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Fotografia: Timothy A. Clary / AFP
Publicado a: 11/02/2025

O mundo inteiro sintonizado no hip hop.

Kendrick Lamar no halftime show do Super Bowl LIX: diretamente para os livros de história

Fotografia: Timothy A. Clary / AFP
Publicado a: 11/02/2025

Para protestar no concerto do intervalo do Super Bowl, o evento esportivo mais assistido do planeta (a expectativa era de 20 milhões de espectadores ao redor do mundo), é necessário ser estratégico e usar da sutileza para não desagradar patrocinadores, insultar as famílias tradicionais estadunidenses e correr o risco de ser processado por não seguir os direcionamentos. Um exemplo foi a cena de M.I.A. erguendo o dedo médio para as câmeras durante a apresentação da Madonna, em 2012, de quem era convidada. O Parents Television and Media Council fez um protesto contra a NFL e a NBC por supostamente contratarem artistas “que baseiam sua carreira no choque, na profanação e na excitação sexual”. A NBC pediu desculpas. Madonna disse que a atitude de M.I.A. foi de adolescente. E a cantora e rapper britânica/cingalesa recebeu uma multa inicial de 1,5 milhão de dólares, que na sequência foi aumentada para 16,6 milhões de dólares, e finalizada após um acordo entre as partes.

Sabendo disso, Kendrick Lamar pensou em cada detalhe. Foi muito bem preparado. Inclusive na parte em que literalmente chama Drake de pedófilo, em “Not Like Us”, ele mudou para algo mais sutil, porém com o mesmo peso. Para uma performance de 13 minutos é necessário ser objetivo. No rap fica mais difícil porque é necessário criar um roteiro muito bem estruturado para que as temáticas possam se complementar. Sem muita pirotecnia, K.Dot entregou o que precisava ser entregue. Jogou o jogo, assim como o cenário baseado nos controles do PlayStation. Usou elementos da cultura de Los Angeles para se comunicar com o mundo. Porém, sua mensagem foi direcionada primeiramente aos seus compatriotas, talvez de uma forma indireta, e, claro, ao desafeto que o “fez” ganhar 5 Grammys com uma música feita quase que de brincadeira.

Olhando por cima, sem observar cada um dos detalhes, é possível dizer que Kendrick Lamar não foi crítico ao atual governador do seu país — que estava na plateia — nem que defendeu os seus. Mas levar as cores (deixando-as mais escuras que as tradicionais) das ruas de Los Angeles para o Superdome, em Nova Orleães, representando a união de dois lados diferentes — mesmo sendo as cores da bandeira americana —, é um ato subversivo. Exaltou a representatividade que cada cor tem na sua área (Compton). Também colocou pessoas negras como protagonistas no horário mais caro da TV estadunidense. Até o Tio Sam, incorporado por Samuel L. Jackson, era preto. Após o descuido da produção, um dos dançarinos levantou uma bandeira da Palestina, com a inscrição Sudão e Gaza. O responsável pelo protesto, não se sabe se solitário ou não, foi logo contido pelos seguranças. Uma repressão sentida desde sempre pelos próprios negros e, agora, ainda mais por latinos, que muito contribuíram pela cultura enaltecida por Lamar, e imigrantes.

 “All The Stars”, que teve a participação de SZA, invocou o Black Panther. Serena Williams — que é “defendida” por Lamar em “Not Like Us” —, dançou o C-Walk (Crip Walk), um passo criado nos anos 70 para identificar membros da gangue Crips, como se estivesse ironizando e comemorando o triste fim do seu ex, que em “Middle of the Ocean”, de 2022, atacou o marido da tenista Alexis Ohanian. Ela já havia feito a mesma dança, considerada inapropriada por sua origem na criminalidade, quando ganhou medalha de ouro nas Olimpíadas de Londres, em 2012.

É fato que esse concerto pode não entrar na lista dos 10 mais impactantes do Super Bowl. Porém, dificilmente será esquecido. Já faz parte dos momentos icônicos da história do hip hop. Pode também marcar o fechamento de mais um ciclo da carreira artística de Kendrick. Reafirma a relevância do rap. E de como ele continua ditando as regras na moda, estética, consumo e na forma de como as pessoas se comunicam, seja para transmitir algo político, reivindicar justiça social, falar da sua comunidade local, curtir ou simplesmente atacar seus inimigos sem usar a violência física — apenas palavras geradas pela inteligência NÃO artificial.


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