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Fotografia: xipipa
Publicado a: 11/06/2024

Novas possibilidades para a electrónica de dança.

HHY & The Macumbas no Teatro do Bairro Alto: rave furtiva em floresta densa

Fotografia: xipipa
Publicado a: 11/06/2024

No passado sábado, 9 de Junho, fomos atraídos até ao Teatro do Bairro Alto para mergulhar no intenso e sombrio universo de HHY & The Macumbas, que naquela sala lisboeta apresentavam pela primeira vez ao vivo o seu novo Bom Sangue Mau. Editado a 31 de Maio, o quarto álbum da banda liderada por Jonathan Uliel Saldanha — que concedeu recentemente uma entrevista a Nuno Afonso para o Rimas e Batidas — veio para dar continuação ao trilho que este conjunto de músicos tem vindo a realizar nos seus mais de 10 anos de vida: o de explorar novas possibilidades rítmicas dentro do contexto da música electrónica de dança, dotando-a de uma maior cerebralidade e um sistema nervoso mais complexo.

Brendan Hemsworth, Filipe Silva, Frankão, João Pais Filipe e André Rocha completaram o sexteto que se apresentou diante nós no final daquela tarde, num equipamento cultural que talvez tenha ficado a um quarto da sua lotação total. Para este conjunto portuense, a ocasião permitiu-lhes levar a música de Bom Sangue Mau de volta a um teatro, já que foi nesse ambiente que ela foi gravada — José Arantes e Nuno Aragão conduziram as captações no Teatro Municipal do Porto —, embora desta vez tenham deixado a porta aberta para que o público pudesse assistir à sua recriação.

Com Saldanha na rectaguarda e ao centro, posicionado à frente de uma mesa de mistura e o que parecia ser um engenho para disparar loops, os restantes performers dispuseram-se em seu redor. Brendan Hemsworth e João Pais Filipe sentam-se cara-a-cara em frente ao maquinista principal, cada um com o seu pequeno mas bem apetrechado kit de percussão electrónica. À direita do alquimista sónico do grupo estava André Rocha com um trompete preparado, enquanto que do lado oposto, diante uma mesa com mais algumas peças de maquinaria musical e um microfone, ficou Frankão. Mais próximo da plateia e de costas para a mesma esteve Filipe Silva, que foi disparando samples através de um par de gatilhos que segurou ao longo de toda a actuação como parte integrante de uma dança contínua — a emblemática máscara vermelha ficou-lhe na nuca, dando a sensação que tínhamos uma marioneta a fitar-nos o tempo inteiro ao mesmo tempo que nos intimidava com movimentos pouco ortodoxos. Em torno de todos eles houve uma neblina constante num ambiente de pouca luminosdade que dava ares de laboratório para experiências clandestinas, principalmente quando, atrás de Saldanha, emergia um foco de luz vermelha, quase que a sinalizar-nos de que poderíamos muito bem sair dali com menos um rim no corpo, perdido para o contrabando.

Felizmente, o experimento foi sempre conduzido em ambiente controlado e a única parte de nós que poderá ter sofrido com o que se passou em palco foi o cérebro. É tentador ficar a marcar os tempos da música de HHY & The Macumbas na nossa própria cabeça, procurar sintonizarmo-nos ao máximo com cada groove, mas nem sempre é tarefa fácil devido às complexas equações matemáticas que alimentam o som desta banda, feita de tipos de compasso menos óbvios e um intrincado jogo de polirritmias. Por vezes torna-se estranho pensarmos em como o nosso corpo é capaz de se mover na resposta a uma cadência que a mente ainda não acompanha, e essa é uma das principais belezas daquilo que estes seis artistas conseguem alcançar: é música de dança inteligente que não requer estudos ou exames para embalar de forma natural os físicos de cada um de nós.

Além do infernal sistema de batucadas que nos remete para festas de techno ilegais, a gama sonora de HHY & The Macumbas é ampla o suficiente para abraçar outras influências que, todas misturadas neste grande caldeirão, atribuem um certo tribalismo ao ritual musical levado a cabo por estes seis xamãs. A constante pressão sonora dos graves via escola dub é outra das principais marcas de água deste som, bem como os drones informados pela electrónica mais experimental ou o psicadelismo que advém do trompete de André Rocha e da voz de Frankão, ambos ultra-processados com efeitos para soar a tudo menos ao respectivo instrumento na sua forma mais pura. E títulos de faixas como “Lago de Puro Êxtase”, “Febre Febre” ou “Porno Perpetuum” ajudam a entender o carácter transcendental que Bom Sangue Mau consegue atingir.

A sessão foi curta e sem direito a quaisquer paragens. É muito interessante a forma como Saldanha e companhia tansitam entre temas, muitas das vezes sem cessar a secção rítmica. Há alturas em que Brendan Hemsworth e João Pais Filipe prendem um certo groove e, apenas recorrendo a ajustes na velocidade ou na intensidade aplicada a cada nota, mudam por completo a batida de base, transportando-nos imediatamente para outra malha sem ser necessário algum tipo de separador que as distinga. Perto do final, Frankão trocou a sua mesa de ferramentas por um par de sinos, que fez tocar loucamente durante vários minutos enquanto dançava por toda a sala do TBA — saindo até, por vezes, do nosso campo de visão — como se estivesse a canalizar um qualquer espírito ancestral com a ajuda desta música.

Do público, a atenção foi imensa, sem quaisquer perturbações, como se todos estivessem a estudar minuciosamente a matéria de ciência rítmica avançada que a aula deste sexteto se comprometia a leccionar. Houve quem conseguisse ficar quase imóvel a receber este tratamento de ondas sonoras, mas muitos dos presentes não se continham nos espasmos do pescoço que faziam com que a cabeça balançasse na mesma cadência destes magos. No limite, alguns até se esperneavam nos assentos, como que a deixar que a energia desta música fluísse por todo o corpo, quase que a purgar algo com o auxílio desta terapia de ayahuasca equacionada para raves dentro da densa floresta de concreto em que nos inserimos.


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