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Fotografia: Jéssica Junqueira
Publicado a: 15/10/2024

Selva de Pedra é o novo álbum do versátil artista brasileiro.

Curumin, genialmente caótico

Fotografia: Jéssica Junqueira
Publicado a: 15/10/2024

Se tem um tipo de música que Curumin não gosta de fazer é aquela que segue todos os padrões estéticos. Se algo está muito certinho, faz questão de dar uma embaralhada para confundir. “Eu gosto de sujeira na música”, diz. “Eu não gosto de música muito limpa. Se bem que… música, na verdade, é tudo, né? Tem artistas que são mais limpos que eu amo, que eu adoro. Mas a minha manifestação não é assim”. É por essa forma caótica de desenvolver sua arte que o cantor, compositor, produtor musical e multi-instrumentista nascido Luciano Nakata Albuquerque conquistou os ouvidos. “É meio inexplicável, acho que faz parte da minha personalidade.”

Assim, quando vai escrever, ele deixa a caneta andar, correr. E quando está tocando, deixa o dedo levar. Isso fica bem visível (ou audível) em toda a sua discografia: Achados e Perdidos (2003), JapanPopShow ( 2008), Arrocha (2012), Boca (2017), com o qual foi indicado ao Grammy Latino e premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) como melhor álbum. Ao ouvir todos estes, dificilmente o ouvinte vai encontrar grandes semelhanças entre um e outro. São experiências únicas, que te levam para universos distintos.

“É parecido com a coisa dos roteiros de filmes ou de séries. Você tem que ir para um lugar, ir para o outro, você tem que levar a pessoa para passear, e não é um passeio monótono, você tem que levá-la para diferentes lugares”, observa. “Então, eu acho que é isso, o disco de alguma forma tem que estar te surpreendendo o tempo todo, a cada música. E a partir do momento que você tem mais ou menos uma visão das músicas, de uma base do disco, tem uma hora que você fala assim: ‘Bom, tá faltando uma música mais lenta, tá faltando uma música mais doce, tá faltando uma coisa que seja mais maluca mesmo.’ E aí, às vezes, vem essas coisas já um pouco mais pensadas para somar nesse lugar”.

A mesma premissa é seguida no álbum Pedra de Selva, que chega 7 anos depois do último, Boca. Os motivos desse grande intervalo — que vai contra as “leis” do mercado, que pede cada vez mais urgência — são variados. “Eu sou meio aquele clima pressão baixa. Tenho um tempo mais lento mesmo”, ressalta o artista, complementando que todos os seus discos têm intervalos grandes. “Eu acho que, pra mim, pelo menos, não faz tanto sentido lançar um disco que seja muito relacionado ao anterior. Eu sempre preciso de uma quebra, de vir com algo novo”. Esse espírito inquieto não permite que repita receitas. Sente que precisa destruir o que fez para reconstruir uma coisa nova. Por isso, o tempo é necessário. “Na verdade, eu comecei a fazer este projeto há quatro anos… É interessante porque, sendo um trabalho independente também, eu não consegui lançar antes por conta do próprio trabalho. Eu precisava sempre fazer os trabalhos de dinheiro na frente. Então, ele foi sendo feito nos espaços que davam.” Às vezes, gravava dois, três dias, depois parava duas semanas, aí voltava e conseguia fazer isso por uma semana. Depois parava um mês, dois meses.

Uma das inspirações para direcionar o projeto foi São Paulo. Conhecida como selva de pedra (ou de concreto) por conta da arquitetura, principalmente pelos prédios gigantescos, o lugar tem movimento, abraça e também exclui. É caótica, assim como a mente criativa do músico. Inclusive, o título reflete essa dureza, mas (novamente) com a lógica invertida.



“É meio que uma brincadeira mesmo com virar de cabeça para baixo, a forma como a gente vive aqui, né?”, afirma. “Eu acho também que vem do incômodo de estar aqui em São Paulo, ver e perceber que é uma cidade incrível, com tantas coisas maravilhosas, mas ao mesmo tempo é muito cruel com quem vive nela. Ela dá trabalho, gera movimento, gera… realizações, porém tem um lado cruel que não acolhe, é dura, né? Dura como concreto, assim. Então, na verdade, acho que essa cabeça para baixo que eu estou falando é um pouco uma vontade, às vezes, que eu tenho de pegar uma picareta e sair quebrando, quebrando um pouco o concreto dessa cidade, sabe? Quebrando um pouco essa massa de quilômetros e quilômetros de cimento que ela tem”. 

Tranquilo, e falando pausadamente, Curumin acredita que os seus cinco discos, de alguma forma, dialogam com o ambiente onde vive. É também uma tentativa de se entender dentro dele. “Acredito que esse último álbum tem mais a ver com isso, de procurar”, revela. “Eu sei que estou aqui, sei que estou rodeado por esse cimento todo. Então, estou buscando, talvez dentro de mim, talvez dentro de algum outro lugar, uma coisa mais próxima da natureza, uma conexão que eu sei que só a natureza pode proporcionar e que faz tanta falta para a gente aqui”. De fato, a carência de um pouco de verde nas grandes cidades tem gerado consequências irreparáveis. A música “Pisa” passa um pouco dessa visão de estar no mundo, caminhar e se firmar. “Pira”, que vem logo depois dela, amarra as ideias com  a colaboração do rapper Funk Buia. “A gente surgiu meio junto, mais ou menos na mesma época. Ele tem aquele estilo único, né? E aí chegou num momento de falar assim: cara só pode ser o Funk Buia, sabe? Tô precisando desse cara”. 

Tanto essa quanto as demais parcerias feitas em Pedra de Selva — com François Muleka, Ava Rocha, Josy.Anne, Jéssica Caetano, Iara Rennó, Livia Nery, Rimon Guimarães, e dos três filhos de Curumin, Rubi, Bento e Benedito — foram com artistas que ele conhece bem. Vários deles são contemporâneos, cresceram e se desenvolveram artisticamente na mesma época.

“Então, foi muito de acordo com o que a música mesmo pedia, sabe? Tinha música que era isso, precisava daquela voz ali, daquele timbre”, observa. “A Josy.Anne, por exemplo, que é uma cantora que eu conheci não faz muito tempo, é mineira. E aí, eu fiz a música sobre a ‘Mexerica Mineira’, mas não só isso. A canção toda tem uma referência da música angolana, dos lamentos angolanos, do semba, da música bantu, né? E Minas tem tudo a ver com isso… Então, aquela voz trazia não só um timbre bonito. Traz uma história, uma coisa que vai complementar a música desde as raízes, assim, né?”

Mesmo agradando sua base fiel de admiradores, Curumin acredita que ainda tem uma certa dificuldade de furar sua bolha e atingir outros públicos. “Estamos aqui nas estratégias de guerra”. Essa é uma vontade dele para também ampliar o raio de extensão, fazendo chegar a pessoas diferentes. “Eu tenho uma solidez do que foi construído, mas agora eu também queria botar mais um bloquinho em cima desse muro aí”.


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