[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Hélder White
A apresentação de Keso no SBSR, em dia carregado de sol que transformou a escada da MEO Arena voltada para o Palco LG numa espécie de anfiteatro tropical, foi um claro triunfo. O Original Marginal começa, aliás, a gozar de reconhecimento entre os seus pares: ProfJam, Mike El Nite, Kidonov, Landim, Kaps, Harold, Sensei D. foram alguns dos que não quiseram perder o seu concerto. E que certamente se sentiram recompensados pela apresentação.
Keso arrancou sentado. Ladeado por DJ Spot, o homem de KSX2016 começou por evocar O Revólver Entre as Flores, álbum de 2012, com o instrumental de “Belarmino de Volta ao Ringue” e depois mostrou o seu “Medo” e ainda “Defeito Sério” e, já de pé a enfrentar o público, cantou “Bruce Grove” e interpretou um acapella com uma feroz letra que deixa claro que não é só em Londres que a vida é dura. O álbum que se inspirou na experiência britânica está carregado de material inteligente e intenso, que demonstra cabalmente que tudo na vida parece ser matéria para lhe alimentar a criatividade. Mas esse acapella também mostra que as experiências em Portugal não deixam um amargo de boca menor: “o governo chula o pobre”, vocifera, antes de nos mostrar um raio de esperança e afirmar que nem tudo estará perdido “enquanto houver miúdos como nós na rua”.
“Rooftops” manteve-o em KSX2016, mas com “Oiçam” (sobre sample do clássico festivaleiro de Eduardo Nascimento), “Na Rua Tenho Acústica”, “Insólito” e “Fumo Que Eu Fumava” deambulou demoradamente pelo trabalho anterior, provavelmente por finalmente ter a oportunidade de o apresentar num palco de dimensões mais generosas. Seria uma patetice que estas canções não chegassem a mais ouvidos.
Keso pode agora ter conquistado uma plateia mais generosa, mas isso não significa que abdique da sua essência: continua mordaz, a demonstrar possuir um humor corrosivo, auto-crítico, profundamente irónico. A dada altura pede uma salva de palmas para o seu hype man imaginário e também não perde a oportunidade de gozar com o mumble típico de Future. Faz sentido: Keso, ao invés da super-estrela americana, precisa mesmo que as suas palavras soem claras, distintas, transparentes. Porque as palavras – e a forma como as faz chegar aos nossos ouvidos, ora cantadas, ora rimadas, umas vezes sussurradas, outras cuspidas – são a sua mais forte arma. E ele está em luta com o mundo. E a ganhar…
“À Noite”, o incrível “Gente e Pedra” e o igualmente maravilhoso “Underground” concluem a sua prestação com saldo mais do que positivo. Keso a dada altura questiona o público com uma pequena provocação: “o hip hop está vivo ou não”. Claro que está. E o dia de hoje deixa isso muito claro. Mas não é por isso que o Original Marginal deixa de vez em quando de o picar com umas farpas afiadas pela sua língua. Só para ter a certeza que ainda se mexe…