O fenómeno Horsegirl é tudo menos injustificado desde o lançamento do seu primeiro álbum de estúdio em 2022, Versions of Modern Perfomance. As, na altura, high schoolers de Chicago muniam-se do seu espírito adolescente e da tendência para o barulho característica da idade para nos oferecer uma peça que não destoaria no mundo do rock alternativo americano dos anos 90, como aprendizes já a aproximar-se dos mestres (podemos até ouvir, literalmente, Lee Ranaldo e Steve Shelley dos Sonic Youth em “Beautiful Song” e “Billy”, respetivamente). Phonetics On and On é, no entanto, uma história completamente diferente: atrevem-se a fazer o máximo com o mínimo, não perdendo a sua entrega que, sem prestar atenção ao que efetivamente é proposto, parece leviana.
Os tempos de “Anti-Glory” e “Billy” já lá vão para o trio americano. Tal se tornou evidente em novembro do ano passado com o lançamento de “2468”, o primeiro single deste novo LP, que em tons mais coloridos e até mais inocentes não deixou de, por isso, despertar interesse em relação ao projeto que chegaria a 14 de fevereiro. Phonetics On and On não é uma história de inocência e felicidade, porém (ou não o é apenas). Conta-se, em contrapartida, pela nuance, e contém uma sobriedade que não se via da mesma forma no LP de estreia da banda. Sem sequer conhecerem a palavra, mas conhecendo o sentimento, a nitidez da instrumentalização deste álbum parece embebida em saudade, e há razões para isso: Penelope Lowenstein e Nora Cheng, as vocalistas e guitarristas da banda, abandonaram Chicago rumo à NYU, para prosseguir com os seus estudos.
É talvez por isso, como bem apontou Nina Corcoran para a Pitchfork, que o álbum abra com “Where’d You Go?”, uma música que evoca uma partida, e não só liricamente. Seja o kick acelerado de Gigi Reece a abrir a faixa, que faz lembrar uma criança que corre, entusiasmada, ou o solo dissonante e distorcido de guitarra a fechá-la, ilustrando o que podia ser uma estrada movimentada, as Horsegirl introduzem sinceridade sem nos apercebermos disso, como se não quisessem ser desmascaradas. É um adulto a olhar de relance para um parque infantil e a sorrir disfarçadamente, não porque queira necessariamente voltar atrás, mas reconhecendo uma emoção que não pode ter de volta, pelo menos da mesma forma.
Faixas como “Rock City” e “Switch Over” pegam nesse sentimento e são como abraços de um velho amigo. Sem imposições ou floreados desnecessários, prendem-se aos nossos ouvidos, através do diálogo entre as duas guitarras, muito mais em concordância do que a discutir. São igualmente faixas com complexidade, no entanto, adicionando camadas à atmosfera do álbum. É mais outro dos sentimentos que pode parecer contraditório, mas que reflete, na verdade, um álbum muito humano: lembra uma relação honesta, mas sem querer, por vezes, expor vulnerabilidade por completo. Por outro lado, “Well I Know You’re Shy” e “I Can’t Stand To See You” são paixões delicadas, e mostram-no, de novo, de mais maneiras que simplesmente a nível lírico. Surge uma nova dicotomia, igualmente familiar, entre o carinho e a performance, um “vai-não-vai” de corações inexperientes. As Horsegirl fazem tudo neste álbum como se fosse simples, mas são capazes de encaixar uma torrente de sentimentos dentro dele, e em 37 minutos equilibram-se entre a melancolia e o entusiasmo sem grandes passos em falso.
Para quem esperava outras 11 músicas em linha com Versions of Modern Performance, é provável que este álbum desaponte. Phonetics On and On está efetivamente em descontínuo com o que as Horsegirl nos habituaram, mas sem se perder o que é crucial e cativante na banda: respeito e conhecimento do passado da música que lhes é relevante, e mais maturidade do que se deve normalmente esperar de 3 artistas com a sua idade. De forma simples, o projeto transparece sentimentos complexos, e é dessa forma que as três americanas nos tocam, ao imitar a própria vida. No fundo, é também um amigo, que acompanha, e que rodará em constante nos fones de todo o commuter que se apaixonar por ele. Pelo reverso da moeda, poderá passar despercebido aos ouvintes que não estejam disponíveis para se deixarem absorver no mundo sonoro do trio. Não nos parece que elas estejam preocupadas com isso: escrevem e compõem como para um diário, e nessa externalização, pela sua indiscutível mestria e comunhão com os seus instrumentos, impressionam. As Horsegirl tocam como se não tivessem nada a provar. Não é uma opinião impopular dizer que, efetivamente, têm ainda menos a partir de agora. Para o público português, restará apenas ouvi-las ao vivo no Primavera Sound Porto deste ano, não havendo razão nenhuma para recear que desapontem.