Digital

Ghost Mountain

October Country

Haunted Mound / 2025

Texto de Filipe Costa

Publicado a: 31/03/2025

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No grande plano das coisas, quatro anos são como uma gota de água no oceano. Na voragem impaciente dos nossos dias, contudo, podem ser uma eternidade. Ghost Mountain — e a sua base de fãs terminalmente online — que o diga. October Country, a primeira mixtape do músico norte-americano a solo, aterrou seis anos depois da mixtape de estreia (Grave House, em colaboração com o cúmplice Sematary) e quatro depois de um desencontro de personalidades que o levou a abandonar a música por completo, prosseguindo estudos na área do cinema pelo caminho.

Na origem da separação com o coletivo Haunted Mound, que ajudou a fundar nos alvores da pandemia, estava um “desequilíbrio de paixões”, como contou recentemente à Pitchfork, mas a ruptura não foi suficiente para estripar as bases do grupo, que à data é composto pelas presenças esteias dos rappers Hackle e Buckshot e dos produtores oscar18, Anvil e Grimoire, além do supracitado Sematary, (responsável, juntamente com os últimos, pelo som ultra-saturado da Haunted Mound).

Os primeiros sinais do seu retorno foram dados com “Apollon”, canção sobre ciclos de separação que assinalou o regresso do músico nascido Wren Kosinski aos lançamentos, em setembro de 2024. E, de repente, estava lá tudo outra vez, cristalizado na performance vocal lúgubre, mais crooner torturado do que rapper inflamado; nas propriedades pantanosas da produção; na cadência arrastada das batidas em câmara-lenta, resistindo à passagem do tempo. Seguiu-se o trap redentor de “Dark Harvest”, depois do duelo fratricida, a firmar o momento de reconciliação com o compatriota Sematary, antes do lançamento sem aviso prévio de October Country

Ode ao passado em forma de renascimento, a nova mixtape de Ghost Mountain é um brinde a novos começos. Uma jornada que se faz em conjunto, apoiada na força do coletivo: o reencontro com Sematary em “Damien” e “Highway Hex”, o individualismo a dois de “Familiar Stranger”, com Buckshot, a produção adicional de oscar18 ao longo das 12 faixas que compõem o disco.

Longe de ser consensual, a música do norte-americano tanto pode evocar o horror sulista da Glo Gang (por via de Chief Keef) como os caminhos pavimentados por Yung Lean e Lil Peep nos meandros da década anterior, com o desencanto dos Salem a embrulhar tudo numa massa densa de sintetizadores e nebulosas. Mas a matriz de October Country é mais do que a soma das suas partes. “Moulder”, a abrir o disco, pega no livro de estilo de Miami e eleva-o a um estado gasoso, com o imaginário pastoral de Stephen King e Massacre no Texas à espreita, entre as brumas, a remeter-nos para um cenário inóspito de estradas e postos de gasolina abandonados. 

“Familiar Stranger” aposta numa ideia lisérgica de distorção, com guitarras noventeiras (cortesia de Olan Monk, figura bem conhecida do público português) a conferir a verve e ruído necessários. “Kevlar” comprime retalhos de um rap emo e acetinado para erguer um monumento à GothBoiClique, enquanto “Damien” apresenta um pedaço viscoso de trap flutuante, como um pesadelo que se gruda aos ouvidos. A vertigem pós-punk da faixa titular, já nos metros finais do disco, abre uma nova panorâmica à visão tortuosa do norte-americano, antes de o triunfo escapista de “Wayside” nos deixar totalmente rendidos ao despretensiosismo da sua confecção.

Aos 25 anos, Ghost Mountain deu à luz um álbum singular e imune a leituras simples; um objecto estranho, complexo e fascinante, que nunca chega a sair das brumas para se revelar por inteiro.


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