Às vezes, mais vale parar para calcular melhor o próximo passo, mesmo que ele possa levar alguns anos a ser executado. Foi isso que Lójico fez para reentrar na rota dos discos pela porta grande com Now & Forever em 2023, depois de ter estado a coleccionar alguns singles no decorrer do percurso iniciado em 2018 com o EP de estreia Amor & Arte.
Nesses 5 anos, muita coisa mudou. A escrita de Lójico tornou-se mais madura, a sua entrega está mais versátil e as sonoridades que aborda fazem dele um artista cada vez mais completo dentro do amplo espectro que é o hip hop. E não foi só fogo de vista. Nos últimos meses, o rapper de Gaia comprovou toda a sua evolução em mais um par de projectos — o colaborativo Once Upon a Time (com Ph e Tab) e ainda a nova aventura a solo de You Still Live Here.
Mas a metamorfose só ficará completa após o lançamento de HeartBreak Kid, aquele que é considerado por João Correia como sendo o seu primeiro álbum, cujo desenvolvimento tem estado a decorrer nos bastidores e entre os vários trabalhos que nos tem dado a conhecer. Parte do secretismo chegará ao fim na noite de 9 de Novembro, quando Lójico subir ao palco do Maus Hábitos no âmbito de mais uma sessão de Havana Beat, onde aproveitará para interpretar ao vivo alguns dos temas inéditos que anda a preparar, intercalando uma actuação que se centrará nas suas mais recentes edições.
Ao Rimas e Batidas, o MC falou sobre o momento actual da sua carreira e antecipou esse aguardado concerto agendado para a emblemática sala de espectáculos portuense.
Demoraste 5 anos a dar sucessão ao teu EP de estreia, Amor & Arte. Surgiste novamente em disco em 2023 com Now & Forever e, só este ano, já contas com dois trabalhos editados — Once Upon a Time e You Still Live Here. Estes três últimos lançamentos consecutivos são o resultado de um período em que andaste a estudar os próximos passos ou mera coincidência? O que te fez regressar em força a este registo?
Não foi uma altura fácil para mim, pessoalmente, e isso refletiu-se depois no ritmo que apliquei na minha carreira. Durante e pós-pandemia tentei incessantemente procurar voltar a encontrar-me, mas para isso acontecer sabia que precisava de me “perder” em novas melodias, novas experiências e acima de tudo novas abordagens. Considero que os 3 lançamentos recentes foram a minha forma de contar a história destes últimos 3/4 anos, enquanto paralelamente e de forma silenciosa, preparei o projeto mais importante de toda a minha carreira até agora. Houve ainda muita música a ficar só no meu computador, mas de facto as que saíram foram a forma que eu encontrei para, através da minha arte, continuar a contar a minha história.
Além do ritmo ter subido drasticamente, há também uma evolução na sonoridade com que agora te apresentas. Sentes que encontraste a tua zona de conforto nestas cadências do trap, do drill e do R&B?
Sinto que encontrei a minha zona de conforto no dia em que assumi que não queria ficar nela e que tinha qualidade suficiente para explorar o que a minha música pode ter para oferecer. Nunca senti que houvesse um género musical que pudesse rotular a 100% o que faço, mas neste momento ainda menos. E isso foi importante para eu crescer e me tornar cada vez melhor no que faço. Espero que a seu tempo se confirme que a minha melhor decisão foi nunca estagnar.
O You Still Live Here terá certamente um valor especial para ti, pois é a tua primeira vez num formato mais extenso, ao longo de 11 temas. Sentias esse peso quando o estavas a criar? Obrigou-te, de alguma forma, a subir algum degrau no nível de exigência que tens contigo mesmo durante o processo criativo?
O YSLH não estava nos planos de há 2 anos atrás, por exemplo. No entanto, apesar de ter sido um projeto menos ponderado, foi dos mais bonitos de fazer da minha carreira e talvez o mais importante. É uma compilação de músicas feitas ao longo desses 2 anos que talvez só nos próximos anos façam sentido a 100%. Fui exigente na criação de cada música como sou sempre, mas não me pesou o facto de o projeto ser grande. Foi premeditado, só desta forma conseguia passar a mensagem que queria. Foram 2 anos onde viajei física e mentalmente muitas vezes, e essa viagem foi contada para que o destino onde cheguei fizesse sentido quando for apresentado (vai ser).
Este teu novo projecto gira muito em torno do amor, mas também regista algumas outras “fotografias” do Lójico dessa altura, como a “MTCM” ou a “Madrid Freestyle”, envoltas numa certa descrença quanto à tua carreira. Que fase foi esta que atravessaste e qual foi o clique que te fez contornar todos os obstáculos que se meteram à frente?
Curiosamente eu tentei mesmo que não fosse tão ligado ao amor como os anteriores, talvez não tenha conseguido… A verdade é que foi mesmo mais um projeto que relata essas dificuldades e o processo de superação das mesmas que originou o meu regresso. Para quem me acompanha e ouviu o projeto True Colors sabe mais ou menos o que vivi, eu também não o escondi. Mentalmente passei pela pior fase da minha vida, e sendo a música a minha forma de transformar em arte o que de melhor e pior passo, não foi exceção. No entanto, foi a primeira vez que me deparei com uma luta interior e percebi que para conseguir continuar a lutar pelo que quero, tinha de primeiro lutar pelo que sou. Felizmente consegui e vou conseguindo, e o YSLH fala muito disso. “Foi muito tempo com medo e eu nem sei porquê”, tive de “ouvir o silêncio, o que ele tem pra dizer”.
O Lil Noon acaba por ser uma peça fulcral ao assumir grande parte da produção das faixas do disco. Como é que se deu a ligação a ele? E dado o historial dele ao lado do João Não, num registo completamente diferente, o que é que viste nas suas criações que te fez achar que seria o parceiro ideal para esta viagem?
Eu e o Lil Noon já nos conhecemos há muitos anos, já rimámos juntos inclusive em 2020 e sempre seguimos cada um o seu caminho até nos encontrarmos no Estúdio Q. Ele foi, sem dúvida alguma, um dos principais motivos pelos quais consegui voltar a ter a mesma paixão por fazer música que tinha em miúdo e também foi mesmo muito importante no sentido de eu recuperar a confiança que costumava ter no que faço. Entrei no estúdio dele com uma ideia muito clara do que queria ser num futuro próximo e de como queria dar comeback após a minha ausência. Bastou-me uma sessão para perceber que seria com ele que ia conseguir chegar onde queria, e acho que não me enganei. Quero mesmo vincar que é um artista (e pessoa) que admiro muito. O trabalho dele com o João tem uma personalidade muito própria e, tendo em conta o que vou trazer no futuro, sabia que ao lado dele eu próprio não me ia limitar na minha criação. Só o tempo pode confirmar as minhas palavras, mas acho que a nossa conexão musical resultou.
Já deste a entender que estás de momento a preparar o teu álbum de estreia, HeartBreak Kid. Que Lójico será esse que vamos poder escutar nesse formato? Tens algum detalhe que nos possas desde já revelar?
É de longe o momento mais importante da minha carreira. Desde a minha primeira mixtape que tinha ciente na minha cabeça que só fazia um álbum quando me sentisse pronto para tal. Podem esperar um Lójico muito diferente do que já ouviram, mas um Lójico que está em paz com o que fez e que não podia estar mais orgulhoso do resultado final. Musicalmente, vou deixar que o álbum fale por si, apesar de ter dado umas pistas no You Still Live Here. O que posso mesmo garantir é que dei tudo o que tinha para corresponder as expectativas que eu próprio criei para o meu primeiro álbum. Posso adiantar que tem 3 feats., todos do Porto, 3 artistas que estão no meu top de artistas em Portugal e, acima de tudo, 3 pessoas que respeito, que admiro e com quem acho que combinei a 100% nas respetivas músicas. Acho que todos os intervenientes respeitaram e gostaram do caminho que escolhi para o álbum e, acima de tudo, perceberam a ideia que quis criar. Só posso agradecer pelas participações, que acrescentaram muito valor ao projeto. Tem 9 músicas e foi todo produzido pelo Lil Noon. Welcome to the HeartBreak Kid…
Muito em breve vais até ao Maus Hábitos para te apresentares ao vivo. O que é que podemos esperar dessa actuação? Vais aproveitar para experimentar algumas das faixas novas que andas a criar?
Estou-me a esforçar para regressar aos palcos na minha melhor forma. Será uma celebração de tudo o que fiz e um spoiler do que ainda tenho para fazer. Vai estar dividido em 2 partes e mais do que isto não posso revelar, mas para quem gosta do “Lójico antigo” é um bom concerto para aparecer… Para quem tem curiosidade no que traz o “novo Lójico”, também é um bom concerto para aparecer.
O teu concerto acontece no âmbito do Havana Beat, um ciclo que o Maus Hábitos tem exclusivamente dedicado ao hip hop e pelo qual já passaram vários nomes consagrados, mas também algumas promessas que, com o passar dos anos, vieram a confirmar todo o potencial que lhes era reconhecido. Que significado tem poderes subir ao palco associado a uma iniciativa destas?
Antes de mais, agradecer ao Maus Hábitos e em especial ao SlimCutz pela oportunidade. Estou mesmo muito feliz por poder partilhar a minha paixão num local tão histórico e importante na cultura da nossa cidade. A última edição foi com um dos artistas que mais ouço, a energia estava incrível e o concerto foi ótimo, por isso mais pressão era quase impossível… Mas estou confiante no que vou apresentar e cada vez mais acho que tenho condições para que, com o tempo, seja eu também a confirmar todo o potencial que me tem sido reconhecido com o passar dos anos. Nesta altura, talvez seja a altura onde mais me sinto maduro, pronto e com energia para lutar por isso, então é esse o mote que levo para “partir a casa” no dia 9. Apareçam e venham fazer a festa!