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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/10/2024

O universo em metamorfose de Victor Afonso.

Kubik e o entrelaçar perpétuo de caos e ordem em Circus Mundi Decadens

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/10/2024

[I. O Caminho de Kubik: Entre Mundos e Sons Estelares]

Victor Afonso, nascido sob o manto sereno da Guarda, não é apenas um músico, mas um cosmonauta sonoro, um explorador de galáxias musicais onde o tempo se dobra e o espaço vibra em frequências inaudíveis. O seu alter ego, Kubik, é mais do que um simples projecto; é um portal, um buraco negro onde géneros se fundem, colapsam e renascem num ciclo eterno de metamorfose. Kubik emerge não da terra, mas das nebulosas, onde o som se forma antes de ser som, onde a música se gesticula como uma dança cósmica de átomos em colisão.

A viagem de Kubik, com mais de duas décadas, não é linear; é uma espiral, uma órbita irregular que o leva através de constelações estilísticas. Desde o rock primordial até às nebulosas electrónicas do jazz experimental, ele transcende os limites da gravidade musical. Como um astrofísico que manipula fórmulas desconhecidas, Kubik domina a arte de cruzar géneros, criando buracos de minhoca sonoros que nos transportam entre tempos e espaços distintos. Em cada álbum, Victor Afonso desdobra o espaço sonoro, e o seu público é levado numa nave estelar, com cada som, cada nota, sendo uma estrela que brilha por breves momentos antes de se extinguir no infinito.

Oblique Musique (2001) foi o primeiro pulsar. O som de uma estrela recém-nascida, tímida mas firme, iluminando o vazio do universo com uma luz fria e cortante. Este primeiro disco é uma travessia por desertos electrónicos, onde o som não segue regras, mas cria a sua própria gravidade. Já com Psicotic Jazz Hall (2011), a viagem torna-se mais turbulenta, os buracos negros de dissonância e fragmentação musical tornam-se evidentes, como se Kubik estivesse a mapear as fissuras no espaço-tempo. A música já não é uma linha contínua, mas um mosaico de fragmentos flutuantes, um cometa que se desfaz em poeira cósmica enquanto atravessa o céu.

Em Metamorphosia (2005), Kubik está em plena transformação. É como uma supernova prestes a explodir, onde a fusão de géneros alcança um estado crítico. O hip hop e o free jazz colidem como planetas desgovernados, a world music surge como ecos de civilizações distantes, e a música de cartoons transforma-se em sinais de rádio de uma galáxia perdida. Cada faixa é um planeta inexplorado, onde atmosferas estranhas e formas de vida sonoras nos aguardam com surpresas. Aqui, Kubik revela-se um alquimista estelar, manipulando elementos musicais com a precisão de um cirurgião cósmico.

Mas é com Circus Mundi Decadens (2024) que Kubik ascende ao seu verdadeiro estado cósmico. Este álbum não é apenas uma colecção de faixas; é um sistema solar inteiro, onde cada música é um planeta orbitando em torno de uma estrela moribunda. O circo decadente que Kubik constrói é uma metáfora para um universo à beira do colapso, onde a alegria e a tragédia se entrelaçam como as espirais de uma galáxia. Em “Carnis Fabula” sentimos o pulsar da matéria estelar, a carne cósmica a desintegrar-se em partículas subatómicas, enquanto “Orbis Falsitatis” ecoa como o grito de um universo que já não sabe distinguir verdade de ilusão.

Kubik não cria apenas música. Ele arquitecta cosmos. Ele transforma o som em matéria cósmica, onde cada nota é um átomo, e cada silêncio um vácuo onde a criação e a destruição se fundem. A sua obra é a representação audível do multiverso, onde géneros colidem como universos paralelos, e onde, no caos, Kubik encontra a ordem invisível que apenas ele pode decifrar. Aqui, na vastidão deste cosmos musical, Victor Afonso emerge como um mestre de cerimónias do caos, um guardião dos segredos sonoros que ressoam nas profundezas do espaço.



[II. O Circo em Ruínas: Uma Odisseia Sonora no Colapso de Mundos]

No vasto universo sonoro de Circus Mundi Decadens, Victor Afonso, sob o manto cósmico de Kubik, conduz-nos para dentro de um circo que não é da Terra, mas de uma dimensão onde a luz e a escuridão dançam juntas, num entrelaçar perpétuo de caos e ordem. O álbum é uma galáxia em colapso, um caleidoscópio de astros que giram e se fragmentam. Cada um dos seus 14 temas é uma estrela moribunda, uma explosão silenciosa que rasga o tecido do espaço-tempo e nos arrasta para a sua órbita.

Kubik, como maestro do cosmos decadente, manipula o som como se fosse matéria escura, invisível aos sentidos, mas essencial para a gravidade do seu universo. O circo que nos apresenta é uma metáfora viva e pulsante de um mundo desmoronado, onde os palhaços já não sorriem e as fanfarras, outrora alegres, ecoam com um som distorcido, como se os trompetes e os tambores tivessem perdido o seu propósito. Este circo não é terreno, mas um reflexo de uma humanidade à beira da extinção, perdida nas suas próprias ilusões.

O álbum começa com “Intro_La Strada”, uma abertura suave, mas carregada de peso existencial, como uma nébula em formação, onde as partículas ainda não decidiram se vão tornar-se estrelas ou buracos negros. Kubik evoca Fellini e Nino Rota, mas transfigura-os, transportando-nos para uma estrada que não é deste planeta. Sentimos o apelo de uma viagem que já não é física, mas metafísica, onde o grotesco e o sublime caminham lado a lado, num equilíbrio precário.

Em “Carnis Fabula”, o pulsar do rock industrial entrelaça-se com a melodia serpenteante do jazz, como se os dois géneros fossem planetas colidindo. A carne — matéria orgânica — desfaz-se em estilhaços de som, enquanto o ritmo sincopado se espalha como ondas gravitacionais no vácuo. Kubik aqui não toca apenas música; ele constrói atmosferas, cria um ecossistema sonoro onde cada acorde e cada distorção têm uma função vital na paisagem desolada que ele desenha.

“Aeterna Exspectatio”, com a voz de Malcolm X ecoando nas profundezas da electrónica, é o grito de um universo que perdeu a fé, mas ainda luta para existir. É a espera eterna de uma redenção que nunca chega, um eco perdido entre galáxias, um sinal de rádio captado por civilizações distantes, mas já sem significado. A verdade, ou a ilusão dela, surge novamente em “Orbis Falsitatis”, onde o som nos envolve como uma nuvem de poeira cósmica, obscurecendo a visão e deixando-nos à deriva, sem rumo.

Em “Circus Grotescus”, Kubik condensa o caos num minuto. Aqui, a fanfarra e a música circense não são mais celebrações; são fantasmas de uma festa que há muito terminou, uma melodia que se desintegra em partículas de distorção. É o som de um universo que já foi, e que agora só sobrevive nas memórias distorcidas de quem o habitou. Esta faixa é como um fragmento de uma supernova, brilhante por um momento, mas rapidamente consumido pela escuridão.

Por fim, “Machina Rotatoria Insolita” convida-nos a rodopiar num carrossel de sons estranhos, onde a repetição se torna um mantra hipnótico. Somos puxados para dentro de uma órbita de sons que se dobram sobre si mesmos, como se o tempo se curvasse, e cada rotação nos levasse mais profundamente para dentro de um túnel sonoro, sem fim à vista. É aqui que Kubik nos prende, não com a força da gravidade, mas com a força da repetição, até que já não saibamos distinguir o som da realidade.

Cada tema de Circus Mundi Decadens é um pedaço de um puzzle cósmico, um fragmento de um universo em decadência. Kubik não só expande os limites da sua própria experimentação, mas também os limites do que entendemos como música. Ele não cria canções; ele esculpe constelações, desenha buracos negros, e com elas, convida-nos a questionar o que é real e o que é ilusão. Neste circo cósmico, onde a decadência é tanto uma celebração quanto uma tragédia, Kubik ergue-se como o mestre de cerimónias de um espetáculo que desafia as leis do som, da gravidade e da própria existência.



[III. A Vida e a Obra: A Sinfonia Cósmica de Kubik]

Kubik não é um músico. Não, ele é muito mais. Ele é um cartógrafo de constelações sonoras, um alquimista moderno que transforma géneros em galáxias inteiras, onde cada acorde, cada pausa, cada dissonância, é uma estrela a brilhar em territórios inexplorados. Victor Afonso, sob o nome de Kubik, viaja por entre as fronteiras do som como um explorador intergaláctico, desafiando as convenções, dobrando o espaço-tempo musical até que o que conhecemos se torne irreconhecível, até que o familiar se transforme em mistério.

Em Circus Mundi Decadens, Kubik atinge o apogeu da sua jornada cósmica, elevando o som a uma nova dimensão de expressão artística. Este não é apenas mais um disco. É um sistema solar em miniatura, cada tema orbitando em torno de uma estrela central de decadência e beleza. Como um cientista das estrelas, Kubik manipula géneros como quem manipula elementos químicos, fundindo rock, jazz, electrónica e música circense, criando novas formas, novas substâncias que desafiam a compreensão humana.

Ao longo de mais de duas décadas, Kubik tem desenhado mapas de som que espelham tanto o nosso presente quanto os futuros que ainda estão por vir. A sua obra é uma reflexão profunda sobre a condição humana, mas também é uma antevisão de mundos possíveis, de futuros ainda por explorar. Cada álbum é um espelho, reflectindo as fraquezas, as fragilidades, as contradições da humanidade, mas também é uma janela aberta para universos alternativos, onde a música não é apenas um artefacto cultural, mas uma força da natureza, uma corrente gravitacional que nos puxa para novas realidades.

Circus Mundi Decadens é o auge dessa reflexão. O circo decadente que Kubik nos apresenta não é apenas um espetáculo sonoro; é uma metáfora viva, uma galáxia em colapso que nos obriga a confrontar a nossa própria fragilidade, a nossa própria vulnerabilidade. No seu palco, os palhaços não riem; eles choram. As fanfarras já não tocam melodias de festa; são lamentos distorcidos de um mundo que perdeu o seu rumo. Aqui, Kubik revela-se não apenas como músico, mas como um filósofo do som, um pensador cósmico que utiliza a música como veículo para explorar as profundezas da existência.

Victor Afonso, com o seu alter ego Kubik, é uma figura essencial no panorama musical português. Mas ele é mais do que isso. Ele é uma estrela errante no vasto cosmos da música global, um artista que recusa as convenções terrenas e que abraça o desconhecido, como um astronauta à deriva, sempre em busca de novos mundos sonoros. Kubik não nos oferece respostas fáceis. Pelo contrário, ele desafia-nos a questionar as nossas percepções, a reavaliar o que entendemos por música, por arte, por vida.

E nessa jornada, guiados pelo som de estrelas em colapso e buracos negros a abrir-se, somos levados a questionar: Onde termina a música e começa o universo? Onde termina o som e começa a vida? Em Circus Mundi Decadens, a linha é ténue, quase invisível. E é nesse limiar, nessa intersecção entre som e cosmos, que Kubik constrói o seu legado. Um legado que não é apenas musical, mas universal.


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