Seria numa tarde, que imitava a Primavera, que um concerto de data única em Portugal iria criar uma viagem à transdimensionalidade entre o Real e o Sonho.
É uma programação cultural bem afinada e uma feitiçaria da qual ainda não lhe percebi o engenho que transformam uma tarde de Inverno num momento mágico. Aconteceu numa sala, a Black Box do gnration, preenchida de uma diversidade abissal de tons e nacionalidades de um público que nunca imaginaria ali encontrar.
No habitual antecedente escuro da sala iniciaram-se os primeiros sons de “Yellow”, do álbum Colours of Air, que nos cegou de um vermelho fogo e uma aureola amarela circularia os dois protagonistas em frente à misteriosa maquinaria de receitas sonoras. Dali saíram várias camadas drónicas de sons, que se acolhiam a uma percussão semi-abafada de notas de frequência baixa e quente.
A sala silenciou-se num embarcar hipnótico, quase cerimonioso, nesta viagem.
O mar estava perto, ou assim se fazia escutar enquanto do laranja passávamos a um violeta e azul céu. Caíam várias notas sob um respirar lento, grave e sempre doce, ao género de uma sobra de chuva. O crescendo do respirar metamorfoseava-se numa cadência de locomotiva. Onde íamos? Estávamos em “Violet”, música que nos trouxe os primeiros fractais dinâmicos no cenário.
Havia nuvens.
Um super-grave assumiu a sala de forma cadencial e circular. “Black”, a terceira composição da tarde, invade o tempo e o espaço numa quantidade de matrizes e camadas harmónicas que interferem com a nossa respiração. O cenário é um céu de nuvens violeta e a sala já tem público postrado sobre si mesmo. Gente que se senta no chão ou encosta às paredes num abandono físico. Impera o espírito à chamada etérea dos sons. Há uma nota contínua que finda a música e as nuvens assumem o azul outra vez.
Há o úmbrico bem-estar.
Uma panorâmica estereofónica bem definida, em crescendo círculo, levanta os mais distraídos espíritos rumo a uma liberdade até agora desconhecida. Esgotou-se o pensamento lógico e deu vez a um lugar ausente. O cenário ferve em vermelho e celuloide, até o violeta impor o “Magenta”, nome do tema que escutamos de seguida. Surge um som espacial que corta a cadência acima deste sempre presente respirar grave.
Há a liberdade.
Atrás das magas silhuetas de Loscil e Lawrence English há um horizonte, ou assim parece. Entre o azul e vermelho mantém-se o violeta e os fractais. Entre cada quente grave nota, um frenesim alarmado de vertigem, um abismo imposto que nos prende a esta dimensão. Assim vivemos “Grey”.
Há o silêncio.
Uma trompa esmaga-nos contra a realidade carnal do susto. Um fractálico cubo negro paira por cima do violeta. De uma longínqua dimensão surgem sons, tantos que se atropelam numa vontade sonora de estar e ser presente, com um desejo de se tornar física. Uma ondulação, azul, faz adivinhar as ervas de um campo sonhado à beira-mar.
Há uma trompa apocalíptica.
Deu-se o fim do concerto. Pairou o desejo por mais e dissertou-se sobre como seria bom regressar onde tínhamos estado momentos atrás. Cá fora, ainda era Braga, agora nocturna. Em nós trazíamos algo daquele concerto e uma fome de coisas doces.