No início era a palavra, estranha e ambígua. Depois, o vídeo promocional, filmado nas quatro paredes de um escritório iluminado a luz branca, que alimentava ainda mais a dúvida. Qual é o significado, afinal, de “eusexua”? Em declarações à imprensa, FKA twigs descreveu o título do seu novo álbum como o “ápice da experiência humana”, numa tentativa de nomear o intangível e fazer dele substância. Algo que parece flutuar entre a euforia e a sexualidade, como o sentimento de “transcendência momentânea” antes do orgasmo proverbial.
No decorrer da década, twigs tornou-se sinónimo de convulsões. A figura de cientista pop laboratorial rapidamente foi eclipsada pela imagem martirizada de MAGDALENE, álbum-manifesto que é o reflexo quebrado de uma artista marcada pelos traumas do amor e do escrutínio público. Depois, vieram as acusações, os dias passados em tribunais, as desavenças a acumular — cicatrizes de um passado que insiste em regressar. Depois de um leak ter feito chegar dezenas de horas de música inédita às águas virulentas da Internet, ameaçou não lançar mais música. O sucessor de CAPRISONGS, mixtape onde cedeu o gesto e a ambição artística pelo culto da personalidade, parecia cada vez mais uma miragem.
Tudo mudou após uma temporada transformadora em Praga, onde se encontrava a residir a propósito das rodagens de O Corvo, a malfadada adaptação do clássico gótico de Alex Proyas, da qual foi protagonista. Enamorada pelo techno e pelos sons que povoam a cultura rave daquela região, a cantora e produtora britânica encontrou no anonimato da pista de dança o espaço seguro para a criação. O seu novo álbum, EUSEXUA, mergulha nesse anonimato e faz dele altar.
Depois do quimérico EP2, movido a partir das mesmas linhas exíguas que orientaram os EPs de estreia, e da força arrebatadora do sucessor MAGDALENE, o mais recente capítulo na discografia de twigs é mais uma declaração de independência e auto-descoberta. Atravessado pelas formas sintéticas do jungle e do dubstep, EUSEXUA afirma a identidade plural de twigs a partir de uma lógica corporal e de abandono, abraçando a fragilidade feminina sem nunca se deixar perder totalmente em vulnerabilidades. A mudança é visível desde logo na titular “Eusexua”, voz sussurrada a antecipar uma enchente de eletrónicas rodopiantes, herdeiras dos códigos europeus do trance mais progressista.
Do piano debussiano de “Sticky”, criado a partir das mesmas raízes que formam “Avril 14th”, de Aphex Twin, ergue-se um monumento límpido e transparente como uma catedral de vidro. A disruptiva “Drums of Death”, apoiada pelo produtor-executivo Koreless, estica as formas da pop e distorce-a a níveis irreconhecíveis. É uma demonstração de força e engenho, e o indício de novos e entusiasmantes caminhos por vir. “Girls Feels Good” resgata o mesmo ácido pulsante que fez mover Madonna nos anos 90, sem acrescentar muito aos caminhos trilhados pela cantora em Ray of Light. “Room of Fools”, devedora também dessa linguagem noventeira, é o rastilho que ilumina o corpo na escuridão do clube, com Björk na laringe e William Orbit na engrenagem.
É um álbum que prenche de desejo, ainda que nem sempre saiba concretizar todo o seu potencial. EUSEXUA está longe de reinventar cânones, mas também não se trata de um retrocesso. twigs continua indomável e indomesticável, mas há algo na pop tentacular de MAGDALENE que se perde pelo caminho, fazendo de EUSEXUA uma sombra inevitável dos seus antecessores.