pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/07/2024

Eletrónica de espetro alargado.

DJ Vibe: “A inspiração não é matemática. Tem a ver com a educação musical que eu tive e que foi muito vasta”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/07/2024

A história da paixão de Tó Pereira pela música começa na adolescência, quando passava o seu tempo na loja de discos do pai, a ouvir as centenas de lançamentos que se espalhavam ao longo da mesma, tendo eventualmente descoberto novidades fresquinhas chegadas dos Estados Unidos da América em formato maxi-single, onde temas de música de dança vinham muitas das vezes acompanhados por remisturas e versões extended, algo ainda um pouco desconhecido para a grande maioria dos Portugueses. Daí para a frente o caminho era óbvio: animar as pistas de dança das casas noturnas, onde Tó decide passar a ser tratado como, DJ Vibe. Ao lado de Rui da Silva, na altura conhecido como Doctor J, forma a dupla Underground Sound of Lisbon, através da qual lança o tema “So Get Up”, com a participação de Darin Pappas (aka Ithaka), um hino hoje reconhecido a nível global e, possivelmente, um dos vocais mais samplados, a par com “My House” de Rhythm Control e “The Underground” de Celeda.

A marca de DJ Vibe não se fica por aí, tendo depois compilado e misturado diversas coletâneas para carimbos como a Kaos Records (que ajudou a criar), a Tribal America ou a Twisted Records, inclusive com as suas compilações Global Grooves que se tornaram referências para os amantes da house music. Viajou pelo mundo inteiro, partilhou a cabine com nomes como Danny Tengalia, Carl Cox e DJ Harvey, foi residente em diversos clubes, teve programas em várias rádios e remisturou temas de dezenas de artistas. A única coisa que não chegou a fazer, no entanto, foi lançar um álbum, e foi precisamente isso que fez neste ano de 2024, quatro décadas depois de dar início à sua carreira como DJ, Vibe dá-nos a conhecer as suas Frequências, disco composto por sete temas e exclusivo ao formato físico onde Tó explora várias paisagens sonoras, viajando pelos diferentes trilhos da house music e pintando, tal como Van Gogh, o seu auto-retrato.

Numa conversa descontraída, aproveitámos para dissecar este seu primeiro longa-duração e o processo criativo por detrás do mesmo, bem como viajar atrás no tempo e recordar o início de DJ Vibe na produção e no DJing.



Já contas com uma carreira com mais de quarenta anos, certo?

É verdade! [Risos]

És um dos DJs no ativo em Portugal com uma das carreiras mais longas e bem-sucedidas também, verdade?

Eventualmente a mais longa — não sei!

Um dos…

Um dos mais antigos! [Risos]

Tu lançaste recentemente o teu primeiro álbum a solo, Frequências. E aproveito a deixa para perguntar porque levaste tanto tempo a reunir material para fazer um álbum de originais?

Basicamente, foi [ter tido] maior disponibilidade para estar no estúdio. Houve um período em que estive um bocadinho afastado da produção, foi em 2014/2015 que voltei outra vez a gravar algumas coisas, algumas músicas, e depois quando tivemos a paragem em 2021, durante a pandemia, não tendo gigs e tendo mais tempo disponível para poder estar em estúdio… E nesta altura estava também novamente a viver em Lisboa, porque houve uma fase que estive no Porto e aí não tinha qualquer material comigo, e estive afastado do equipamento de estúdio, portanto não dava para fazer absolutamente nada. Depois, então, voltei para Lisboa, e aí recomecei. Digamos que tive um período ainda de… Quando paras durante quatro anos, há muita coisa que acontece em quatro anos nesta parte tecnológica, de material e equipamento, aparece muita coisa nova, então tive ali um período de adaptação, digamos. Foi nessa altura que passei a ficar bastante mais tempo em estúdio e comecei a gravar algumas demos, até que depois me apercebi, no final de 2021/2022, que tinha já algumas músicas e que poderia eventualmente fazer sentido pôr num álbum, pela primeira vez, todas essas músicas juntas, e ter um álbum de originais, que na verdade, até à altura, nunca tinha feito. Os álbuns que eu lancei eram basicamente compilações, com músicas de outros artistas… Fiz umas compilações em CD, mas era tudo músicas de outras pessoas misturadas por mim, e não neste formato de originais. Portanto, essencialmente foi devido ao período. Foi um mal que veio por bem [risos] e que proporcionou este trabalho.

Certo! E como estavas a referir, durante a tua carreira foste lançando várias colectâneas, os chamados DJ mixes, sendo o Global Grooves um dos teus grandes sucessos em Portugal, mas também a nível internacional, e que ainda hoje são referência na sonoridade mais house e tribal.

Sim! Mas para além dessas compilações eu tinha feito também algumas remisturas para outros artistas durante algum tempo, assim umas coisas mais pontuais, e também um ou outro original, mas para umas editoras de fora. Portanto, seriam coisas já com um caminho pré-definido, digamos assim, eram outros projetos… Só depois disso é que consegui reunir então as músicas que nunca tinham sido gravadas para poder criar um álbum.

Perguntei isto, porque tu realmente já tinhas um passado de produção e de remisturas. Mesmo antes desta tua carreira enquanto DJ Vibe, tiveste os LX-90, que se apresentaram no ano passado no Super Bock Super Rock. Já não tocavam juntos há uns bons anos, certo?

Foi assim um revival!

Isso mesmo. E foi bom ver em palco esses temas no formato live, pelo menos para a minha geração, que na altura ainda não tinha idade para os ouvir ao vivo [risos], e teve assim a oportunidade de ver o vosso espectáculo. E também foi bastante interessante ouvir essa dinâmica diferente na sonoridade do DJ Vibe enquanto produtor, a tocar umas cenas um pouco mais alternativas, um pouco mais viradas para a estrutura pop.

Sim, sim. Apesar de que nesta formação nova, nesse concerto inclusivamente, houve algumas músicas que nós trabalhámos — refizemos, por assim dizer — e demos assim uns updates nalgumas seções rítmicas. Foi bastante engraçado, porque ninguém… Isto foi uma ideia do Paulo [Gonçalves], e depois proporcionou-se esse concerto e acabámos por ter de ir “lá atrás” para arranjar toda a “livraria” que fazia parte do álbum. Na altura era tudo em disquetes portanto foi um bocado complicado, mas conseguimos apanhar os dados com os samples da gravação da altura do álbum, e foi refazer isso tudo, pôr isso para live neste novo milénio, não é? E foi muito desafiante, e gratificante também.

Voltando aqui à questão das remisturas: quem acompanhou a tua carreira durante todos estes anos, saberá que fizeste várias remisturas para diferentes produtores de fora — para Espanha, Estados Unidos, para editoras como a Stereo Productions, Twisted America, entre outras…

Exacto! Saíram algumas coisas na Nervous Records, saiu também uma ou outra coisa — com um amigo/colega que veio também misturar este meu álbum — numa editora do Japão. Tinha havido coisas pontuais nesse período, mas lá está, consoante o tempo que havia… Estás sempre à procura de música, estás focado nos gigs, e portanto era muito difícil conciliar… É, não era! É muito difícil conciliar as duas coisas.

Era também mais nesse ponto que me queria focar, o teu passado enquanto DJ. Houve uma altura em que estavas constantemente nos tops de melhores DJs, nomeadamente no top 100 da DJ Mag, realmente por mérito, ao contrário de vários nomes hoje em dia… Se bem que hoje o panorama musical é completamente diferente. Mas voltando ao ponto: tu estavas constantemente de mala de discos na mão, a viajar de um lado para o outro, mal tinhas tempo para estar em estúdio, e o pouco tempo que tinhas dedicavas a uma remistura ou a um single aqui e acolá, ajudar um amigo ou outro… Daí também teres demorado a avançar com esta ideia, mas se calhar na altura também não era prioridade para ti lançar um disco, certo?

Não, não era. Aliás, depois de perceber que tinha algumas músicas feitas e que não tinham sido ainda editadas é que percebi que podia ser a altura para criar este álbum. E foi assim, naturalmente. Depois fui trabalhando então para criar o disco, o que ainda levou algum tempo, mais do que o que era para ser — inicialmente era para ter saído no final do ano passado, e acabou por atrasar por outros motivos, inclusive tive de alterar algumas músicas, enfim… Foi um processo que, mesmo depois de quase terminado, ainda teve de levar ali alguns ajustes.

Eu já estive aqui a dar uma escuta no teu disco — antes de mais, parabéns aqui pelo teu lançamento — e diria que ele é bastante versátil. Se calhar é, de facto, um bom reflexo daquilo que define atualmente a sonoridade do DJ Vibe. Percorres aqui várias estéticas como o deep house no tema “Amplo Sensitivo”, no “Tribadência” tem umas reminiscências do tribal — uma sonoridade que era quase um carimbo, uma imagem de marca tua nos anos 2000. Depois tens alguns temas mais virados para um outro tipo de electrónica, como o “Experiência Imersiva” e o “Oremos Oscilações”, que são um pouco…

Fora do que seria de esperar!

Sim, exacto! Li algures uma citação tua relativamente ao último tema do disco, o “Runway”, em que dizias que aquilo era um tema pensado para uma passagem de modelos.

Sim, o “Runway”, que foi o primeiro single, ele nasce precisamente de uma visita que eu fiz a um desfile de moda em Paris, onde pude assistir não só ao desfile, mas também ao que se passava em backstage, e consegui gravar ali alguns momentos que depois… E aí não estava sequer com a ideia de fazer uma música que tivesse a ver com aquilo tudo que se estava a passar, mas gostei do ambiente, daquilo que foi dito, e depois agarrei em algumas dessas frases e digamos que criei a banda-sonora, como se para um desfile de moda se tratasse. Foi um bocado como fazer uma banda-sonora para um trailer de um filme, ou assim, mas a ideia começou a ganhar forma nesse sentido. E depois, curiosamente, quando o disco saiu, foi na altura de mais uma edição da ModaLisboa. Ou seja, foi o disco oficial dessa edição da ModaLisboa, e aí foi também a altura de o lançar, portanto diria que casou bem a ideia da concepção com a finalidade da música.

Já no tema “Pulse Me Now” levaste a coisa para os lados do tech-house e de sonoridades mais progressivas. E depois tens o tema “Magaz” que, pelo que próprio título indica, é uma homenagem ao DJ e produtor, Magazino, um companheiro de pista de longa data, certo? E que infelizmente partiu demasiado cedo… 

Sim, foi um companheiro de longa data e depois passou a ser mais do que um companheiro. Isto também porque, quando regressei a Lisboa, éramos praticamente vizinhos, e ele começou a frequentar várias vezes a minha casa, saíamos, estávamos mais tempos juntos, houve aí uma maior disponibilidade, talvez até mais da minha parte do que da dele. Ele era mais “ausente” do que “presente”, e a dada altura até teve alguma preocupação… Ele queria, digamos, que eu tivesse junto dele também por causa da agência, portanto foi uma pessoa com quem lidei para além do lado profissional, também pelo lado mais pessoal. Isso marcou-me de alguma maneira, porque ele preocupava-se e gostava muito de reunir as pessoas, ter os colegas todos juntos, todos bem uns com os outros, e a dada altura sabemos que ele estava a passar por uma fase menos boa, que depois viemos a saber todos o que é que se passava, enfim… Mas ainda nos tornámos, de certa forma, mais chegados, falávamos mais, e nunca surgiu a oportunidade de eventualmente irmos para estúdio fazer uma música. Na altura em que estava a gravar essa música, é o momento em que eu soube que ele partiu, e depois aí eu disse: “Poça, eu vou dedicar esta música ao Costa por tudo aquilo que ele fez pela cena da música eletrónica, pelo envolvimento que ele teve, em toda a sua carreira na música, nas festas, nesta cultura, digamos assim.” Quis prestar-lhe a minha homenagem com essa música, e depois até falei com o Luís [Moullinex], que tem uma participação também nessa música. O Moullinex tem a parte um bocado mais de arranjo de cordas e pianos que aparecem na música, porque eu estava a trabalhar precisamente na parte melódica da música, nos sintetizadores. E há coisas que, às vezes, não sei se são coincidências ou se é porque têm que ser assim, mas para mim fez sentido ir ter com o Luís e pedir-lhe para aprimorar essa secção, ao qual ele se disponibilizou. Estávamos no último dia do ano, às seis da tarde, no estúdio do Luís a gravar essas partes para depois metê-las na música. E foi realmente uma forma de prestar a minha homenagem ao Costa por tudo aquilo que ele fez.

Para quem não sabe, o Magazino teve uma longa carreira. Mesmo antes de usar o nome Magazino, ele já andava na cena com o nome Del Costa e até formava dupla com o colega Pedro Goya, com o qual lançou vários temas, e alguns desses temas constavam recorrentemente nas tuas playlists, nos teus sets.

Sim, claro que sim! 

Um bem-haja ao Magazino e à sua família também… Passando à frente, gostaria ainda de salientar o belíssimo trabalho feito na artwork do teu disco, um trabalho bastante interessante que ficou a cargo do Carlos Guerreiro, certo?

Sim, exato. Conheci o Carlos através de um outro amigo, que é o Rui Pregal da Cunha.

Isto acaba por ser um círculo de conexões entre amigos [risos]. Neste caso culminou num contato proveitoso!

Sim, é verdade, isto acaba por… Pronto, não somos assim um país muito grande, muito extenso, portanto no fundo toda a gente se conhece — e não se conhecendo, quase que se conhece! E eu estava a falar, na altura, com o Rui sobre a capa do disco, e ele falou-me do Carlos, que eu não conhecia pessoalmente, e sugeriu que falasse com ele. E acabámos por nos reunir, ele apresentou-me essa capa, que eu tive ainda ali uns momentos a digerir… À primeira não é muito… Pensei logo: “Que confusão é esta?!”

De certa forma, também não é a típica capa que se associa a um trabalho teu…

Não é… Mas eu gosto de criar isso nas pessoas… Eu não o sou na música, e isto é um bocadinho a prova disso, de que não tem de ser tudo muito óbvio! Não estar tudo logo descarado… E acho que ele conseguiu realmente fazer tudo aquilo que eu queria, no briefing, e fiquei muito contente com o resultado. E é a capa que está! Não sei se já reparaste, mas eu também ando ali no meio…

Confesso que nisso não reparei…

Pois, é que aquilo tem muito layers! Se andares ali por dentro vais vendo pormenores, vais vendo coisas, e é isso também que me deu muito gozo. Também é um bocadinho como a música, não é verdade? Mesmo na forma de trabalhar, tentar sempre que não seja tudo muito óbvio, que não seja logo aquilo que as pessoas possam estar à espera. Não é uma coisa que é uma “obrigação”, vem mesmo naturalmente…

Um bom exemplo de uma entropia.

Neste caso, a capa sim, foi isso! Era mesmo para ser assim, e ainda bem, porque foi um trabalho específico de um ilustrador, portanto há muito de ilustração nesse trabalho, com os ambientes que lhe pedi — tem o dia que é a parte da frente da capa, e a parte de trás da capa é a noite.

Interessante! A parte de trás da capa, infelizmente, não tive ainda o prazer de visualizar, presumo que só esteja disponível no formato físico…

Sim! Depois na parte do dia tu tens o lado mais urbano mencionado, no lado direito; no lado esquerdo e mais para baixo é todo o meu outro lado de sol, praia, surf, e isso foi muito bem concebido da parte dele. São todos os meus ambientes, quis deixar isso ali bem vincado! Claro que depois as pessoas quando pegam [no disco] não percebem bem, mas a finalidade foi essa.

Sei que fizeste uma apresentação do disco numa FNAC no Porto, não foi?

Fiz sim, correu muito bem! Depois seguiu-se a noite na Central [Club], também no Porto. Também estive na Madeira a fazer uma apresentação do disco e, depois, numa festa a tocar.

Por acaso sou da Madeira, caso ainda não tenhas reparado pelo sotaque [risos].

Por acaso já tinha reparado, e ia perguntar se eras da Madeira. O sotaque não engana. Eu tenho uma costela madeirense também!

Tens família na Madeira?

O meu avô era da Madeira, e o meu pai também.

Curiosamente nunca soube disso, são imensos anos a seguir a tua carreira e nunca li sobre isso em lado nenhum.

Sim,sim. Tenho mesmo a costela madeirense! E gosto muito da Madeira e dos madeirenses.

Por curiosidade, de que parte são o teu pai e avô?

De Machico. Depois, tanto o meu pai como o meu avô vieram aqui para o continente, ainda me lembro dele cá.



Como se diz em bom madeirense, é sempre bom saber destas “bilhardices” [risos]. Mas voltando aqui ao teu disco, o Frequências: tu lançaste-o pela V Records, isto é uma editora tua?

Sim, é minha, foi que eu criei para editar este disco. Ainda tentei fazer uns contatos como umas editoras portuguesas, mas não obtive resposta [risos]. Ainda hoje estou a aguardar a resposta da suposta reunião que éramos para ter, portanto fui avançando com o que podia, da maneira como podia, e fi-lo assim. É uma editora nova pela qual poderão vir a acontecer mais coisas, mais edições…

Por acaso é algo que também me suscita aqui alguma curiosidade, porque é algo que acabaste por nunca explorar na tua carreira, que era o de teres um carimbo teu, uma editora tua. Dado que tiveste imensos contatos com diversos artistas, se calhar tinhas facilidade em editar vários trabalhos promocionais que recebias constantemente. Nunca te passou pela cabeça essa ideia?

Eu tive uma experiência, que foi com a Kaos [Records]. Porque a Kaos foi formada pelo António Cunha, por mim e pelo Rui da Silva.

É verdade, mas essa já era uma label consideravelmente grande.

Quando começou, não. Começámos devagarinho com umas edições, mas realmente a partir de uma certa altura começo a perceber que… Aliás, eu já nem conseguia estar todos os dias na editora e comecei a perceber que, ao começar a ter edições com alguma regularidade, começas a ter um volume de trabalho substancialmente grande, que precisa que estejas presente, precisa de coordenação, precisa já de muita atenção. E, na verdade, a minha vida estava… Eu andava sempre a tocar, de um lado para o outro, portanto não tinha muito essa disponibilidade. Aliás, quando o António vem ter comigo por causa da Kaos, a propor-me a editora, eu disse: “Epa António, eu não tenho tempo para isso, eu não me estou a ver numa editora, num escritório, não tenho tempo!” Mas isso ficou logo definido, que não havia essa obrigação, que poderia continuar, daí me ter interessado. Mas quando tu dizes que, realmente, podia ter apostado numa editora minha numa fase que tinha esses contatos — e que continuo a ter. Mas foi precisamente também por causa disto: para criar uma editora tinha que ter uma estrutura, ia ter que ter lá alguém, e eu estava com outros projetos e não conseguia fazer mais nada. Eu praticamente parei de produzir, precisamente por causa de outros projetos em que estava envolvido, nomeadamente a abertura da discoteca no Porto, o Indústria, que foi em 2009 que começou esse projeto, por isso eu tive mesmo que me dedicar a isso.

Sempre tiveste muitos projetos, começando pelo projeto com o Rui da Silva, os Underground Sound of Lisbon, que depois acabaram por seguir cada um o seu caminho. Depois voltaste a lançar outros trabalhos como Meco, e mais tarde como Casa Grande.

Isso tudo ainda na Kaos!

Sim! Esses projetos ainda tiveram alguns lançamentos, mas depois acabaste por não desenvolver muito mais os mesmos, tendo seguido mais pela carreira no DJing.

Sim, sim, foi! Essa altura ainda era uma altura em que eu estava a gravar e a querer fazer coisas, e ainda fui gravando algumas coisas… Mas depois, entretanto saio da editora e fui fazendo outras coisas mais pontuais para outras labels, e foi assim. Não podia continuar a gravar… Não é que não pudesse gravar, mas a dada altura eu era 100% DJ, com viagens atrás de viagens, e não conseguia estar em estúdio, até porque eu não uso ghost producers [risos].

Exato! [Risos] Isto também requer algum foco e dedicação no estúdio, que realmente não conseguias despender por falta de tempo. Até porque, em diversas alturas, estiveste com residências em vários clubes dentro e fora de Portugal. Tinhas também o teu programa na Antena 3. Portanto, eram vários compromissos!

É verdade, o programa na Antena 3 ainda durou uns 21 ou 22 anos.

Como falaste no Moullinex, aproveito para te perguntar pelo teu EP Da Lapa, o qual editaste pela Discotexas. É outro trabalho um bocado fora-da-caixa, com aquele sample de um som dos Men Without Hats, já numa vertente mais disco e groovy. De onde surgiu essa inspiração?

Sim, sim. No “Eclectic” é um bocadinho isso! A inspiração não é matemática, ou seja, tem a ver com a educação musical, com certeza, que eu tive e que foi muito vasta — tive essa possibilidade e essa oportunidade de poder ouvir de tudo desde miúdo, todos os géneros, e de gostar de vários géneros de música, e isso obviamente reflete-se hoje na produção, como se refletiu sempre nos meus sets de DJ. E também pelas horas que tocava, fazia as noites todas — normalmente tocava seis ou sete horas, o que fosse, e não eram sete horas só a tocar um género de música, porque isso não fazia sentido nenhum. Portanto, toda essa forma de tocar deu-me também um bocadinho de abertura para poder explorar imensos géneros de música. Acho que isso está [espelhado] nas minhas produções ao longo do tempo, como também neste álbum — este álbum também é um bocado isso, tem vários géneros de música eletrónica, um bocado mais Chicago, tribal como disseste, umas coisas mais beep, e depois algo quase de breaks. É assim, não te consigo explicar, é algo que vem de dentro!

Voltando atrás, ao tema “Runway”. Quando o ouvi, senti ali uma “vibezinha” do Tó Ricciardi, com quem tu já tens uma amizade de longa data — ainda há pouco tempo lançaram um trabalho juntos, certo?

Sim. Temos feito várias coisas. Eu, por acaso, ainda há bocadinho falei com ele. Temos feitos vários trabalhos juntos e continuamos. Aliás, este disco foi misturado no Som de Lisboa, no estúdio dele, e o Tó tem sido um companheiro na música ao longo dos anos, desde os primeiros dias quando ele criou o Som de Lisboa, até aos dias de hoje!

Decidi perguntar-te isto porque estava com alguma curiosidade em saber se estavam a trabalhar em mais material juntos, e pelos vistos estão mesmo! Aproveito para saber se isto poderá levar a um regresso da vossa dupla, Sonic Hunters?

A última coisa que fizemos foi para a Do Not Sit On The Furniture, um EP chamado Cosmic Love. Depois fiz também umas remisturas para ele, para a Sururu Records, que é a editora dele, como Antos, que é outro projeto que tenho de música mais orgânica, digamos, mais cósmica. Fiz também uma colaboração com o MaguPi, também para a editora do Tó. Portanto tem sido assim, temos estado ligados sempre, às vezes com um período mais longo sem estarmos em estúdio, mas vamos mantendo contato e trabalhamos juntos.

Já nem me estava a lembrar do teu projeto Antos, que realmente é, uma vez mais, um bom exemplo da tua versatilidade, uma sonoridade um bocadinho mais alternativa, um bocado fora-da-caixa.

Fora-da-caixa mesmo são as outras coisas que no futuro vão aparecer [risos]. Vêm aí outros trabalhos!

Cada vez mais fica difícil catalogar os estilos, não é? Ou, pelo menos, já não é tão fácil catalogar uma música como era há vinte anos atrás.

Hoje em dia, e cada vez mais, há uma maior fusão entre sons, sonoridades e géneros, que depois criam uma sonoridade nova, em que tens ali um bocadinho de vários sub-géneros. E isso é muito engraçado.

Pois, é verdade. Lembro-me muito bem quando, há vários anos atrás, alguém produzia uma faixa, já estava geralmente ligado a uma sonoridade específica, e quando fazia uma coisa diferente da sonoridade habitual já não era muito bem recebido…

Eu posso-te dizer que quando saiu o “So Get Up”, quando os Underground Sound of Lisbon lançaram esse som e o “Dance With Me”, a imprensa inglesa deu um novo nome ao género de música que tínhamos feito, que já não era aquela coisa do tribal, já era um headbanger ou uma coisa assim do género. Não me lembro do termo exato, mas criaram logo um novo género. Isto para tu veres que já é algo vem de trás, não é de agora! [Risos]

A imprensa inglesa sempre foi muito forte a cunhar novos estilos.

A catalogar!

Isso [risos]. Por acaso, lembro-me sempre de vários produtores que lançavam coisas diferentes, e vinha sempre com um sub-género que nunca ninguém ouviu falar, e que muitas das vezes também ficava por ali. Hoje em dia, quando uma pessoa vai a um site tipo o Beatport, tem uma imensidão de géneros à sua frente.

É verdade, tem uma lista grande de géneros, cada vez mais.

Sim, está cada vez mais a expandir. Só que depois uma pessoa vai à parte, por exemplo, do electro e ouve um tema, mas aquilo não é bem electro, parece mais techno, e acaba por ser um pouco confuso.

Pois é, às vezes estás ali na parte do techno e ouves uma faixa que não tem nada a ver com o techno.

Falando na parte do estúdio: o que é que tu usas mais a nível de equipamento? Recorres mais ao computador e aos plugins, ou continuas a preferir hardware? Como é que é o teu processo? Gravas as faixas externamente e passas para o Ableton ou para o Logic, ou produzes já dentro do DAW?

Neste momento eu trabalho com o Ableton Live. Andei muitos anos com o Logic, mas depois passei para o Live. Estive sempre habituado a trabalhar com o Logic, depois estive um bocado afastado da produção e, quando volto, volto ao Logic, mas depois surge também o Live e decidi experimentá-lo. Cheguei a correr os dois programas ao mesmo tempo para me ir habituando ao Live e hoje só estou com ele. Mas posso-te dizer que faço captação mesmo aqui, onde consigo gravar algumas peças de percussão ou alguns teclados de fora, se quiser, e também faço muita coisa no computador. Depende do que quero e onde é que está disponível, e vou usando assim.

Acaba por ser mais prático, se calhar, recorrer aos plugins porque, hoje em dia, eles recriam basicamente tudo o que seja possível e imaginável do que é hardware, certo?

Sim, e com boa qualidade! Parece mesmo que são os instrumentos, só que na verdade são plugins com os sons gravados, mas muito bem gravados.

Quando olhas para trás, aos teus inícios na produção, recorrias muito mais a sequenciadores, samplers, entre outras coisas. Era praticamente tudo hardware.

Sim, quando os samplers eram com disquetes, no Akai, e aquilo levava não sei quanto tempo a carregar, portanto era um processo completamente diferente [risos]. A tecnologia realmente evoluiu bastante e veio ajudar muito. Para quem já trabalhava antes, sente essa diferença. E para quem começa agora, se calhar pode achar ainda um bocadinho complicado, mas na verdade não tem nada a ver com o que era há dez ou quinze anos atrás!

Não há muito tempo li uma entrevista ao Norman Cook [aka Fatboy Slim], em que ele disse que hoje em dia é muito prático para ele pegar num computador e fazer tudo no DAW, do que ter que voltar a pegar numa Roland TB ou TR, em samplers e tudo mais. Era divertido e tudo mais, mas menos prático e ocupava muito espaço.

Ocupava espaço, tempo e era mais caro — tudo era mais caro!

Não deixa muitas saudades portanto?

Err… Deixa de certa forma, principalmente para quem vivenciou e experienciou isso tudo. Deixa sempre saudades no bom sentido — foram bons tempos. Mas relativamente ao equipamento, ainda uso muitas coisas em outboard, e não é ao acaso que o disco se chama Frequências, porque eu gosto de manipular o som, para que no final possas tar a ouvir um som que parece uma tarola, mas na verdade não é o som de uma tarola, mas sim uma voz. E é isso que eu gosto de fazer, de jogar com os sons, manipulá-los para eles terem uma finalidade que, se calhar, não fazia sentido nenhum inicialmente. 

Por acaso, reparei que no tema “Amplo Sensitivo” tens ali um elemento de percussão que eu desconfio que tenha sido bastante manipulado — não é uma tarola, mas é algum instrumento do género.

Sim, é bem capaz. Muitas vezes até os próprios ambientes, melodias e harmonias são criados já sobre um efeito que foi feito primeiro, e que depois usei o som do efeito para criar as melodias. Ou seja, gosto de desconstruir e (re)construir! [Risos]

Aproveito para perguntar se tens planos para fazer também fazer a apresentação do disco aqui em Lisboa, numa FNAC ou algo semelhante?

A apresentação foi feita aqui em Lisboa no Lux. Foi a primeira apresentação. Depois seguiu-se pela noite dentro, onde também toquei. Eventualmente poderei — não está nada garantido — fazer ainda umas outras coisas, que foram faladas, mas ainda não está nada confirmado, portanto estou a aguardar confirmações para depois poder falar sobre isso.

O teu disco está disponível para compra na plataforma Bandcamp, mas gostaria de saber se será o único lugar onde se poderá adquirir o mesmo.

Não. Ele está disponível na Carpet & Snares, na Peakaboo e na FNAC.

Tens mais alguns planos em mente para este disco no futuro? Alguma coisa a nível de remisturas, de lançar mais alguns singles, mesmo em formato EP com as versões extended

Tou precisamente a acabar uma das versões mais club, porque o disco não é propriamente um disco para club, tenho ali algumas faixas com quatro minutos, portanto não são faixas para DJs tocarem. E algumas dessas faixas, pelo menos uma dessas faixas, eu estou a terminar a versão mais club, que irá estar disponibilizada em formato digital mais para o final do verão, e talvez possam haver algumas remisturas também, mas ainda não tenho nada agendado. Estou apenas focado na versão mais club do tema “Oremos às Oscilações”, que é um tema que toquei pela primeira vez no Porto, mas que ainda não está totalmente terminado.

Aproveito para questionar sobre um tema chamado “Rhythm Climb”, o qual não encontrei para escuta, mas li sobre o mesmo num press release do teu Frequências. Isto foi um tema que ficou de fora do alinhamento, que mudou de nome — podes me falar um pouco mais sobre isso?

Basicamente, o tema “Rhythm Climb” é um tema exclusivo para quem adquirir o disco. Quem comprar o disco tem acesso a um código que depois pode usar para fazer download do tema, e nesse download está essa bonus track. É um presente, é um extra que não está incluido no disco, porque ele na altura [em que foi escrito o comunicado] era um dos temas que se propôs para se falar, e que depois acabou por ficar na newsletter e no press release, mas eu optei por fazer um bonus track em formato digital.

O que é que se segue na carreira do DJ Vibe, além da promoção e apresentação deste álbum, Frequências? O que tens planeado para estes próximos tempos?

Para já, tenho alguns gigs agendados — 20 de Julho no Zamna (Algarve), 27 de Julho no Central Club 27 (Porto), 24 de Agosto no Villa delle Rose Club (Rimini, Itália) e de regresso com a The Annual Dj Vibe Beach Party a 31 de Agosto no Castelo Beach Club (Albufeira). Estou a trabalhar noutras colaborações, tenho aqui outro trabalho com o Tó [Ricciardi] também, e depois tenho um ou outro projeto que será lançado eventualmente — não sei se será ainda para este ano. É um projeto completamente diferente musicalmente, com o Paulo Gonçalves, e esse acho que vai despertar muita curiosidade, porque ficou um trabalho fora-da-caixa, de duas pessoas com duas cabeças diferentes, formas bem distintas de abordar a música. Temos praticamente um álbum feito que irá ser editado numa editora francesa, mas não sei se será ainda para este ano, se no início do próximo ano.

Os ensaios de LX-90 acabaram por ser bastante produtivos, portanto [risos].

Olha, os ensaios dos LX-90 eram, ao mesmo tempo, para eu e o Paulo trabalharmos nas músicas que fizemos, assim à parte. Porque o Paulo vive em Londres. Veio duas vezes a Portugal, também por causa dos LX-90, mas depois ficou mais uns dias e fomos gravando essas músicas, umas sete ou oito músicas, que entretanto estão prontas e espero que vejam a luz do dia brevemente.

Algumas outras confidências ou curiosidades sobre o desenvolvimento do Frequências?

Posso-te dizer que o tema “Pulse Me Now” foi uma música gravada em 2014 e que eu decidi incluir neste disco, passados nove anos praticamente, porque acho que é uma música que está atual, e essencialmente porque eu andei a tocá-la durante algum tempo e fui-me apercebendo do feedback do público, e decidi então inclui-lo.

De facto, essa música acaba por ser a malha mais club ready, não é?

Sem dúvida. Esse tema foi mesmo feito para a pista de dança! Aproveito também para dizer que o álbum foi misturado pelo Sebastian Emanuel, um produtor que conheci em Nova Iorque numa viagem que fiz quando fui tocar com o Danny [Tenaglia], e ele trabalhava com o Danny, era o produtor dele na altura. E gravámos umas coisas, tivemos umas sessões de estúdio lá, e depois percebi que ele estava na Europa, porque ele começa a trabalhar com a Honey Dijon, começou a misturar também algumas coisas para a Madonna… Perguntei-lhe quanto tempo ia estar por cá, ele disse-me que se tinha mudado para a Inglaterra e eu propus-lhe se ele queria vir cá passar uma semana para misturar o meu álbum, e tivemos uma semana enfiados ali no Som de Lisboa a gravar os temas. E acho que é isso, não há muito mais a dizer.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos