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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/10/2022

O alívio de partilhar e ser entendido.

Kai Whiston: “Saber que as pessoas conseguem encontrar relevância para elas próprias a partir de uma história minha é fantástico”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/10/2022

No dia 16 de Setembro de 2022, depois de uma espera que pareceu infindável, Kai Whiston lançou oficialmente Quiet As Kept, F.O.G., o seu quarto longa-duração. É um trabalho expansivo, introspectivo, carregado de emoções e cuja narrativa, mesmo sendo indissociável da cultura do Reino Unido, consegue ser universal muito devido à carga sentimental que o artista britânico impõe na sua música. 

À luz deste lançamento e com os olhos postos no seu regresso a Portugal, o produtor conversou com o Rimas e Batidas sobre a sua evolução artística, sobre lidar com o passado, sobre a indústria musical e muito mais. Podem apanhar a primeira apresentação em território português do seu mais recente projecto no festival Mucho Flow, em Guimarães, a 4 de Novembro.



Caminho longo desde 2018 e do teu primeiro disco, Kai Whiston Bitch, e eu sinto que as pessoas que ouvem a tua música e seguem o teu produto artístico já viram muitas facetas tuas. Como é que descreverias a tua evolução musical e onde é que estás agora, depois do lançamento de Quiet As Kept, F.O.G., o teu quarto álbum a solo?

Como tenho lançado música desde que era adolescente, eu sinto que a minha evolução musical e a minha maturidade pessoal têm estado lado a lado. Tenho crescido enquanto lanço música, é quase uma relação simbiótica. Eu penso que sou muito atraído à coisa mais excitante para mim num determinado momento, ou até a coisa mais desafiante para mim nesse determinado momento. E quando eu estava a compor o primeiro álbum, eram claramente os big bangers, mas misturados com Hudson Mohawke e SOPHIE, que era o tipo de música que era relativamente nova para mim e ao mesmo tempo a mais excitante. E depois começar a juntar coisas tipo, PAN e Tri-Angle, música mais weird, experimental e conceptual. Então estava tipo: eu quero fazer um álbum de bangers gigantes e incluir muito detalhe neles, um álbum não necessariamente desenhado para ser tocado e DJed, mas mais na linha de headphones music, o que acabou por acontecer ao mesmo tempo que a génese do deconstructed club, que só descobri porque eu estava a fazê-lo, tipo, “ah, espera, há mais pessoas a fazerem esta merda” [risos]. Essa era a coisa mais excitante para mim no momento do meu primeiro álbum e depois fui seguindo avenidas diferentes para tentar criar algo que é ambicioso em diferentes maneiras. Não estava a tentar sempre fazer a magnum opus, mas a tentar criar algo que é maior do que eu já tinha visto ou maior que algo que eu pensasse que conseguia fazer. E esse é praticamente o único ethos que eu sigo. Eu nunca alinhei muito na ideia de “som de produtor x”, mesmo que ache que haja características que são transversais por todos os meus álbuns, nunca estive preocupado com ter esse “som de produtor”, ou ter algo super marketable na minha música para a vender como sendo o pilar dessa “coisa” específica, tipo, se quiseres ouvir “isto”, vem ouvir o que eu faço. Acho que isso é uma extensão do marketing da indústria, ter de ter uma coisa “rara” só para que sejas mais acessível no mercado musical. E eu prefiro estar no mercado em que tenho um catálogo, ou um arquivo criativo de música, com múltiplas edições. E não é difícil olhar para trás e perceber que há artistas assim, tipo o Bowie e como ele lançava um álbum diferente todas as vezes. Há imensos desse género, tipo os Radiohead, que todos os álbuns são caracterizados por eles mesmos e a única linha de similitude é a sua autoria, tratando cada álbum com ambição e atitude. Acho que é esse o caminho que tenho seguido. Onde eu estou agora é aquela névoa pós-lançamento, em que estou “oh meu deus, como é que é a vida agora?…” [risos]

Aquela vibe de pôr tanto tempo e esforço numa única coisa desde 2019 e depois páras de trabalhar do nada, e a obra está cá fora, é julgada e avaliada.

Sim, e isso é algo que tenho sempre de me lembrar e de me aperceber quando lanço algo: lançar um álbum é quase o derradeiro anti-clímax, em que a única diferença entre antes e agora é que agora está no Spotify, e tipo, o que é que isso significa sequer? Não há nada tangível, nenhuma porta se abre automaticamente. Onde encontro muito entusiasmo normalmente é quando estás a promover o disco, uns meses antes, e a unir toda a gente à volta dele e a revelá-lo pela primeira vez. Mas, enquanto fazes isso, habitualmente estás a trabalhar muito para sequer cheirar as rosas, na tua cabeça não consegues aproveitar porque estás a trabalhar, tens de continuar o grind, e o álbum vai sair e depois vai ser incrível, mas na verdade as partes incríveis estão no processo de trabalhar e no trabalho final. Portanto, sim, estou nesse período em que estou só “oh merda, é o retorno à normalidade”, ou o que quer que isso seja para mim. E isso inclui, claro, coisas criativas com que quero interagir musicalmente e também tenho a fundação do que é que quero que o próximo álbum seja, que sou sempre reservado com dizer o que é, porque muda sempre de mês para mês… estou entusiasmado para isso mas também estou a aproveitar só existir [risos], mandar e-mails, e voltar a uma vida mais normal, onde não me sinta hiper-concentrado e obsessivo, e ter tempo para viver uma vida entre projectos. E acho que isso ajuda também, ter algo para contar nos projectos porque tiveste tempo para ocupar o teu cérebro com outras coisas. Se tivesse de fazer um álbum agora, seria a mesma merda, talvez um bocadinho pior [risos]. 

Como alguém que tem seguido os teus lançamentos desde o primeiro disco, que apenas tem uma feature, e que amou o No World As Good As Mine, que tem múltiplas, tem sido uma delícia acompanhar a tua música a engrandecer. Tweetaste há uns tempos que seria desonesto chamar um disco a solo ao Quiet As Kept, F.O.G.. Esta intenção de fazer da tua música quase um trabalho de ensemble esteve sempre presente ou desenvolveu-se ao longo da tua carreira?

Acho que é um pouco de ambos. As minhas perspectivas em relação a isso mudaram. Como as minhas cenas antes eram do-it-yourself não consigo dizer se era por necessidade, em que pensava “quem é que vai gastar tempo e esforço comigo”. Não sei, acho que foi obviamente importante forjar as primeiras ideias eu próprio com essa atitude DIY e, como estava a fazer música ao lado do Iglooghost e da Babii, era a única maneira real que conhecia de fazer música, via-os a eles e só tinha essa perspectiva de como é que produtores trabalham, era tudo a partir do zero. Acho que a atitude no meu último disco foi praticamente de rendição. Tendo agora acesso a produtores e músicos talentosos com a capacidade de contar esta história comigo, era óbvio que eles iriam adicionar algo importante ao disco, e claro que ia alinhar nisso, nunca foi “quero criar algo muito grande com muitas pessoas talentosas”. Acabou por ser algo mais na linha de toda a gente ter um pequeno papel, uma pequena perspectiva numa história grande que eu apreciei muito. Tipo, produtores adicionais nos créditos que fizeram um bocado pequenino numa música, quase intencionalmente [risos] deixei-os às escuras durante muito tempo, porque me perguntavam, “e aquela cena que me pediste para fazer, como é que está?” e eu só respondia “não te preocupes, está a chegar”, o que deve ter sido bastante frustrante para eles…

“É preciso uma aldeia”.

Exacto, especialmente hoje em dia mantenho uma atitude em que me estou a sentir muito bem e posso cuspir uma quantidade de ideias musicais e criativas ou no sentido em que, na colaboração, toda a gente tem os defeitos dos seus padrões. Ou os sítios para onde vão ou as coisas que exploram musicalmente e criativamente, o que quer que seja, toda a gente tem algumas coisas que gostam, tipo, eu tenho cinco kick drums que uso sempre, coisas assim. Sabe bem ter outras pessoas envolvidas e agitar os panoramas e fazer-te pensar de maneira diferente. como é que estás a fazer as tuas merdas. E também, fora do espectro musical, coisas como realizar vídeos, em que é tão difícil fazer coisas verdadeiramente sozinho, e há mesmo o requisito de ter mais pessoas envolvidas, portanto aprendes a trabalhar com pessoas rapidamente nessas experiências, por necessidade. Eu gosto de ter pessoas comigo e é algo que quero continuar a fazer no futuro, ter pessoas envolvidas e ter uma atitude free-flowing, em que há abertura para dar e aceitar sugestões, sem pressão. E as melhores dessas pecinhas, ou as que contam melhor a história, chegam ao final do projecto e são incluídas. Espero que isso tenha respondido à questão [risos].

Nessa linha de perguntas, também há uma evolução nos tipos de sons que usas. Desde o No World As Good As Mine que tens feito um esforço claro para incorporar instrumentos orgânicos e acústicos nas tuas canções. Lembro-me de tweetares sobre isso antes desse álbum sair, de como basicamente foste para uma casa numa floresta com instrumentos e aprendeste a tocar e o que é que te soava bem. Como é que foi essa experiência e como é que foi a experiência das gravações para o Quiet As Kept, F.O.G., depois dessa primeira fase de aprendizagem do acústico?

Acho que quando estou a criar um álbum, no processo de pré-produção, preciso de me prender a algo, seja isso uma combinação de géneros ou uma coleção estranha de instrumentos, e saber quais é que vão ser os motifs. Como disseste, as cenas no No World as Good As Mine, que foram muito baseadas em instrumentos acústicos, guitarras, há tantas guitarras nesse disco, era isso que eu queria usar para contar a história grandiosa da natureza do NWAGAM. É sempre uma aprendizagem enquanto trabalhas, tive a sorte de ter pessoas que foram muito pacientes comigo e transformaram a minha atitude que vinha de uma produção baseada no portátil e ensinaram-me as partes do “ok, mas é assim que se faz para soar bem num instrumento, num ferramenta física tens de fazer isto”. No Quiet As Kept, F.O.G. sabia que queria usar muitos instrumentos de cordas por causa das histórias que eu estava a tentar contar, sabia que queria muito disso, o que foi também aproveitar a oportunidade de trabalhar com instrumentos live, como o quarteto de cordas. Um amigo meu que é um compositor chamado Patrick Jonsson ajudou-me a definir ideias de uma maneira que não passasse pela abordagem digital aborrecida de um portátil para criar arranjos. Não que eu tenha arranjos muito aborrecidos, mas ele ensinou-me a linguagem para criar dinâmicas e as coisas que queria na minha música, e isso ajudou muito. E até performances vocais, a gravação de vocais e tudo à volta dos vocais, é algo que estou constantemente a tentar perceber. Sinto que quanto mais sei, menos sei, quanto mais tento familiarizar-me com gravar vocais ou a minha voz, mais me sinto confuso porque estou constantemente a tentar explorar isso criativamente.

Até as próprias letras, não é?

Sim, escrever canções e letras ainda é um bocado recente para mim, mas gosto de brincar com isso, o que cria uma abordagem de auto-aprendizagem e leva a coisas interessantes — e isso soa muito a mim próprio, independentemente das pessoas gostarem disso ou relacionarem-se com isso. Gosto do processo de descobrir a maneira de como quero trabalhar e não ter medo desse processo enquanto estou a criar canções, não só “estão aqui as demos, agora vou esperar até que soe tudo perfeito”. Ter aplicado o mesmo processo no lançamento do álbum, sinto que foi expor as minhas vulnerabilidades e também uma recusa de esconder o próprio processo, mesmo que tenha stressado com demos, e claro que tentei fazer o melhor com as minhas capacidades-

No final de contas, também é um processo de auto-descoberta.

Decididamente, acho que é fixe e estou constantemente a tentar aprender coisas novas. E sinto que musicalmente, desde que comecei a lançar álbuns, tenho estado numa posição para conseguir materializar algo pelo menos 95% parecido com o que está na minha cabeça, e isso apenas num aspecto mais técnico… Não estou desgostoso com nada do que já lancei, sinto-me orgulhoso por ter lançado o que já lancei, mas há sempre um aspecto conceptual que tem quer ser treinado, um músculo criativo que tem que ser praticado. E deixa-me feliz saber que consigo fazer sons fixes, e fazer coisas soarem fixes, tipo, isso já tenho automatizado – “not in a braggy way“, de uma perspectiva em que tenho confiança pura nisso. A confiança que tento gerar é criativa, numa tentativa de criar algo que eu próprio saiba que não conseguia criar ou nunca me lembraria de misturar há um ano. Que nunca teria considerado o juntar x, y, e z.



Tudo o que é parte da construção acaba por ser incluído no produto final, de uma maneira ou de outra.

Claro, claro.

Já que estás a falar sobre como tudo antes de cada lançamento constrói os subsequentes discos, ou conta uma parte de uma história, há uma história maior a ser contada no Quiet As Kept, F.O.G., tal como houve uma história maior a ser contada no Drayan!, não há? A história de um rapaz, a história de uma comunidade, de um movimento real de pessoas que estavam a tentar estar ligadas e a confrontarem-se com alguma resistência, e a história do rapaz dentro dessa comunidade a tentar encontrar-se a ele próprio dentro e fora desse movimento. Teres contado esta história foi um alívio, foi uma reconciliação ou foi um esforço para tentares perceber o que é que estava a acontecer à tua volta quando estavas a crescer?

Isso foi uma maneira muito bonita de pôr as coisas, já agora. Sabe bem quando as pessoas conseguem entender. Acho que essa é a questão fulcral, não é? Porque o processo de o fazer definitivamente não soube ao alívio que se sente quando se ouve o disco. Acho que há um alívio nessa história ser partilhada e posta lá fora. É por isso que ando a chamar aos meus três primeiros álbuns uma era autobiográfica, soam muito a “tentar perceber o mundo”, mesmo no meu primeiro álbum, no Kai Whiston Bitch, queria manter uma superfície excitante de bangers, mas, pessoalmente, estava a tentar encontrar terra firme, tudo o que andava a fazer com 18/19 anos era inerentemente e totalmente com esse propósito de auto-descoberta e de tentar encontrar um sítio onde me sentia seguro – pergunto-me a mim mesmo sobre o meu carácter, a minha personagem, especialmente com um disco praticamente homónimo, quais são as declarações que quero fazer ao mundo, e isso é interessante por si próprio. Com o Quiet As Kept, F.O.G., houve um alívio em partilhar a história e, quando partilho as histórias, a intensidade que sinto pela história ser minha e da minha autoria diminui um pouco, de certa maneira. Tipo, a história não é só minha, torna-se num projecto, quase se torna num produto, o que, tipo, é um bocadinho dark, mas essa transformação é aliviante, tira o peso de tudo. “Okay, isto agora é um projecto artístico e já o exprimi e está na minha discografia ou na timeline da minha vida e eu posso afastar-me dela e não tenho de contá-la outra vez”, também porque nunca vou produzir o mesmo tipo de coisa, e como está lá fora, mesmo tendo sido muito complicado produzi-lo, emocionalmente, mentalmente e [risos] tecnicamente também, foi um alívio ter contado a história. E ao lado desse alívio, ter visto a reacção da minha mãe ao álbum, e a reacção das personagens meio-ficcionais/meio-reais, ou a representação dessas personagens na vida real, e perceber que é uma reacção positiva e que estão a olhar para mim e a dizer “ya, acertaste mesmo, e percebeste completamente o que foi este momento no tempo” tem-me dado paz com tudo o que envolve o disco. Mas se o tivesse lançado e me dissessem “não, não percebeste nada, está tudo ao contrário e tens uma perspectiva terrível sobre a tua própria experiência” — e eu acho que poderia totalmente ter acontecido, pode acontecer com toda a gente — isso deixar-me-ia um pouco mais céptico.

Mesmo que a reacção externa não tivesse sido positiva, não deixaria de ser a tua verdade, a tua perspectiva, não é?

Sim, e é isso que o álbum é, é assim que eu tento explicar o álbum às pessoas. Não é uma história romântica, apesar de haver momentos românticos, em que olho para o passado com lentes cor-de-rosa em que “eram assim os tempos, e foi assim que a minha mãe cresceu, neste ambiente lindíssimo”. Também há, para mim, momentos de devastação confusos e estranhos, e algumas das reviews têm apanhado isso, o que é muito bom. Esta ideia de chegar a um ponto na tua vida em que estás a tentar olhar para os teus pais como pessoas normais e as comunidades onde eles estão. Especialmente a comunidade dos New Age Travellers, que estava num lugar tão estranho na sociedade, a lidar com discriminação. O álbum é um olhar interno tanto para as coisas pelas quais me apaixonei e que me empolgavam, como para a música da comunidade e para as sensações estranhas e dolorosas desses tempos e para onde é que essas coisas se situam na minha vida e para a minha perspectiva sobre esse passado. Não numa maneira extremamente sombria, mas numa perspectiva de curiosidade e interesse sobre o que estava a acontecer. 

Há um momento no álbum em que a tua mãe está a falar de aquecer biberões numa lareira enquanto está à chuva e sinto que encapsula bem essa confusão de sentimentos. Queres exprimir este momento familiar terno num álbum que leva o ouvinte para muitos sítios diferentes, o que deixa a questão: “o que é que o Kai está a tentar passar neste disco?” E achei isso mesmo bonito. 

Obrigado por dizeres isso. Acho que essa perspectiva é a que eu não estava à espera que fosse tão traduzível, especialmente com algo que, para mim, é tão insular e tão “meu”. Sabia que a audiência internacional ia reagir com questões sobre os New Age Travellers, e é muito tocante que as pessoas tenham aceite a história e ouvido o projecto. Há uma história de uma família, de um gajo qualquer e da mãe dele, e parece-me que as pessoas se relacionam emocionalmente muito mais com coisas que não estão super presentes na vida delas, ou encontram na minha história a relevância para as suas próprias histórias, o que é surpreendentemente agradável.

Na minha cabeça, é quase como se tivesses escrito uma banda sonora para um filme, que acaba por ser realizado por toda a gente que ouve o álbum e em que as pessoas são postas numa situação, que, claro, que nunca vai ser igual à tua, mas toda a gente se encontra numa encruzilhada eventualmente, ou num ponto da vida onde não sabemos exactamente se o que estão a sentir é válido ou justo para todos os outros. E há uma pureza emocional no álbum que acho que é universal. 

Obrigado, aprecio muito essa perspectiva. Acho que era isso que eu estava a tentar transparecer, e também estava a tentar apresentar esta história de uma forma em que não tens de estar necessariamente interessado em mim, não tens de querer saber ou preocupar-te comigo ou com a minha mãe. Daí ter trabalhado com elementos de fantasia na capa do álbum, estava a tentar criar um sentimento de “aventura” – tenho abusado do termo “parte documentário, parte mito”, estou sempre a dizer isso em todas as entrevistas que tenho dado, mas acho que é o que descreve o álbum da melhor maneira. O disco trata da realidade, das suas personagens, das situações e dos eventos descritos nele de uma maneira documental, que é a parte onde as pessoas encontram a parte emocional relacionável, mas também toca na fantasia tanto pelo mundo onde a “aventura” se passa como pela parte mental de como é que estas coisas e acontecimentos reais que ocorreram são interpretadas, e como é que são lembradas e julgadas – interpretações e memórias que não são necessariamente 100% científicas e factuais. E é por isso que sabe tão bem perceber que o álbum ressoou com as pessoas, mesmo vindo de uma cultura e de um pano de fundo completamente diferentes; e saber que as pessoas conseguem encontrar relevância para elas próprias a partir de uma história minha é fantástico e significa muito para mim.

O lançamento do álbum foi adiado um pouco, e disseste que o rollout foi difícil. É o teu segundo disco lançado através da Lux Recordings, uma editora que tu próprio fundaste, com o objectivo de introduzir artistas ao “modelo impiedoso da indústria musical mantendo um mindset progressivo e interessante” – não sei se podes falar disto facilmente, mas quão difícil é equilibrar o aspecto comercial e financeiro da indústria, manter integridade artística e ainda aprender os detalhes da “máquina”?

Com a Lux Recordings, acho que, mesmo que o projecto e as ideias por trás do projecto não deixarem de ser ambiciosos, tenho-me usado como cobaia antes de envolver outras pessoas, especialmente porque quando comecei a testar a infraestrutura revelaram-se muitas lacunas e eu não queria que ninguém tivesse de passar pelas coisas infernais pelas quais tive de passar com o meu álbum, portanto até estou feliz de ter adiado esse processo de “recrutamento” e de ter logo um movimento criativo. Ainda estou a descodificar as fundações para isso. 

Em termos de equilibrar as duas coisas, é difícil, desafiante e interessante, porque há partes da indústria musical comercial que eu genuinamente gosto, como o rollout e os desafios à volta dele, não sou alguém que simplesmente quer meter música cá fora com uma capa de álbum, e deixar que isso simplesmente tenha sucesso. Gosto mesmo da ideia ou da oportunidade de fazer teasers e de trabalhar com todas as maneiras multimédia de promover alguma coisa – há pessoal que vê isso como promoção, eu percepciono mais como adicionar ao mundo que criei. Há coisas que não têm alma nenhuma, claro, mas estou numa posição estranha em que conheço pessoas que entendem o que quero fazer, e não tenho de fazer muita promoção sem alma, não tenho de socializar com muitos idiotas, muito porque estou num ambiente mais experimental e underground, consigo e posso ser auto-suficiente nisso e fazer o que quero. Não há muito trabalho de manter pessoas felizes, ou passar muito tempo nas redes sociais para manter as pessoas engajadas, tenho a sorte que as pessoas que se interessaram por mim continuaram a estar interessadas e alinham no meu produto artístico. 

Com os projectos da editora, estou mais interessado em ver o que é que vai acontecer, a coisa toda vem de uma paixão por curadoria e por trabalho directorial. Eu acabo por fazer a curadoria dos meus próprios projectos e às vezes simplesmente não quero fazer coisas que sejam totalmente sobre mim [risos], porque é exaustivo quando estás a trabalhar nas tuas coisas e a empurrar-te a ti próprio como um produto constantemente, há limites para isso, mas continuo a querer fazer esse trabalho de curadoria, e estar mergulhado no desafio de realizar o projecto de outra pessoa, seja isso um álbum ou um vídeo ou o que quer que seja, e sentir que tenho a confiança para fazer um bom trabalho e aprender ainda mais. E do lado comercial, se tenho uma oportunidade e me sinto confiante que podia trazer uma oportunidade a outros artistas, claro que quero fazer isso. 

Eu ainda estou a tentar encontrar as minhas fundações, mas mesmo depois de encontrar, se isso existir num sentido estrutural de com estás a lançar música, quero definitivamente fazer o acesso a essas avenidas menos difícil para as pessoas em que eu estou interessado artisticamente e para as pessoas que me apoiam a mim. Não tenho muito interesse no valor monetário que a editora me possa trazer.

Vais voltar a Portugal pela primeira vez desde 2019, quando passaste no Palco RUC, desta vez para o festival Mucho Flow, em Guimarães. Como é que estás a planear apresentar este álbum ao vivo?

Tenho andado a construir este live show chamado Live from the F.O.G., que vai enquadrando faixas da minha discografia inteira no mundo F.O.G., como se existissem todas no cânone deste último projecto. Tem sido muito divertido brincar com este mundo visual e sónico e misturá-lo com os meus outros trabalhos, sinto que criei algo notavelmente homogéneo e apropriado para o dancefloor, mesmo com as mudanças de eixos do meu catálogo – e também vou trazer vocais e letras para instrumentais antigos, num esforço de fazer que a experiência de um espectáculo ao vivo meu seja completamente exclusiva para quem vier ver.


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