pub

Fotografia: Fernando Marques
Publicado a: 06/10/2022

Venham mais sete.

Holly Hood: “Não há razão nenhuma para querer conquistar o mundo quando podes construir o teu próprio universo”

Fotografia: Fernando Marques
Publicado a: 06/10/2022

Sangue Ruim está completo. Não é falso alarme: a segunda parte do álbum de Holly Hood ficou concluída com o lançamento de “Volta”, tema que se juntou a “Ignorante”, “Cala a Boca”, “Miúda”, “Some” (com participação de Gson), “Nemesis” e “Peso” no alinhamento do sucessor d’O Dread Que Matou Golias, a primeira parte que, em 2016, mudou a vida de David Vital (que se impôs sem grande azo para debates como um dos melhores rappers portugueses a partir daí), ajudou a estabelecer Here’s Johnny como o produtor e engenheiro mais precioso e cobiçado da praça e fixou a Superbad como editora/colectivo de máxima importância.

Acompanhar a sua carreira a partir de “Qualquer Boda” foi assistir de perto a um artista em constante evolução, principalmente a nível estético (do som às capas e aos videoclipes), e a seguir a sua própria velocidade sem ceder às pressões de uma indústria que espera que a produção artística se aproxime mais de algo mecânico e em grande quantidade do que de um impulso orgânico e mais artesanal. Se ODQMG foi um pontapé na porta e uma declaração de intenções para explicar quem era e ao que vinha, SR é a expansão do seu universo e, paralelamente, da Superbad, dando ainda mais cunho autoral à linguagem (que é trap com pós atrás) que desenvolveu ao lado de Johnny e soando mais perigoso na hora de meter os “maldizentes” no lugar.

No caso de Holly Hood, até parece estranho, mesmo que se pense na distância de seis anos entre o lançamento de duas partes, que há quem considere (talvez até o próprio…) que não tenha sido produtivo: para além dos singles em nome próprio que foi lançando logo a partir de 2017, ano em que também se envolveu com Piruka num dos beefs mais badalados do rap português nos últimos tempos, o seu nome constou nos créditos de faixas de outros como em “O Meu People Ri-se“, “Olhos de Bruxo“, “Cartuxa“, “Caixão“, “Chave da Cidade” e “Juventus” ou em “Língua dos Campeões” e “24 (Liga Betclic)“. É alguma coisa.

Há umas semanas fomos até aos Olivais para fechar este capítulo e conversar sobre o seu mais recente videoclipe (mais um em 16mm) e a feitura da canção que lhe serve de banda sonora, mas também do tríptico de desamores (composto por “Fácil”, “Miúda” e “Volta”) ou do presente e futuro da estrutura (que vai do estúdio aos palcos) da Superbad. Agora fica a faltar a terceira e última parte (com as sete músicas novas).



“Volta” é o teu novo single e aquele que encerra o alinhamento do Sangue Ruim. Fala-me um pouco sobre a criação da faixa.

Esta aqui demorou até algum tempo porque foi feita de uma maneira muito estranha. Esta foi, provavelmente, a maneira mais estranha como eu já fiz uma música na vida. Porquê? Para aí em 2020, durante a pandemia, eu fiz um beat, o refrão do “Volta” saiu [assim] na altura e gravei — era a minha voz normal. Entretanto, com o passar do tempo, eu não gostava muito do beat, mas curtia bué o refrão. E houve um dia em que peguei no refrão, exportei-o e meti em pitch down e ficou como está na versão final. E depois o instrumental foi todo feito para esse refrão. E é a mesma gravação da ideia antiga que era só tipo um esboço. A música foi toda à volta desse refrão em pitch down. Fiz o instrumental, depois o [Here’s] Johnny fez os adds. A harmonia do refrão também foi uma cena muito estranha, tanto que aquilo, como fizemos o pitch down, o BPM não ficou certo — e para acertar tivemos que pôr a 381 BPMs. É uma cena mesmo estranha. Nunca fiz um som assim na vida [risos]. 

Pois, tinha a ideia que tinha lido que escrevias sempre em cima de um beat

Sim, e eu escrevi por cima do beat. Eu já tinha o beat com o refrão, depois fiz o verso, depois as harmonias do refrão e depois fizemos os adds na música.

Como é que se pensou o videoclipe?

Basicamente, o conceito começa na minha ideia, depois o Cheezy [Ramalho] pegou nela e meteu cenas dele. Eu, quando fui falar com eles para fazer o vídeo, disse-lhes: “eu quero um vídeo em reverse com uma rapariga a partir um altar. Quando puseres em reverse, ela está a construir um altar à paulada”. Depois as outras cenas todas foram o Cheezy e do Bernardo [Lima Infante]. O look, o style, é tudo cena deles. Eu dei-lhes só essa ideia e depois o resto é tudo deles.  

Voltas a fazer em 16mm como no “Peso”.

Ya, é 16mm. Não, mas espera aí. Eu vou-te dizer uma cena deste videoclipe que ninguém sabe e que é incrível. Nós só tínhamos um altar e ela tinha que partir o altar. E aquilo é [gravado em] 16mm, pronto. Para a digitalização ficar mais barata e porque só tínhamos um altar, nós tínhamos apenas uma tentativa. Então, aquilo teve que ser muito ensaiado, às vezes com o telemóvel, outras com uma câmara digital, até que decidimos: “bora, bora bora, vai ser este”. E é o take que tu viste. Só havia uma tentativa. Se falhasse alguma coisa, estava ali. Tu ias ver. E não falhou. Um shot, uma tentativa, e correu bem. 

É uma opção estética tua, os 16mm?

Eu gosto bué dos 16mm, mas quem sugeriu (porque sabe disso) para filmar em 16mm foi o Cheezy. Porque ele sabe que eu curto. Na altura não tinha pensado nos 16mm, mas ele sugeriu e fizemos.

O que é que demorou mais: a música ou o videoclipe?

A música. O videoclipe demorámos ali uma semana a falar de cenas para trás e para a frente, ele também teve que mandar construir o altar e essas cenas todas. Teve que arranjar a actriz, falar com o Bernardo, que foi quem fez a fotografia, tiveram que arranjar as cenas todas. Para filmar no dia foi muito mais tempo para ensaiar e para montar do que para filmar — filmar foi tipo dois minutos. 

É mesmo só um take.

É um take. Do início ao fim [risos] não fizemos mais para escolher o melhor. É só aquele. E só tínhamos aquela tentativa, não dava para fazer de outra maneira. 

O verso também foi só num take [risos]?

Não, não, não. Nunca gravo só num take

Achei que a última faixa do Sangue Ruim seria a “Daddy“.

Eu não disse que ia ser a última faixa. Eu meti um snippet e disse que ia sair. 

Toda a gente assumiu.

Eu não sei se essa vai sair ou não. Depende. Na altura eu estava com uma ganda fezada, mas depois ficou assim… não está a meio, mas está incompleta. Falta acabar e não sei se vai sair ou não. Se não sair no álbum ou whatever, eu posso lançar um dia qualquer, só porque já mostrei às pessoas e há people que ainda posta essa cena e manda-me mensagens. 

Tu não tens o hábito de lançar singles que não façam parte depois dos discos.

Não, não. Só quando é feats. E mesmo assim também não faço bué feats

Como é que olhas para este Sangue Ruim completo? Está como tinhas projectado?

Se calhar até está melhor. Verdade. Agora vou parecer um bocado o José Mourinho, mas eu olho para o meu álbum e parece um bestof [risos]. Não é estar armado em bom, mas é tipo: “fogo, granda som atrás de granda som”. Por isso estou contente. Não vou dizer que estou triste [risos]. Também se deve um bocado à maneira como eu lancei o álbum: muito espaçado e com tempo para trabalharmos todas as músicas, vídeos, etc. Lá está, não dava para fazer isso se criasse as sete faixas numa hora numa sessão de estúdio. 

Estava a reparar, e não sei se estarei a ir pelo caminho certo, mas porque é que as tuas faixas de desamor, chamemos-lhes assim, têm sempre só um verso? É propositado? Falo da “Fácil”, da “Miúda” e da “Volta”.

Foste o primeiro a apanhar a dica, mano. Para mim… ainda ontem tive a falar com o Kaps sobre isto. A cena dos sons do amor, pra mim, é tipo tu dizes o que tens a dizer e acabou. É um som de heartbreak. Tu estás a desabafar… não é para fazer três versos. Pra mim não me faz sentido estares ali com três versos, refrão, e “não mas espera aí que eu ainda tenho mais coisas para te dizer”. Não. Tanto que eu agora no “Volta” fiz uma cena que maior parte da malta não apanhou, mas tem a ver com isso que tu estavas a falar. Aquilo tem duas bars no fim só com o beat, que é do tipo: disse-te o que tinha a dizer, agora a única coisa que vais ter de mim é silêncio. Um bocadinho só, também não vais ter ali um minuto de silêncio [risos]. Nos sons de — eu descrevo-os como sendo de heartbreak –, quando tens uma cena para dizer, tu dizes tudo seguido. Na minha cena, eu gosto de dizer tudo seguido e pronto. Às tantas, se não é assim, vais parecer aquele gajo que diz uma cena e depois “vou-me embora”. E depois ainda volta “mas não sei quê e não sei que mais”. 

O título da música é “Volta”, o que tem a sua piada.

Volta mas é para casa. Plot twist [risos]. Por acaso um amigo meu veio-me perguntar, “então, isso é um som lamechas?” e eu, “não, olha é o plot twist, que é volta mas é para casa, não é para mim” [risos].

Quer dizer, acho que nenhum desses sons pode ser considerado lamechas.

Quando eu anunciei o som vias escrito “Volta” e uma capa com uma miúda. Podia ser uma cena mais lamechas e vieram-me perguntar. 



Falaste na capa, que vem um bocado na linha daquela que fizeste na “Nemesis”. Retrata o quê?

É uma mulher. Uma ilustração que eu fiz. 

Estás a fazer mais coisas nesse estilo?

Sim, eu faço cenas digitais, e mesmo pintura, mas para capas dá-me mais jeito fazer digital que é mais fácil e mais rápido. No digital é um style que eu tenho, umas técnicas que eu descobri. Faço cenas naquele style, eu até tenho um Instagram que se chama carnedeplástico só com cenas nesse style. Mas eu não levo aquilo muito a sério. Às vezes faço cenas que curto. Estou só a atrofiar para ver se me sai alguma capa fixe. Ou tive uma ideia qualquer e, se curtir de alguma cena, meto lá. Mas são só cenas digitais. 

Gosto bastante. Fez-me lembrar Arca e o trabalho com o Jesse Kanda.

Eu curto bué Jesse Kanda.

Pois, remeteu-me para o trabalho dele.

Ya, só com o Jesse Kanda é 3D. O que eu faço é zero 3D. 

Não sei o que é em concreto, mas foi logo para aí que fui.

Eu acho que são os brilhos especulares, que são aqueles brilhos brancos que ele nos clipes da Arca metia bué… porque no 3D é bué fácil e fica logo bué bonito. Não é bué fácil, mas fica bué bonito se meteres. Chama-se luz especular, acho eu. Eu gosto bué de Jesse Kanda. 

Antes de começarmos a gravar a conversa estávamos a falar sobre concertos-

Dei um concerto durante a pandemia em Ponte da Barca. Os concertos para pessoas em pé acabaram — esse na Ponte da Barca foi para pessoas sentadas; rap e esses estilos todos de música sofreram um bocado e ainda fui tendo umas cenas, como essa.

Estava a voltar a esse assunto porque pré-pandemia (desde que lançaste O Dread Que Matou Golias) tenho a ideia que andavas a tocar bastante.

Ya ya. Com a pandemia o que aconteceu foi: eu tinha a minha equipa e o Miguel Vaz, que é o meu ex-agente, emigrou para a Suíça e o meu hype man, o Rob [Stone Jones], emigrou para a Holanda. 

Aconteceu com muitas pessoas durante a pandemia, ter de mudar completamente a vida.

Tivemos que fazer umas mudanças. Estou com a Núria [Velez, a agente], mesmo ao vivo vai mudar. Foi assim: voltámos agora aos concertos. 

Quem vai estar contigo agora é quem? O Kaps?

O Kaps vai ser o hype man

Estás ansioso para regressar aos palcos?

Ya, claro. 

Por acaso, e falando disso, recordo-me vagamente de te ouvir dizer numa outra conversa que a única vez que tinhas ensaiado para um concerto teria sido para fazeres o NOS Alive com os PAUS.

É verdade. Até aí nunca tinha ensaiado. O Rob sabia as cenas todas. O que fazia era — mas isto não conta bem como ensaios –, irmos na carrinha, damos a letra para eu lhe dizer: “ya, olha, aqui dá mesmo a dobra, preciso mesmo, aqui falta-me sempre o ar”. Mas a gente não ensaiava. Eu sabia as letras, ele sabia as letras. 

Vi alguns e, no geral, não se notava isso.

Só que depois o que aconteceu foi que houve uma altura em que ficámos para aí uns dois ou três meses assim sem tocar e ensaiámos só por… coiso. Mas até aí era só o do PAUS. E o dos PAUS era porque eu eu estava a rimar as minhas rimas noutros beats.

Com banda, não é?

Eu estava a rimar em sons dos PAUS. Eu rimava rimas minhas em sons dos PAUS. Aquilo foi metade PAUS, metade Holly Hood e, no meio e no fim, a gente fez umas músicas que eram especiais: os instrumentais das músicas deles com as minhas rimas. Foram duas ou três. 

Curtiste da experiência com banda?

Ya, é fixe. 

Gostavas de fazer mais com esse formato?

A cena da banda… eu não gosto muito de ouvir… depende também das pessoas. Eu prefiro quando é uma cena especial do que o standard… o rap sofre bué disso, que é tipo “vamos contratar só aqueles gajos ali com um CDJ e microfones?” Tem que se pôr banda para vender. Então, às tantas, já é toda a gente com banda e aquilo não está ali a fazer nada a não ser para vender o concerto. Mas quando é uma cena especial, eu curto bué. Se tiveres um quarteto de cordas lá, ou uma bacana com uma flauta, sei lá. Eu não sou contra instrumentos. É mais a cena de pôr a banda para vender o show. “‘Bora, tem que ser assim para encher palco”. 

Para fazer o circuito português-

E para aumentar o preço. 

E agora muitos rappers populares da praça têm banda.

Se aquilo for muita bem tocado, às tantas… eu já vi concertos onde estava lá mesmo a dizer, “olha, tira a bateria, mano, o drum original é mais fixe, não tem o mesmo impacto”. Depois é essa a cena: drums acústicos não ficam bem em todas as músicas de rap, especialmente hoje em dia, se bem que tens aquelas cenas que podes tocar samples. Respondendo à tua pergunta: banda ya, se for uma cena à maneira, que faça sentido. Só para aumentar o preço, não. 

Estavas a dizer que alguma malta da tua equipa bazou, por isso aproveito para perguntar: como é que está a Superbad actualmente?

Está rijíssima. O Kaps tem o álbum dele feito. O No Money também está com um álbum a caminho. Eu também estou com a terceira parte aí… a espreitar. O Johnny tem estado activo aí nas produções, vários mambos aí a produzir tanto para o Kaps como para o No Money ou para mim. Estamos bem.

Falta agora a terceira parte do álbum, por isso pergunto-te: há alguma novidade sobre isso?

A novidade tem a ver com o título, mas é que eu ainda estou muito indeciso. Eu tenho um, não te vou dizer qual, mais favorito que os outros, mas tenho para aí uns quatro. A cena é que eu não gosto de decidir logo as cenas, gosto que o tempo… imagina: penso hoje sobre isso. Depois amanhã, ou depois de amanhã, penso outra vez. E vais ter cenas diferentes, e vais chegar a conclusões diferentes em dias diferentes, então gosto de andar a maturar os nomes para perceber também às tantas qual é que faz mais sentido e às vezes perceber relações que o título tem com o trabalho. 

O luxo de ter tempo para fazer as coisas com calma. Tu não te sentes nada apressado, não é? Nem toda a gente pode dizer isso.

Eu vou-te ser sincero: gostava de fazer mais música, que eu sou um bocado preguiçoso também, mas não me sinto apressado. Quando estou a fazer cenas, não me sinto apressado para fazer nada. Não há razão nenhuma para querer conquistar o mundo quando tu podes construir o teu próprio universo. 

É uma bonita frase [risos].

É verdade. Podes meter aquela cena com um tracinho por baixo: “Holly Hood” [Risos]. 


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos