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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Isa Cancela
Publicado a: 30/01/2025

Uma tapeçaria sónica sem fronteiras.

Entre Raízes e Frequências: O Tecido Invisível de Meta_

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Isa Cancela
Publicado a: 30/01/2025

[O Canto Que Rasga o Vento]

Meta_. Nome breve, denso. Um nome que é semente e eco, o ponto de partida e de chegada numa espiral que nunca cessa. É Mariana Bragada quem canta, mas não é apenas Mariana quem se ouve. Há nela o sopro dos montes transmontanos, o pulsar das veias antigas de um povo, a memória das mãos calejadas que moldaram o mundo em silêncio.

Em cada melodia de Meta_, há um vento que atravessa vales, trazendo consigo histórias de vidas passadas, poeira de tempos esquecidos. É o grito ancestral que se mistura com o sussurro de máquinas, uma fusão entre o humano e o digital, como se as raízes de uma árvore tivessem encontrado abrigo num processador. Meta_ rasga o vento com a sua voz — voz que é terra e céu, uma dança entre o orgânico e o etéreo.

[XIV e o Ponto de Fusão]

XIV – A Integração. Um título que não é apenas um álbum, mas um manifesto, um convite para habitar o intervalo entre mundos. Em cada faixa, ouve-se o embate e a reconciliação de opostos: a tradição e a modernidade, o local e o global, o real e o imaginado. É um altar sonoro onde cânticos folclóricos se misturam com batidas electrónicas, criando paisagens que não pertencem a lugar algum, mas ecoam em todos os lugares.

Meta_ não é apenas uma compositora; é uma alquimista. Transforma a sabedoria ancestral em ouro sonoro e funde-a com o fulgor das máquinas. Como um bordado, cada nota, cada ritmo, é um fio que compõe uma tapeçaria onde o electrofolk e o world fusion dançam juntos. Ouvimos histórias — umas reais, outras inventadas, todas universais.

[Entre Palcos e Horizontes]

Nos palcos do mundo, Meta_ semeia fragmentos de Trás-os-Montes. Não importa se em Porto Alegre ou Estocolmo, as suas melodias carregam consigo uma bagagem invisível: a textura da terra molhada, o aroma das ervas selvagens, o calor de uma fogueira antiga. Em 2020, quando a Europa ouviu pela primeira vez a sua digressão, os aplausos não foram apenas pela música; foram pela história partilhada, pela ponte construída entre o familiar e o desconhecido.

E quando, no Brasil e Uruguai, levou a sua sonoplastia ao vivo ao teatro, Meta_ revelou outra dimensão de si mesma: a de uma contadora de histórias que escreve com sons. Cada espectáculo é um acto de costura — costura do passado com o presente, do silêncio com o ruído, da arte com a vida.

[Colaborações: Ecos em Rede]

Meta_ não é uma ilha; é um arquipélago. Nas suas colaborações, desenha pontes entre mundos. Com Xinobi, teceu “La Tormenta” como um curandeiro que mistura ervas e ciência. Com OctaPush, criou batidas que são mapas de um mundo global. Com Temple Rat, rompeu a barreira linguística com uma língua que só o som pode falar. Cada colaboração é uma nova costura na tapeçaria de Meta_, e o fio condutor é sempre o mesmo: a busca pelo humano no que é universal.

[A Essência do Invisível]

Há algo em Meta_ que escapa à descrição. Não é apenas a música, os palcos, as colaborações. É a forma como ela transforma o invisível em som, o inaudível em melodia. O passado ganha corpo no presente. O longínquo aproxima-se.

Em Meta_, ouvimos Mariana, mas também ouvimos todos os que vieram antes dela. A música é um rio; ela é a ponte. A música é uma árvore; ela é a raiz. A música é o cosmos; ela é a constelação.

Meta_ não é uma conclusão; é um princípio. A cada nota, o convite renova-se: ouvir, sentir, partir em busca do som sem fronteiras, da história sem fim.

[XIV – A Integração: O Fogo Que Dança, Queima, Não Queima]
Uma análise musicológica poética

A letra de “Fuego Sagrado” é um poema em forma de canção que explora os temas da libertação, da renovação e do poder intrínseco da conexão com a terra, os ciclos e a essência feminina. O fogo, símbolo central da letra, é usado tanto como metáfora de destruição quanto de renascimento, apontando para a transformação interna como um processo inevitável, poderoso e sagrado.

[A Ambiguidade do Fogo: Destruição e Vida]
A cozinha, o quintal e a origem

No quintal, uma cozinha, não uma cozinha, uma origem. Vozes no ar, não no ar, mas na terra, entre ervas, entre raízes. Gravado em Bragança, no Porto, em Passaria, lugares que não são lugares, mas memórias sonoras que se estendem como fios invisíveis. Cada instrumento, cada eco, uma costura. Cada nota, um pedaço de tempo congelado em vibração. A música não começa, não termina; é uma continuidade, um bordado que liga o que é aqui ao que é além.

A origem não é singular, mas plural, múltipla, refractada. Uma cozinha é um espaço sagrado, um altar doméstico onde ingredientes se transformam. Aqui, os ingredientes são vozes, sopros, cordas. Tudo é íntimo, tudo é global. Meta_ cozinha um som que é terra e fogo, raiz e sonho.

O fogo, que tradicionalmente representa destruição, aqui é ressignificado como fonte de vida. Na repetição do verso “Este fogo não pode queimar-me, não”, encontramos uma afirmação de resiliência. O fogo é apresentado como um elemento que consome, mas não destrói. Em vez disso, transforma. A protagonista da letra é imune ao dano desse fogo; pelo contrário, é nele que encontra vitalidade: “Isto é o que me dá vida, isto é o que me dá vida, yeah”.

Essa relação com o fogo também reflecte uma luta entre o eu e o outro, evidenciada no verso: “Pedes que eu avance / to walk on embers / como prueba de amor / but you are the only burned”. Aqui, o fogo torna-se uma metáfora para os desafios emocionais que alguém pode exigir em nome do amor. A protagonista transcende essa exigência: ela não é vítima do fogo, mas mestra dele.



[Mulher, Lua Cheia e Criação: O Poder Feminino]
O fogo que não queima

O fogo queima, o fogo não queima. Este fogo, não fogo, é som. É um ciclo, uma combustão. A combustão não destrói, transforma. “Este fogo não pode queimar-me.” Refrão ou mantra? Frase ou confissão? O fogo é uma metáfora, não apenas uma metáfora, mas um estado. No fogo, libertação. No fogo, criação. No fogo, memória.

As línguas misturam-se, entrelaçam-se, como chamas que dançam. Espanhol, português, inglês. Línguas que não são barreiras, mas pontes. A voz de Meta_ é tecido, é ponte, é chama. O poema torna-se letra, a letra torna-se música. A música é o fogo que não queima, mas aquece.

A conexão com a lua e a criação é uma ode à força feminina, intrinsecamente ligada à natureza cíclica da vida. A imagem de “mujer luna llena la creación” coloca a figura feminina como centro do acto criativo, tanto no sentido literal (fertilidade) quanto simbólico (inspiração, poder, transformação). O sangue é apresentado como uma benção: “Siembro mi sangre, mi bendición”, um reconhecimento da sacralidade do corpo e dos seus processos naturais.

A relação da mulher com os elementos — terra, ar, fogo — sugere harmonia com o mundo natural, reforçando a ideia de que a criação vem do equilíbrio entre os elementos. “Pies en la tierra, manos de aire” reflecte uma conexão ao mesmo tempo física e espiritual.

[Água e Papel: A Purificação e a Escrita Como Catarse]
A tapeçaria sónica: entre o orgânico e o electrónico

O álbum é uma tapeçaria. Não uma tapeçaria, mas um tecido de sons. Orgânico e electrónico. O orgânico não é apenas natureza; é humano, é carne, é voz. O electrónico não é apenas máquina; é extensão, é potencial, é magia. Entre as duas dimensões, Meta_ encontra uma simbiose.

O som da terra — raízes em Trás-os-Montes — une-se ao som do cosmos, ao som do sintetizador. É um diálogo, não um conflito. É uma conversa entre o passado e o futuro, entre o ancestral e o contemporâneo. Cada faixa é um capítulo, um fragmento de uma narrativa maior. A narrativa não linear, mas cíclica. Como o fogo que queima e renasce.

A água surge como contraponto ao fogo, um elemento que purifica e fertiliza. No verso “En papel escribí todo, tinta preta como o luto / the waterfalls from my face lo limpian todo”, a escrita é apresentada como uma forma de exorcizar emoções. A tinta preta é associada ao luto, mas o papel torna-se o meio de transmutar essa dor em algo tangível.

A água — simbolizada pelas “cascatas do rosto”, ou lágrimas — limpa, purifica e dá início a um novo ciclo: “water fertilizes the new earth”. Este ciclo é descrito como uma combustão, mas não no sentido destrutivo, e sim regenerativo.

[Libertação no Fogo: O Renascimento]
Mulher lua cheia

“Mulher lua cheia, la creación.” A lua cheia, não apenas uma lua, mas um símbolo, um arquétipo. Mulher, não apenas mulher, mas força. Sangue, terra, fogo. A letra não é apenas poesia; é rito. Um rito de criação, de fertilidade, de força.

O feminino está em cada nota, não como conceito, mas como essência. O feminino que cria, destrói, renova. Pés na terra, mãos no ar. O corpo é o instrumento. Meta_ canta com o corpo, para além do corpo. A sua voz é vento e pedra, água e chama.

Os versos finais focam na libertação emocional: “En el fuego, me libero, me libero de ti”. O fogo é aqui um rito de passagem, um espaço de purga onde a protagonista abandona as amarras emocionais e renasce. Este processo de esquecimento, descrito como “el deseo de olvidarte aquí”, não é apenas um distanciamento, mas um renascimento, um retorno à própria essência.

[A Estrutura Híbrida: Um Poema Poliglota e Cíclico]
No papel, no fumo, na água

No papel, não apenas no papel. A tinta preta não é tinta, é luto, é memória. Escrever é gravar o som da alma no vazio. O vazio não é vazio, é potencial. E no vazio, as cascatas limpam. A cascata não é água, é emoção.

A letra de “Te Miro a Los Ojos” é um espelho. O espelho não reflete, mas revela. O espelho diz: “Isto é o que me dá vida”. A música não é apenas som, é vida. É fogo, água, ar, terra. Meta_ não escreve canções; ela semeia fragmentos de eternidade.

A letra mistura três línguas (espanhol, português e inglês), criando uma tapeçaria cultural que reflecte a identidade global de Meta_. Essa escolha linguística também sublinha a universalidade das emoções expressas: o fogo, a dor, a libertação, são experiências humanas que transcendem fronteiras linguísticas e culturais.

Além disso, a estrutura cíclica da canção — começando e terminando com o fogo — reforça a ideia de que a transformação é um processo contínuo. Não há um início ou fim definitivo; apenas ciclos de combustão e renascimento.

[Conclusão: O Fogo Sagrado Como Símbolo de Transformação]
A combustão que renova

“Se eu tiver o sol dentro, amor, quem é que queima quem?” Pergunta ou resposta? A combustão é um ciclo. O ciclo é transformação. Meta_ cria uma música que não é sobre respostas, mas sobre perguntas. Perguntas que não procuram soluções, mas abrem caminhos.

O álbum não termina, continua. Continua como o fogo que não apaga. Como o fogo que não queima. Continua como uma memória sonora, ecoando nos espaços entre os lugares.

“Fuego Sagrado” é uma celebração da força interior, da conexão com os ciclos naturais e da capacidade de transformação. Meta_ utiliza imagens ricas e poderosas — o fogo, a lua, o sangue, a água — para construir uma narrativa que transcende o individual e se liga ao universal. A canção não é apenas uma expressão de dor ou libertação, mas um ritual de renascimento que coloca o eu em harmonia com o mundo ao seu redor.

Meta_ canta, mas também conta histórias ancestrais; narra, mas também invoca forças naturais. “Fuego Sagrado” é, assim, mais do que uma música — é um acto poético, um rito de transmutação que nos lembra que o fogo não é apenas destruição, mas a força primordial da vida.

XIV – A Integração é um álbum que arde, não queima. Um álbum que dança entre o sagrado e o profano, entre o orgânico e o digital, entre o passado e o futuro. É um fogo que vive e nos faz viver.


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