Chama-se simplesmente ed e lançou há dias o seu segundo single em nome próprio, mas o primeiro através da Atlantic Records Portugal — aliás, esta é a estreia do histórico selo no nosso país, uma sucursal da Warner Music que vai funcionar como uma editora boutique dedicada à música urbana e que está nas mãos de Beiro, produtor portuense responsável pela independente CRVVO Records mas que antes também tinha assumido funções numa major, a Universal.
Tal como Beiro, ed é um artista do Grande Porto, mais concretamente de Vila Nova de Gaia. Com 22 anos, mudou-se recentemente para Lisboa para apostar no seu projecto artístico. “tua falta”, o seu novo single, é uma colaboração com Lhast com instrumental de Fabrice. Destaca-se a sua forma de cantar do fado, melodias que se tornaram sinónimo da cultura portuguesa, mas que aqui estão embrulhadas numa roupagem moderna e contemporânea, com influências hip hop e da música urbana.
A canção nasceu de maneira muito espontânea numa sessão no centro do Porto, no estúdio que era precisamente de ed e que entretanto passou para os Porto Boyz Mafia, de Joint One e Yung Juse. Foi Joint One quem pôs a tocar um instrumental minimalista, baseado nuns acordes de guitarra.
“Ele já tinha ouvido as minhas cenas a cantar meio fado, eu tenho um som que ainda não lancei que é o ‘Eu Fui’, que também é mais fado… E ele disse-me: «Devias cantar assim ‘ai quem diria’, mas meio na tanga», conta ed ao Rimas e Batidas. “E eu fiquei: é mesmo isso, lindo. E gravei. Ele disse logo aquelas barras e depois construímos os dois um bocado aquela parte da letra. Mandei ao Fabrice e ele fez um beat dele, com outra guitarra. Depois fiquei louco, fiz o verso e guardei o som.”
ed sabia que queria ter a participação de um rapper ou de alguém com um flow mais próximo do hip hop em “tua falta”. “Só que ainda não tinha conhecido ninguém que estivesse nessa vibe ou que quisesse mesmo entrar naquilo.” Um ano depois de ter feito a sua parte da faixa, conheceu Lhast durante as gravações de Cold Summers & Warm Winters, o disco feito a meias com Chaylan no Porto.
“Eu já estava muito inclinado para lançar este som, quando o mostrei a primeira vez ao Beiro ainda nem sequer tinha o feat do Lhast. E ele ficou logo maluco: ‘Top, temos que lançar este som!’ Passado uma ou duas semanas, o Lhast entrou e foi um timing perfeito, as coisas fluíram e eu nem pensei muito. Simplesmente tínhamos este som pronto, clean e bonito. ‘Bora, é este. E ter um feat com o Lhast… Ele é um grande artista, um grande produtor, adoro a música dele, por isso para mim foi incrível e ser ele neste momento é top, porque me faz chegar a mais pessoas.”
[Do canto lírico na escola ao trap nos palcos]
ed, que se lembra sempre de cantar desde pequeno, começou a estudar música aos cinco anos. “Queria ir para teatro musical, só que era muito novo. Então fui para piano e foi o que estudei até ao sétimo ano. Gostava, mas era um bocado aborrecido. O que eu gostava mesmo era de cantar. Então mudei-me para canto lírico e foi o que estudei até ao 12.º ano.”
Em casa, e sobretudo nas longas viagens de carro com os pais, recorda-se de ouvir Dire Straits, ABBA ou Rui Veloso. O seu pai também tinha um interesse por música, tendo tido uma banda rock de garagem na sua juventude.
Por volta dos 15 anos, e enquanto estudava canto lírico, ed começou a experimentar fazer trap com amigos. “Gosto muito de ouvir música erudita, mas desliguei-me um bocado. Na altura jogava muito computador, e quando comprei um microfone para jogar com os meus amigos até já foi a pensar que queria comprar um bom que também desse para cantar. Comecei a experimentar o Fruity Loops, como toda a gente. Curtia bué de trap e fazia uns traps com os meus amigos. Até pusemos uma música no Spotify, mas cenas bué na tanga, na brincadeira, agora isso já nem está disponível. Sozinho já fazia as minhas coisinhas, mas com amigos era mais numa de curtir, só por diversão.”
Ainda na adolescência, resolveu alugar um estúdio no emblemático centro comercial STOP, que antes do encerramento se tornou conhecido como um dos epicentros artísticos do Porto, ao acolher dezenas de salas de ensaio e pequenos estúdios de diversos artistas. “Só queria estar lá a chillar com o pessoal, a ouvir música e a curtir, nem estava a pensar no dia de amanhã. Tinha poucas aulas e estava sempre metido no estúdio.”
Na rua ao lado morava Tripsyhell, que se tornou presença habitual no seu estúdio e convidou o parceiro Chico da Tina para se juntar às sessões. Foi ed quem o gravou durante dois anos, tornando-se também parte da sua comitiva como DJ e, actualmente, como hypeman. ed até pensava estudar Ópera no ensino superior, mas de repente estava a actuar pelo país no espectáculo apoteótico da Minho Trapstar.
“Comecei a apaixonar-me por aquilo”, explica. “’Meu Deus, este pessoal vive disto, está a fazer isto da vida, estou aqui com eles, também quero fazer e viver isto’. Até então nunca tinha pensado em dinheiro. Pagava a renda do estúdio, tinha o meu dinheiro e ’tá-se bem, nem pensava nisso. Mas quando as coisas começam a ser mais sérias… O clique é quando começas a pensar: ‘Ok, eu tenho que fazer isto da vida, portanto tenho que fazer dinheiro com isto, tenho que fazer a minha vida funcionar a partir disto’. Comecei a fazer sessões, depois os concertos, e percebi que podia fazer isto da vida. Mas sempre quis fazer música minha — e sempre a fiz. Só que estava muito focado em fazer cenas para os outros, em trabalhar e conhecer pessoas, em conhecer a indústria e a estar o mais próximo possível do pessoal, que era o que eu queria.”
Estar na estrada com Chico da Tina, conta, foi uma escola. “Adoro o projecto dele e aprendi muito. Sempre quis entrar neste mundo da música e como é que eu conseguia fazer isso? Tinha que ter um estúdio. Porque, se queres conhecer as pessoas, não podes só querer ser amigo e fazer música com elas. Abri o estúdio e fiz-me prestável. Isso abriu-me muitas portas, percebi como funcionam os concertos e as coisas, já conheço labels, já tratei de contratos… Já percebo minimamente das coisas. Sempre com o objectivo de agora chegar aqui e fazer a minha cena.”
[“Ainda me estou a descobrir como artista e pessoa”]
Com dezenas de demos na gaveta, até agora ed só lançara duas faixas, “desculpa p’ra sempre” e “antes”, com VASCO. Embora esteja imerso no universo trap, subgénero do rap do qual foi sempre um grande apreciador, sempre teve maior apetência por cantar, por usar a sua voz num registo mais melódico — ferramentas que naturalmente também adquiriu ao estudar canto lírico.
“Estive tantos anos a treinar o meu músculo que sinto que tenho um processo mais facilitado. Sempre tive maior facilidade para cantar do que para rappar, mas o pessoal à minha volta e a música que oiço sempre foi muito rap, estou muito nesse meio. E adoro a nossa cultura, quero ser cada vez mais um artista e sinto que, para o seres, tens de representar alguma coisa. Quero trazer as minhas origens, não quero copiar cenas lá de fora… Nada contra quem o faz, há espaço para tudo e eu gosto de coisas assim, mas se é para fazer alguma coisa, pelo menos tem de trazer um bocado de onde estamos, de onde vimos e a forma mais fácil que arranjei de fazer isso, para já, foi na sonoridade. Porque gosto muito de fado, quando comecei a cantar saíam-me essas cenas mais facilmente, curtia desses flows e trabalhei um bocado nisso. Para quê ir inspirar-me em cenas de fora quando temos tanta coisa boa aqui? Eu curto bué de música portuguesa, de me inspirar em artistas portugueses, de ir buscar cenas a pessoal que está próximo de nós. É muito fixe evoluir a cena que já existe aqui para outros caminhos.”
A toada fadista de “tua falta” é notória, mas ed diz que naturalmente sempre teve um pendor para músicas mais “relaxantes”, “daquelas que quase podes ouvir antes de ires dormir”, com uma “vibe mais lo-fi”. Adianta que provavelmente iremos ouvir temas desse género vindos da sua parte, bem como outros mais envoltos na estética do trap.
Acima de tudo, apresenta-se como um fã do processo de fazer música e como alguém que diz ainda se estar a “descobrir”. Embora tenha noções de composição, prefere deixar a produção para aqueles com quem colabora.
“Eu nunca produzo muito, não gosto muito. Sempre fiz beats e há muitas ideias que surgem de mim, pego num sample e faço uma cena simples, mas para produzires bem e estares no next level de produção, para fazeres a cena como eu quero que soe, é muito grind a produzir — que neste momento estou a dedicar à parte de cantar e de fazer letras e de evoluir nessa parte. Talvez um dia, quando me sentir mais evoluído nessa parte, dedique mais tempo à produção. Mas, na música, é importante saber onde colocar a cabeça. Porque há tantas coisas diferentes que se pode fazer aqui — a minha estética, a estética dos vídeos — e focar-me tanto na produção… Tenho bons amigos que são excelentes produtores. E é muito melhor trabalhar com duas cabeças a fazer música.”
Depois de “tua falta”, ed pretende lançar mais singles, para aos poucos tentar construir uma fanbase. “Quero ver como corre, quero fazer tudo direitinho, como eu gosto, com a minha equipa, não me importo que demore mais um bocado. Passo a passo vou fazer os singles e, quando puder, há-de sair um projeto, que já tenho em mente. Tenho vários em mente. Tenho um em específico que é o ed.fm, que vai trazer algo mais lo-fi e chill, mas para isso ainda vai demorar um bocadinho. Por enquanto, penso música a música. ‘Ok, esta música tem este feeling, tem esta mensagem.’ Mas ainda não estou a pensar na minha mensagem como artista. Porque ainda me estou a descobrir, mesmo como pessoa. E quanto mais te descobres mais consegues transmitir algo às outras pessoas. Quanto mais vives e aprendes, mais consegues pôr na caneta. É tudo um processo.”