Quem tem boca vai a Roma, mas quem tem mãos consegue fazer (quase) tudo. Extrazen quer provar-nos isso mesmo através da música, área na qual se mostra ágil o suficiente para se debruçar sobre qualquer tarefa envolvida na criação de canções. Só que os sons que o ouvido capta não são suficientes para tirarmos todas as ilações sobre isso. Tem vezes que é preciso ver para crer. E assim foi na passada quinta-feira, 20 de Março, no palco do Lux Frágil, em Lisboa. O rapper e produtor convidou-nos a entrar dentro da sua “bolha” e mostrou que nem tudo são truques de estúdio — há mesmo música a sair-lhe da ponta dos dedos das mais diferentes formas.
Francisco Andrade tem o hábito de assinar tudo aquilo que faz sem recorrer a grandes ajudas exteriores. A sua arte é auto-suficiente. E talvez seja por isso que opte por se apresentar ao vivo completamente sozinho, como que a espelhar aquele que é o seu processo criativo. Sem DJ ou um único músico a amparar a sua voz, arrancou com uma breve introdução de “HOLLYWOOD”, tema que voltaria a soar na recta final daquela noite na sua versão completa, incluindo a prestação de Herlander, o único convidado a subir a palco, para o segundo verso. O público reagiu com euforia pela familiaridade que tem com aquela que é a faixa de maior destaque dentro do alinhamento de WHAT TO DO WITH YOUR HANDS, algo que fez subir a pique a confiança do artista acabado de entrar em cena. Apesar dos poucos concertos que dá, sente-se o seu enorme à-vontade perante uma plateia de fiéis seguidores, por vezes a roçar uma certa arrogância típica daqueles que ambicionam agigantar-se pelos meandros do hip hop. É, provavelmente, um reflexo do facto de optar por cantar em inglês, sinal da “fome” de quem não quer que seja a língua a impor uma barreira ao alcance que almeja — e, diga-se, a sonoridade mais disruptiva que tem pautado o seu actual momento de forma é merecedora de se fazer soar noutras grandes metrópoles, como Londres (onde já teve o prazer de actuar) ou Berlim.
Lançado há um mês, WHAT TO DO WITH YOUR HANDS foi o principal motivo a trazer a massa adepta até ao Lux para preencher a plateia. Mas a setlist escolhida para a apresentação live foi como que uma celebração de todo o seu percurso. “Vegas”, “Pinewood St.” e “Cleopatra” (canção onde em 2021 brilhou ao lado de LEFT. e YANAGUI) estiveram presentes nas escolhas de Extrazen, bem como o seu primeiro EP, I THINK I THINK TOO MUCH. E houve também vislumbres de possíveis futuros e realidades paralelas, pela via de um tema inédito e da uma remistura para “5MINUTES”, em que pudemos ainda escutar a voz de Lucy Val estampada na backing track.
Mas voltemos às mãos, essa ferramenta que faz parte de todos nós e à qual o artista quer dar todo o protagonismo. Em diferentes momentos espalhados pelo espectáculo, vimos Francisco operar alguns dos instrumentos que o ajudam a veicular ideias pela via do som. Tocou guitarra, teclas e montou um beat inteiro através de um conjunto de pads de onde disparou vários samples. Pode não ser o maior dos virtuosos em qualquer um deles, mas tem o know how que lhe permite a solidez desejada para uma ocasião como esta e o bom gosto necessário para conseguir sacar uns quantos brilharetes em estúdio.
Versátil quando olhamos para a sua obra como um todo, atravessa agora um momento particularmente interessante pelo som cáustico e desviante que alcançou no segundo disco de curta-duração, onde chega bem perto da sonoridade daquele que é, sem grandes sombras de dúvida, uma das suas maiores referências na música. Numa “escala Kanye West”, Extrazen está na fase Yeezus, a orquestrar um hip hop industrial que se mescla com standards da pop de vanguarda. Não só vale a pena escutar no presente, como abre boas perspectivas para aquele que possa vir a ser o seu futuro. Quem o viu no Lux, certamente não se desiludiu. Quem não viu, que se faça à estrada a 29 de Março para o apanhar no Plano B, no Porto.