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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 01/03/2025

A sustentável leveza de ser.

Força Suprema no Musicbox: um regresso ao underground para reforçar o legado

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 01/03/2025

Quase 30 anos volvidos desde os primórdios da Força Suprema, não resta assim tanto para conquistar. Erguidos na Linha de Sintra mas com raízes na banda, tornaram-se verdadeiras estrelas em Angola. Em Portugal, o país para onde vieram com a família nos anos 90, onde refizeram as suas vidas e a partir do qual construíram a sua carreira, a aclamação generalizada pode ter tardado, mas são hoje autênticas referências e pilares do rap nacional, um reconhecimento que é consensual.

Por todas as críticas que ouviram por serem considerados americanizados, por todas as vezes que foram colocados de lado e marginalizados num género que por si só já era estigmatizado, os Força Suprema ultrapassaram os obstáculos e saíram por cima, como que numa revolta das ovelhas negras. O tempo dar-lhes-ia razão também havia espaço para estéticas mais digitais e electrónicas, para outro tipo de bounces, e para explorar rimas de hustle e ostentação. Era a afirmação de quem crescera sem nada e de repente tinha razões para celebrar, um subtexto mais político do que pode parecer à partida.

NGA, Don G, Masta e companhia aos quais depois se juntou Prodígio também são, de certa forma, pais do trap português, que 20 anos depois da génese do colectivo viria a dar frutos e a espalhar-se como um vírus incontrolável. Com uma identidade bem vincada, também influenciaram o rap das ruas que se pratica na lusofonia, os hinos motivacionais dos underdogs, as canções de amor que fizeram rolar o clima.

Depois de tocarem nalguns dos maiores palcos do país, e de o fazerem também em diferentes países, de conquistarem placas e mais placas com os seus discos, de lançarem projecto atrás de projecto (são tantos que nem os próprios conseguem traçar a sua imensa discografia), aos Força Suprema só resta mesmo celebrar tudo aquilo que concretizaram e concretizam, o seu legado que está mais do que vivo, as vidas melhores que proporcionaram a si próprios e aos seus. 

“Se não se lembrarem de mais nada desta noite, lembrem-se disto: estes pretos da Linha de Sintra conseguiram”, disse Prodígio na noite desta quinta-feira, 27 de Fevereiro, no palco do Musicbox, em Lisboa. “Obrigado a vocês por tudo. Graças a vocês, nunca tive de trabalhar”, afirmou o rapper, explicando que para si a música, por mais processos trabalhosos que possa envolver, nunca carrega esse peso.

O pretexto era a apresentação do novo álbum, Baseado em Factos Reais, construído em exclusivo por NGA e Don G mas com os contributos de uma série de convidados que reflectem os diferentes territórios que pisam, desde o rap da velha escola de Ace e Mundo Segundo à frescura de Mizzy Miles, passando pela ginga angolana de Paulo Flores, os refrões orelhudos de Rahiz ou SP Deville, os samples evocativos de Boss AC ou Regula.

Mas o que se verificou em palco foi, acima de tudo, uma celebração despreocupada do seu trajecto numa casa pequena mas intimista, repleta de alma e história, recheada de fãs vibrantes a entoarem aquelas faixas como hinos, desde as mais recentes àquelas que já se tornaram clássicos supremos. Os Força Suprema poderiam certamente ter ambicionado um palco maior ainda há três anos fizeram o Coliseu dos Recreios mas preferiram fazer a festa num reduto underground com os seus admiradores mais próximos, o que permitiu outro tipo de interacção, chamando inclusive fãs ao palco para interpretarem alguns temas. Numa era em que cada passo artístico é escrutinado, estrategizado e ponderado ao pormenor, a leveza de consumar uma noite destas, sem grandes desassossegos, também merece ser aplaudida.

O alinhamento, naturalmente, passou pelo novo álbum, com destaque para “Chapa Quente”, “Cofre Vazio” e “Camisa Branca” mas foi muito além, equilibrando bangers emblemáticos como “Pra Merda Não Volto” ou “Snifa Cada Linha” com temas melosos e açucarados como “Serias Tu” ou “Deixa o Clima Rolar”, que até representaram uma percentagem significativa do repertório escolhido, também um indício de um rap mais amadurecido e adulto, menos juvenil e explosivo, um registo que pauta particularmente o novo álbum. A presença inesperada de Prodígio em palco também levou a que diversas faixas com a sua participação ou da sua autoria merecessem protagonismo.

Mais do que tudo, foi uma noite de comunhão com os fãs, os que tornaram possível o sonho e materializaram o legado, mulheres e homens, peles negras e brancas, entrelaçadas entre a multidão que compôs a sala e que se identifica com os versos, os sons e talvez sobretudo a atitude de quem sempre foi inquieto, audaz e destemido, tanto nas ruas da Linha de Sintra como nos maiores palcos da indústria. A herança está viva e a Força Suprema prossegue o seu império sem grandes entraves; sobretudo, sem os limites tantas vezes impostos pelos próprios artistas; com uma determinação e uma disciplina inabaláveis.


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