LP / CD / Cassete / Digital

James Blake

Friends That Break Your Heart

UMG Recordings / 2021

Texto de Miguel Santos

Publicado a: 17/11/2021

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Há mais de dois anos, Vasco Completo escrevia sobre James Blake: “Sem nunca esquecer a sua identidade artística, é um ser que não pára de evoluir”. A abordagem electrónica de James Blake à música pop sempre se mostrou de várias formas, mais experimental e arranhada nos primeiros tempos e actualmente mais polida e apelativa a um público geral, sem que para isso tenha que ser menos. Há um espaço sonoro que o artista britânico tem vindo a construir nesta sua abordagem à música pop, um lugar com texturas sónicas que nos cativam. E se pensarmos num edifício que espelha essa identidade artística, este seria uma discoteca. 

A música electrónica de dança está para uma discoteca como o jazz está para um bar mal iluminado. E ainda que a música de James Blake não seja particularmente gingada ou indutora de ataques ritmados nos pés, ao longo da sua carreira o músico tem apresentado diferentes espectáculos nesse espaço. Por vezes mostram-se mais experimentais, como a sua estreia, em que nos convida a entrar neste lugar em nome próprio. E por vezes mostram-se menos abstractos, com temas mais estruturados, como Overgrown ou The Colour in Anything. E agora chega novamente a altura de o carimbo assumir forma na mão para a entrada em Friends That Break Your Heart

Na ressaca de uma pandemia, o quinto projecto de Blake mostra um cantor e produtor a reflectir sobre o seu percurso e sobre a sua vida de forma mais recatada mas com uma intensidade renovada. Depois de Assume Form nos ter mostrado um Blake perdido de amores, o seu novo projecto mostra-nos alguém a ponderar sobre as suas relações e a sua relevância no panorama musical. “Say What You Will” é o auge dessa análise, uma balada sentida sobre alguém bastante satisfeito com o status quo. É um hino de exuberância de um introvertido, a discreta epítome de alguém completamente confortável consigo mesmo, descrito de forma sincera (e com um videoclipe deliciosamente irónico). Mas a emocionalidade da música de Blake sempre foi um dos seus pontos fortes e a dilacerante “Life Is Not the Same” comprova mais uma vez essa tremenda valência. A novidade aqui é que o vemos expor-se de uma maneira mais gritante: é cru, em tons agudos e penosos declara a galáxia que o separa de um amor amaldiçoado, sob um instrumental que não poderia ser de outro artista.



No reverso da moeda, temos temas como a penitente “Coming Back”, uma música de arrependimento com uma estrofe sincera de SZA e uma mudança de beat que lembra qualquer coisa saída de Skream!, ou a perfumada “I’m So Blessed You’re Mine”, que alterna entre encantos vocais e intrincados jogos de batida seca e melodias tilintantes, e que vai ainda mais longe, oferecendo com a sua melodia final de cordas uma benção distorcida. É James Blake no seu melhor, a jogar com o espaço instrumental conjurando nuvens onde só parecia haver céu limpo, ou invocando relâmpagos a partir de chuva molha-tolos: o instrumental desconfiado de “Frozen” está em plena sintonia com as barras destras e confissões sobre loucuras de JID e SwaVay, um tema claustrofóbico em que a voz de Blake surge rodeada de efeitos e escondida atrás das camadas vocais.

Mas é quando James Blake é mais directo que o seu espaço sonoro mais ecoa no vazio. A bocejante “Foot Forward” tenta cativar sem grande sucesso, enquanto que “Show Me” soa demasiado esquelética para manter o interesse do ouvinte. E “Lost Angel Nights” quase a fechar o álbum tem um refrão bastante intimista mas tirando isso tem muito pouco que se lhe diga. São temas que fazem parte do espaço sonoro de James Blake, mas não são caseiros.
E a verdade é que ao longo dos anos Blake tem vindo a colocar mais pessoas na guest list, e Friends That Break Your Heart é o álbum em que o vemos a colaborar com mais gente. Mas as músicas nunca parecem ser de outra pessoa, o seu DNA musical soa em cada um dos versos e em cada um dos detalhes instrumentais.

Não é um álbum brilhante, mas é um álbum em que as suas sensibilidades emocionais transparecem fielmente. É um projecto que nos convida mais uma vez para esta discoteca tornada música que Blake tem edificado ao longo dos anos. E é de bom grado que entramos neste espaço sonoro pessoal e intransmissível.


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