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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Isabel Pinto
Publicado a: 29/10/2024

Metade da alma, metade do universo.

Constelação Aldina Duarte: A Fadista do Infinito

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Isabel Pinto
Publicado a: 29/10/2024

[I. Ascensão Interestelar: A Trajectória de Aldina Duarte]

Nasceu na Terra, sim, na Terra que é Lisboa. Mas o destino de Aldina Duarte sempre esteve além do solo que ela tocava. Uma infância em Chelas, entre betão e estrelas invisíveis, forjou a sua voz como quem esculpe constelações no vazio. O primeiro contacto com o fado? Uma colisão cósmica, aos 24 anos. O encontro com Beatriz da Conceição foi o início de sua órbita em torno da mais portuguesa das músicas, um som que a atraiu como a gravidade atrai os planetas. Não havia retorno.

Cantar, para Aldina, era abrir portais. Em 1992, quando deu voz ao fado no filme Xavier, ela não apenas cantava, mas movia-se entre mundos, resgatando histórias, traçando rotas no cosmos do fado. Em 1994, junto a Camané, ela mapeou novas galáxias sonoras nas Noites de Fado, no Teatro da Comuna. Nos anos seguintes, orbitou por várias casas de fado, mas foi na Sr. Vinho, sob a direção artística de Maria da Fé, que ela se estabeleceu como uma estrela fixa. Aldina Duarte era, agora, parte de um sistema solar de fadistas que girava em torno de uma tradição milenar.

Mas Aldina nunca quis ser apenas uma estrela. Queria ser um cometa, um fenómeno imprevisível. Ao longo da sua carreira, ela atravessou dimensões musicais, desde a profundidade dramática de Crua (2006) até o espelho reflectido de Mulheres ao Espelho (2008), cada álbum uma exploração de novos territórios, cada fado uma mensagem estelar codificada.

[II. Universo de Vozes: Aldina e o Fado como Criação Galáctica]

A música de Aldina não é apenas som; é uma curvatura do espaço-tempo. Quando ela canta, é como se o universo inteiro vibrasse com ela. Ela é, ao mesmo tempo, uma cronista e uma visionária, uma contadora de histórias antigas e uma exploradora de futuros possíveis. E não é por acaso que o cinema a buscou como protagonista, pois a sua voz, como nos documentários Princesa Prometida e A Religiosa Portuguesa, encapsula a própria essência do tempo e do espaço.

A sua voz atravessou galáxias de emoções, cantando o amor, a perda, a saudade e a revolta. Em 2022, lançou Tudo Recomeça, um disco que ecoa nas profundezas do ser humano e, ao mesmo tempo, nas distantes nebulosas do fado. Aldina sabia que o fado não era apenas uma música; era uma ponte para outros universos, uma janela aberta para o cosmos infinito da emoção humana.

[III. Metade-Metade: A Conexão Cósmica com Capicua]

Mas a verdadeira explosão cósmica ocorreu em 2024, quando Aldina, já uma viajante estelar do fado, se encontrou com a voz rebelde e poética da rapper Capicua. O álbum Metade-Metade não é somente música. É uma convergência de universos paralelos, uma fusão de linguagens e de mundos. Como dois corpos celestes que se atraem e colidem, Capicua trouxe para Aldina o léxico de uma nova era, enquanto Aldina, com a paciência de uma anciã estelar, ensinou-lhe as leis antigas do fado, regras de um cosmos onde a métrica é tão essencial quanto a própria gravidade.

Capicua escreveu os versos; Aldina deu-lhes forma e voz, como uma escultora cósmica, modelando estrelas com as mãos. Em Metade-Metade, ouvimos a harpa de Ana Isabel Dias, uma corda que vibra como as ondas do espaço; a guitarra portuguesa de Bernardo Romão, uma estrela pulsante; e a voz de Aldina, que percorre cada melodia como um cometa a riscar o firmamento. É um álbum onde o amor universal, o futuro da humanidade e a crise climática são os temas centrais, mas não como sermões terrestres — são mensagens enviadas de uma inteligência cósmica que olha para a Terra com urgência e compaixão.


[IV. Araucária: A Semente Sideral]

O singleAraucária”, primeiro raio de luz desse novo universo, traz-nos uma exploração sonora onde a natureza e o cosmos se encontram. Aldina e Capicua reescrevem o papel da música como uma forma de resgate planetário, uma chamada de atenção para a inteligência perdida da humanidade. A harpa ressoa como o eco das árvores ancestrais, enquanto a voz de Aldina nos recorda que estamos todos ligados, que somos todos filhos do mesmo pó de estrelas.

Capicua descreveu a experiência como espiritual, quase catártica. De facto, em Metade-Metade, há uma catarse, uma libertação de energia cósmica que nos aproxima da verdadeira essência do ser humano: a capacidade de amar e cuidar da Terra como um organismo vivo.

[V. A Araucária Infinita: Reflexão sobre a Eternidade da Natureza]

A “Araucária” de Capicua não é apenas uma árvore, mas um símbolo profundo de permanência, de uma conexão quase ancestral entre o humano e o universo natural. Na sua copa, que se ergue como um palácio, vemos a metáfora do tempo, um monumento vivo que se eleva muito além das preocupações humanas. É um refúgio, uma fortaleza onde a fragilidade humana encontra consolo na solidez da natureza.

A ideia de não conseguir “cercar num abraço” esta árvore sugere que a Araucária transcende o toque humano. Há uma reverência, um reconhecimento da nossa pequenez diante daquilo que é maior, que existe fora dos ciclos efémeros da vida humana. Capicua encosta o rosto na casca como quem tenta comunicar-se com o eterno, sussurrando para algo que está além da linguagem, do tempo, mas ainda assim profundamente conectada à vida.

A Araucária, rainha da floresta, é apresentada como uma espécie de divindade terrena, rodeada de giestas que a reverenciam como súbditos. Ela está num altar, uma visão da natureza quase sacralizada, onde o sol e o vento, os elementos mais poderosos da Terra, parecem existir em harmonia para a sua presença. Na sua sombra, o sol torna-se mais brando, e o vento não é mais uma força indomável, mas um gesto de carinho. A Araucária transforma a dureza dos elementos em algo sereno, em paz.

A metáfora continua a elevar a Araucária no horizonte, onde, sobre o bosque, ela se destaca como uma força singular. Não há outra árvore que se compare, não há outro símbolo de vida que tenha mais peso e significância. Esta singularidade da Araucária reflecte o desejo humano de transcendência, o anseio de Capicua por viver não apenas em tempo, mas em profundidade.

“Talvez vivesse / Como tu mais de cem anos” — esta linha carrega um desejo filosófico profundo: a vontade de enraizar-se na eternidade, de fundir-se com a natureza e, através dela, escapar à mortalidade. Não é um simples desejo de longevidade, mas de viver como a Araucária, imperturbável, serena, em completa harmonia com o cosmos.

A Araucária, na sua imponência e resiliência, é o espelho daquilo que todos desejamos — encontrar uma forma de permanecer, não apenas na memória, mas no mesmo tecido do universo.

[VI. Coda Estelar: O Último Manifesto de Aldina Duarte]

E assim, como uma nave que se aproxima do seu destino final, Metade-Metade não é apenas um álbum. É um manifesto, um mapa para um novo futuro. Aldina Duarte, ao lado de Capicua, aponta para as estrelas, mas não como uma fuga. Aponta para as estrelas como um lembrete de que, mesmo no vasto cosmos, o nosso pequeno planeta ainda tem uma chance.

Este disco, onde o amor romântico cede lugar ao amor universal, é a culminação de uma jornada que começou em Chelas e terminou nas estrelas. O legado de Aldina Duarte não é apenas o fado; é a consciência de que a música pode salvar mundos. Metade-Metade é uma obra-prima sideral, um farol no meio da escuridão, iluminando o caminho para um futuro onde a humanidade, finalmente, encontra o seu lugar no cosmos.



[VII. O Horizonte do Fado: Entre o Céu e o Infinito]

Cada fado de Aldina Duarte é uma faísca que rasga a escuridão, um sopro do cosmos que liga a nossa breve existência à vastidão do universo. Em Metade-Metade, ela já não canta apenas para os corações terrenos, mas para as estrelas que nos observam de longe, distantes e silenciosas. O fado transforma-se em uma linguagem cósmica, onde o eco de cada palavra viaja além do nosso alcance, ressoando entre planetas e constelações.

Nesta viagem, Aldina não está sozinha. Ao seu lado, a poesia de Capicua tece um fio invisível que une a alma humana ao destino estelar. As duas artistas, em sintonia perfeita, criam uma nova mitologia, onde o amor e a dor, o tempo e a memória, dançam entre as galáxias. Cada verso é uma nota sideral, um lembrete de que somos feitos da mesma matéria que compõe as estrelas.

O fado, em sua forma tradicional, sempre foi uma música de saudade e presença. Mas agora, nas mãos de Aldina, ele se transforma em um mapa do cosmos, guiando-nos por entre os mistérios da existência. Metade-Metade não é apenas um disco — é um compasso que nos orienta, um guia para os cantos mais profundos da alma e os recantos mais remotos do universo.

Enquanto cada canção se desenrola, Aldina Duarte revela que somos, simultaneamente, pequenos e imensos — frágeis como a mais ténue melodia, mas eternos como o brilho de uma estrela. No final, não há separação entre Terra e Céu, entre o humano e o celestial. O fado e o cosmos são um só, e nós, ouvintes, fazemos parte dessa constelação infinita que Aldina nos convida a explorar.

Este é o legado de Metade-Metade — um convite a expandir os horizontes da nossa humanidade, a olhar para cima, para além, e a perceber que, mesmo nas notas mais íntimas de um fado, podemos encontrar o infinito.

[CODA: Entre Fados e Estrelas — O Canto Eterno de Aldina Duarte]

Nas suas mãos, o fado floresce como as flores da noite – silenciosas mas brilhantes.
Cada palavra, uma estrela tímida, desponta no céu da memória.
Oh, Aldina! Tecer o céu com o fio dos lamentos –
Os que vêm da Terra, os que ressoam no Cosmos.

“Metade-Metade” é uma dança celeste, onde o canto não ecoa na sala,
Mas nas constelações que a alma conhece,
Cada nota é um cometa que risca o escuro,
Cada verso, um sopro de vida que os astros escutam, imóveis.

Não há fronteiras entre o ar que respiras e o vazio que nos envolve,
A tua voz, Aldina, ecoa entre mundos,
Fazendo da Terra um palco pequeno demais para a vastidão
Que és, que serás, nos tempos sem fim.

Quem ouve, quem sente, será tomado por essa gravidade doce,
Que puxa o coração para cima, para fora de si,
Como um planeta que se afasta da órbita
E encontra uma nova estrada – entre estrelas perdidas, renascidas.

E assim, como um poema que nunca se fecha,
Tu, Aldina, guardas a última palavra –
Não no papel, mas no vento cósmico que sopra
Entre fados e astros, entre Terra e Céu,
Onde a tua melodia brilha, para sempre, num firmamento sem fim.


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