pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/04/2025

Actuam no BOTA, em Lisboa, este sábado.

GANA: “O nosso trabalho está muito alinhado com uma procura de poesia”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/04/2025

Banda formada em Arruda dos Vinhos, os GANA cruzam a poesia e a acutilância do rap com a energia do rock, as progressões do psicadelismo e os grooves do funk, entre outras texturas e camadas sonoras que vão dando forma a um corpo musical diverso e maduro. Após dois EPs e uma série de singles soltos, estão a preparar o álbum de estreia para a recta final do ano.

Este sábado, 12 de Abril, fazem já uma pré-apresentação do disco no BOTA, em Lisboa, estando os bilhetes à venda por 10€. A sessão também inclui um DJ set de Rui Miguel Abreu, o director do Rimas e Batidas.

Os GANA compostos por Raffa (voz e letras), Zandré Ramos (piano, sintetizadores e segundas vozes), Sandro Dosha Oliveira (bateria) e Freddy C (baixo) já lançaram o primeiro single de apresentação do disco, “Mundo a Sós”, com a participação da cantora Andrea Verdugo. Também já anunciaram um segundo single, com data de lançamento marcada para 7 de Maio, que vai incluir uma colaboração com Maze. Há outro nome sonante na tracklist: A garota não.

Para anteciparem o disco que aí vem e o concerto de pré-apresentação em Lisboa, o Rimas e Batidas entrevistou Zandré Ramos e Raffa.



Têm o álbum a caminho, um single já divulgado e outro já anunciado, com a participação do Maze. Porque é que decidiram fazer este concerto neste momento, nesta fase, tendo em conta que o álbum só será lançado daqui a uns meses?

[Zandré Ramos (ZR)] Em primeiro lugar, porque já estamos afastados dos palcos há algum tempo. Este álbum tem-nos ocupado nos últimos dois anos, mais coisa menos coisa, e como foi um processo desagregado do ponto-de-vista presencial ou seja, nós não estamos todos fisicamente juntos decidimos colocar uma pausa nos concertos e dedicar-nos a 100% à composição e construção do álbum. Mas como agora temos o álbum praticamente pronto, achámos que era importante começar a fazer verter algumas peças do disco, como estes dois singles o que saiu em Fevereiro e o próximo que vai sair a 7 de Maio e quisemos celebrar este marco com este evento, uma espécie de pré-apresentação, para que possamos mostrar os nossos temas ao público. É um concerto intimista, pequeno, mas também especial por partilharmos as novas músicas com as pessoas que nos seguem.

Vão tocar músicas novas e também as anteriores?

[ZR] Sim, o concerto vai ter por volta de uma hora e vamos tocar perto de 8 temas dos 14 que fazem parte do novo álbum.

[Raffa (R)] Basicamente, o que o Zandré queria dizer é que nós estamos cheios de saudades uns dos outros. E cheios de saudades de ir para cima de palco. Porque os GANA, os quatro elementos, são músicos de tocar ao vivo. E fizemos agora o processo inverso. Eu estou a viver em Coimbra, a malta está em Arruda dos Vinhos, mais próxima de Lisboa, e estivemos durante quase três anos a compor este disco. Obviamente fui lá muitas vezes abaixo, estivemos algumas vezes juntos, mas na verdade só agora é que estamos a ensaiar as músicas. Desta vez fizemos um processo de composição diferente. Nós compúnhamos em banda, mas em sala de ensaios, e passámos para um processo de construção colectiva mas a acrescentar individualmente ao tema e à canção. E de repente estamos a transformar isso em concerto, a descobrir as músicas que compusemos e a sentir essa vontade de as tocar ao vivo. Estava na altura de nos voltarmos a encontrar com as pessoas e ganhar aquele boost. Quando estamos num período criativo solitário durante muito tempo… É óbvio que se fôssemos criadores mais habituados a um processo mais individualista, de estarmos em casa, a fazer trabalho de estúdio… Talvez isso não nos afectasse tanto. Mas uma banda vive de live. Então, estamos a precisar desse boost anímico para arrancarmos com o resto do processo de produção do disco.

Vocês também anunciaram que vão ter convidados, onde obviamente se incluem a Andrea Verdugo e o Maze… Vai haver mais?

[R] Pode surgir mais algum convidado, mas ainda estamos a finalizar o alinhamento, não podemos adiantar já.

[ZR] Esse convidado, a acontecer, também será para fazer um tema connosco porque participou numa outra malha do disco.

E como é que a Andrea Verdugo e o Maze entram no álbum?

[R] Algumas das participações de vocalistas partiram mais de mim porque, como sou eu que escrevo as canções, fui eu que fui falando com a banda nesse sentido. Eles sempre concordaram, mas parti logo de um princípio quando falei com o pessoal, que era não querer forçar a participação de ninguém. Ou seja, a canção tinha que chamar essa pessoa e tinha que ser alguém que estivesse no nosso radar, que fizesse sentido. Para nós, não nos estava a fazer sentido ir buscar alguma pessoa para colaborar connosco só para nos dar visibilidade. Tivemos isso muito assente. Então, o Maze veio parar a esta canção por uma razão muito simples. Em 2008, quando os Dealema andavam a apresentar o V Império, eu vivia em Arruda dos Vinhos e era um miúdo com 17 ou 18 anos. Achava que os Dealema eram deuses e eles foram tocar a Arruda dos Vinhos. No final do concerto, obviamente fui falar com eles e queria saber coisas sobre eles. O Maze, na altura, como é a personalidade dele, mostrou-se super interessado em saber sobre mim e trocámos logo contactos. Na altura eu gravava umas músicas muito más num Pentium 4 2.8 e mandava-lhe por MSN [risos]. Heroicamente, ele dava sempre feedback às coisas e dizia “se calhar podias fazer mais assim ou assado”. Na minha consciência, quando sentisse que iria fazer um projecto sólido e que tivesse qualidade, quando chegasse a esse estatuto de sentir que estava nesse lugar, queria convidá-lo para fazer uma canção por essa razão. Pela importância que ele teve em mostrar o caminho. Então, quando surgiu a ideia desta música que temos com ele, senti algo de místico — e acho que a escrita dele tem sempre uma coisa muito de mística, que também traz o feeling dos Dealema e da cidade do Porto, traz a neblina. E essa canção, pela parte instrumental, foi beber a essa neblina e depois eu fui atrás, pelo intermédio da escrita, e mandei mensagem ao Maze a explicar-lhe tudo isto. E ele quando ouviu disse: “Este som é mesmo para mim”. 

E a Andrea Verdugo?

[R] A Andrea é amiga da banda há muito tempo. É uma pessoa que tem vindo a fazer este percurso connosco há muito tempo e que já fez alguns concertos connosco apesar de não termos uma canção em conjunto, ela participava em canções que já tínhamos. Portanto, foi logo a primeira participação que fazia sentido. Ela até já tocou com outros camaradas de GANA noutros projectos, portanto é família. A garota não também está no projecto, é uma amiga pessoal, muito próxima, e já foi ver concertos nossos. E também temos participações de pessoas que fomos conhecendo, como o Hugo Gamboias que toca guitarra de Coimbra neste single e isso tem a ver também com o processo de eu ter ido para Coimbra e começar a estar mais próximo de outras pessoas. Foi um processo muito sustentável de encontrar pessoas que fizessem sentido e que as canções, de alguma forma, as chamem para dentro do projecto. 

[ZR] Falta só mencionar o André Cameira, o flautista dos Motherflutters, que também participou em três temas. Deu um contributo fantástico com uma execução e uma composição brilhante.

Como também já referiram, estão a preparar este álbum há muito tempo. Foi composto ao longo dos últimos anos e certamente que o sentem como um projecto mais sólido, no sentido de terem mais experiência, de estarem a trabalhar com outro cuidado. E o vosso processo de composição também mudou. O que é que podem antecipar sobre este disco? O “Mundo a Sós” é um bom cartão de visita, no sentido de ser representativo do resto do disco, ou nem por isso?

[ZR] Eu diria que o “Mundo a Sós” é representativo do álbum e, ao mesmo tempo, não o é. Nós explorámos sonoridades a que nunca tínhamos tido a coragem de ir, mas ao mesmo tempo este disco está salpicado por estéticas diferentes e arrojadas, e que nos levam por outros caminhos. Acho que uma das grandes diferenças deste álbum para as cenas que tínhamos anteriormente já tínhamos lançado dois EPs e alguns singles soltos foi a procura da melodia, também porque o Raffa se aventurou numa abordagem mais melódica. Deixou única e exclusivamente o rap e o spoken-word para começar a ensaiar melodias. E a forma como trouxemos estas colaborações para nós, com a Andrea, com A garota não, despertou-nos melodias numa dimensão que ainda não tínhamos explorado musicalmente nesta banda. Se eu pudesse resumir de uma forma muito simplista o que é que este álbum tem, é um conjunto de camadas. Explorámos muito essa questão de criarmos camadas por cima da música. E isso foi possível precisamente porque desconstruímos o processo criativo, virámo-lo ao contrário… Ele nasceu num ambiente muito mais fechado, controlado, quase em estúdio, e não tanto num ambiente de ensaios, de estarmos todos a rockar e a fazer barulho e a improvisar, que era o que acontecia na fase inicial de GANA. Eu e o Freddy C, que é o baixista da banda, fomos nós que, do ponto-de-vista dos arranjos e da sonoridade, pré-produzimos muitas malhas. E fomos acrescentando camadas novas e diferentes que nos levam para ambientes completamente não explorados por nós até à data. 

[R] O facto de estarmos a compor para as canções sem estarmos a criar em banda fez com que tivéssemos uma visão mais ampla daquilo que é a canção, de estarmos efectivamente a construir para a canção. E acho que é um álbum sombrio, que traz uma ideia metafórica de morte e recomeços. Este primeiro single assume uma composição mais pop, apesar de também ser sombrio, mas ao longo do álbum vai-se sentir também muito impacto, contestação, crítica… Curiosamente eu sempre escrevi muita crítica social e política, que é uma coisa muito virada para fora e, num período tão complexo como o que estamos a viver hoje, a nível de geopolítica, de ameaça de guerra, de política agressiva, de situações domésticas em Portugal horríveis, como aquela situação dos tipos influencers que violaram uma miúda, está tudo tão louco que até quase que perdemos o fio à meada… E curiosamente neste disco, que tinha tudo para eu estar a escrever para fora, houve uma pesquisa de vir para dentro e reencontrar-me comigo mesmo, com a escrita, para voltar a renascer. Sente-se essa procura por um feixe de luz, mas tem um peso sombrio. E também traz canções de crítica social, embora eu esteja muito mais focado no processo individual.

[ZR] O nosso processo criativo iniciou-se, na esmagadora maioria das vezes, com a criação de um tema musical que muitas vezes saía da sala de ensaios, fruto do meu trabalho, do Freddy e do Sandro, e houve muitas interacções sobretudo a partir do momento em que o Raffa se sentia inspirado por aquilo que criávamos musicalmente e introduzia um texto. Muitas vezes isso levava-nos a desconstruir aquilo que tínhamos feito e a procurar a adequação da obra musical, através de recursos sonoros e melódicos, para de alguma forma casar com aquilo que ele estava a tentar transmitir. E esse foi um processo de interacções contínuas, onde ele gravava, nós mexíamos e adequávamos, ele voltava a gravar e nós voltávamos a reajustar. Esse trabalho permitiu-nos maturar muito os temas para chegarmos a um produto final muito sólido e profundo. Ou seja, às vezes até pré-produzimos as músicas três vezes.

Foi um processo muito fluido, suponho.

[R] Além de termos este projecto, já nos conhecemos há muitos anos e somos amigos. E neste processo de eu ter vindo trabalhar e de estar a viver em Coimbra, e trabalhava muitas horas, a conexão que criávamos era muito engraçada. Porque, geralmente, eles os três juntavam-se para terem ideias para músicas. Ou samplavam alguma coisa, ou estavam os três em estúdio e havia a ideia para uma música que entretanto enviavam. Só que, às horas que eles estavam a ensaiar, eu já não tinha capacidade para estar acordado. E depois acordava muito cedo. Eles juntavam-se às quartas-feiras, e a minha quinta-feira de manhã às vezes era: “Deixa ver o que é que estes tipos me deixaram no WhatsApp.” E deixavam-me linhas de ideias que tinham surgido, que eu, no caminho para o trabalho, ia a ouvir de fones, e a maior parte das letras, das ideias para letras, eram feitas nesse trajecto. Em que eu era influenciado pela energia de eles estarem juntos no estúdio, daquilo que tinha surgido dali. Eu chegava, gravava e enviava-lhes uma ideia de por onde é que poderia ir a voz ou o texto e essa minha energia chegava ao estúdio. Depois, a ideia era readaptada e reconstruída. É muito bonito como o facto de estarmos a fazer um projecto conjunto nos ir ligando pelas sensações, sem estarmos propriamente a comunicar tanto por palavras, ou estarmos de forma presencial. Isso foi bonito, foi-me salvando a vida.

[ZR] GANA é uma banda na verdadeira acepção da palavra. No sentido em que todos temos de facto um contributo importante e conseguimos fazê-lo também fruto da idade e maturidade que temos. O Raffa ainda está nos 30 e poucos, mas eu estou nos 45, o Freddy nos 46, o Sandro nos 43… Pais de filhos, empregos… Estamos num estágio das nossas vidas em que — peço desculpa pela expressão — medir pilinhas já não é importante. E isto permite-nos beber daquilo que o outro tem para entregar, fazer um cocktail que de alguma maneira resultou nestas músicas.

Raffa, então escreveste sempre as letras inspirado por aquilo que eles te enviaram? Não tinhas textos ou notas guardadas?

[R] Também tinha, foi meio-meio. Ou seja, não tinha uma coisa totalmente construída, mas nessa fase estava a escrever mesmo muito. Apesar de ter muito pouco tempo para a criação, foi dos períodos da minha vida em que estava a fluir mais. E é mesmo aquela coisa de aproveitar o tempo todo, nem que fosse no telemóvel, para anotar. E aconteciam duas coisas: às vezes quando chegava alguma ideia de um instrumental e ele me ficava logo a ecoar na cabeça, as palavras que eu imaginava imaginava-as com a atmosfera musical daquele tema; outras vezes, eu já tinha coisas escritas em poema, mas quando recebia o instrumental, percebia que dava para revisitar coisas que eu também já tinha. Não tinha letras completas e fechadas, isso não tinha, foi tudo criado de novo para aqui, mas tinha uma fonte onde ia buscar algum material. E que, de alguma forma, foi dando muita coerência lírica ao disco. Muitas camadas de procura de poesia. Mais do que estar preocupado em fazer grandes malabarismos de rap ou de flow, estive muito preocupado em tentar escrever bem, a tentar encontrar formas que, na minha interpretação, deixassem as palavras ecoar e que elas pudessem ganhar força por elas próprias invés de procurar palavras para servir ritmos mais busy, digamos assim, não foi esse o meu interesse. Queria encontrar frases mais poéticas. Por exemplo, no single que já está disponível, há a frase “Talvez a chuva seja as lágrimas que não consigo soltar”, que é como começo o segundo verso, fui buscá-la a um poema que eu já tinha escrito e depois levei-a para um sítio completamente diferente. Eu aqui nem estou a rimar nada com nada, estou só a dar essa frase que é longa, mas abre um caminho de interpretação poético por várias linhas quando solto o verso.

Já têm data para o álbum? Vão fazer mais concertos em breve?

[R] O álbum deverá sair entre o final do Verão e o último trimestre do ano. Até lá vão sair singles com vídeo, para rentabilizarmos o trabalho que foi feito, porque demorou tanto tempo a fazer e, como sabes, é tão injusto hoje em dia todo o esforço que é feito para criar um disco quando é um trabalho longo e depois ele morre rapidamente… E não é porque não tenha qualidade ou visibilidade, mas porque há tanta gente a fazer e tanto consumo rápido que é difícil contornar isso e termos uma canção que fique muito tempo a rodar nos nossos ouvidos. Portanto, vamos tentar rentabilizar dessa maneira com os singles, e depois continuar a trabalhar com os vídeos o realizador Tiago Cerveira tem estado a trabalhar connosco e ele tem uma capacidade de não dar só o básico da performance de estarmos a fazer a canção, mas de ir procurar camadas poéticas. Eu diria que o nosso trabalho está muito alinhado com uma procura de poesia em várias perspectivas. Estamos a preparar mais datas porque queremos fazer alguns concertos nesta lógica de pré-apresentação, porque estivemos parados muito tempo e achamos que está na altura de mais pessoas nos conhecerem. A seguir ao disco sair, havemos de fazer assim um bom concerto de apresentação, que chegará a seu tempo. Com a humildade de traçarmos este caminho de um projecto que é muito pouco conhecido, estamos a ser bastante mais cuidadosos com o nosso trabalho em todas as linhas, desde o vídeo às letras, passando pela música. Achamos que estamos a fazer as coisas certas, mas sabemos que temos um caminho longo para fazer por essa razão, porque pouca gente conhece o nosso projecto e porque agora o estamos a trabalhar desta forma mais consistente e temos de fazer esse percurso de mais apresentações em espaços pequenos, para irmos amealhando pessoas, pouco a pouco, para dentro deste nosso mundo.


View this post on Instagram

A post shared by B.O.T.A. (@bota.anjos)

pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos