava mais. Para a pikika fazia todo o sentido, para o Murta também. Apesar de ser um projecto meu, era o universo deles, e fez parte do processo e do desafio incorporar outras coisas que eu não estava tão habituado. Eu não estava a fazer beats sozinho a maior parte do tempo. Com o Murta ele é que pediu para tocar, veio com uma referência de um som, o beat originalmente nem sequer tinha guitarras. E quero usar elementos mais comuns que as pessoas estão habituadas a ouvir.
Colaboraste com o Lhast em “Cognac” e com o João Maia Ferreira em “9 Caudas”. Ambos deram o salto de produtor para vocalista. Podemos esperar alguma coisa desse género da tua parte no futuro?
Eu vou para o mic de vez em quando, testo coisas, ideias de melodias e harmonizações. Está na minha cabeça, mas não significa que vá acontecer efectivamente, não me atrai assim tanto. Eu cresci como baterista e na performance em palco interessa-me muito mais o lado percussivo das cenas e instrumentos, é como eu visualizo e imagino o som. E mesmo as vozes, eu interpreto a letra muito depois, estou muito mais atento à métrica, flow, onde é que aquilo encaixa, como é que aquilo dança no ritmo.
Quando é que te podemos apanhar ao vivo? Tens alguns concertos de apresentação planeados?
Não pensei a fundo, mas quero fazê-lo, até porque já tenho sons suficientes em nome próprio que mo permitem fazê-lo. Será um mix entre DJ set e performance, com curadoria MUNNHOUSE, com mais coisas a acontecerem.