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Fotografia: Nuno Martins
Publicado a: 24/05/2024

No além-jazz.

Causa|Efeito’24 — Dia 1: a harmonia da improvisação

Fotografia: Nuno Martins
Publicado a: 24/05/2024

Voltar a acontecer para retomar uma nova história que pretende ajudar a apontar os rumos inventivos do jazz e além disso. Está de novo no Campus de Campolide o festival que a Universidade Nova de Lisboa apresentou no ano passado como mote comemorativo dos seus 50 anos com matriz de impulso inovador. Esta edição retoma outros 50 anos — de Liberdade — e é da livre criação e programação que trata também, contando de novo com a curadoria de Pedro Costa para o efeito nesta causa. Para as linguagens do jazz sempre foi fundamental o espírito livre, quer da combinatória da instrumentação quer da prática musical em si. Tal como ontem, 23 de Maio, hoje esse diálogo musical continua a estar profundamente enraizado na inovação, no ir mais além, definindo o amanhã. Este Causa|Efeito desenrola-se, portanto, invariavelmente nos campos da improvisação e criatividade musical, quer pelos encontros inéditos entre músicos, quer pelos processos de criação momentânea desenvolvidos.

Num festival desta identidade, logo a primeira proposta musical é em si mesma feita de uma programação livre, propondo escutar uma música que olha desde fora para o jazz, chamando-o. David Maranha, em órgão eléctrico, e Manuel Mota, em guitarra eléctrica, para um concerto na Garagem da Reitoria. São músicos que irradiam linguagens desde o campo sonoro experimental vindas de um longínquo presente, muito ligados numa práctica entre si, e entre eles e a herança musical de outro fundamental inventor que permanece, assim, tão presente — Phill Niblock. Encontramos esta (e nesta) música um permanente motivo de improvisação, de instalação tão livre que se liberta em permanência de racionalizações no instantâneo. Trata-se de um espaço de evasão, de busca perdurada e contemplativa, num suspender do tempo imediato rasgado através de movimentos (in)voluntários e perpétuos. Ali estendidos, deixando a dormência dos corpos permeáveis à harmonia improvisada, vendo a luz, no final de dia, ao fundo da garagem que nem túnel para o que virá depois. 

A harmonia que voltou a emergir, com nova formulação, à noite no Auditório da Reitoria, juntando pela primeira vez em palco Michael Formanek (contrabaixo) a Alexander Hawkins (piano) e a Ricardo Toscano (saxofone alto). Já destes músicos à tarde se ouviram, por palavras, os conceitos e motivos da música e da sua práctica. Numa masterclass em forma de ensaio aberto muito mais feita de palavras do que de notas, já que além das azuis mais frequentes no jazz foram as vermelhas, verdes e amarelas as que se viram de cenário de fundo em concerto na bancada em espelho à plateia. Este encontro a três juntou outras tantas visões das linguagens jazz numa linha unificadora que se ouviu condutora. Influenciados nessa visão, aqui assumida pelo título e mote do álbum do pianista Muhal Richard Abrams, One Line, Two Views, evocado na conversa da masterclass à tarde, em que resultam da composição em improvisação, quadros hábeis e notáveis ideias em avanços. Neste palco desenhou-se uma outra e tripla visão vinda de uma música em linha com o percurso de cada um dos músicos, quer na trajectória do tempo de práctica instrumental de cada um, quer na origem geográfica, quer mais ainda nas idiossincrasias da expressão de cada músico. Se por um lado o californiano Formanek transporta o ímpeto do tocar, vindo da corrente nova-iorquina, assumindo em palavras o mote “enquanto toco não penso onde estou, antes para onde vou”, por outro lado, junta-se o fraseado de expressão melódica contemporânea do britânico Hawkins, de formação clássica e que assume um tocar amiúde balizado entre dois elementos, expressando vocabulários entre tensão e libertação para as suas construções harmónicas entre o funcional e não funcional. Dele ouvimos em palavras o interesse na ambiguidade do equívoco na prática musical, o momento do erro como nova possibilidade. E a isto junta-se Toscano, uma das mais jovens e consagradas vozes do tradicionalismo no jazz entre nós. Colocado em cenários onde o improviso é a composição escutada, o alto de Toscano revela-se capaz de harmonizar, como supremo sedutor melódico, à expressão de maior abstração do caudal vindo das cordas percutidas e friccionadas. A faculdade de que falou Toscano ainda na masterclass, de “escutar em simultâneo a tocar”, é uma das capacidades fundamentais nesta música de pensamento rápido, tão ou mais veloz que passa a ser do campo da emoção intuitiva, para além da racionalização, revelando o poder absoluto da harmonia no campo da improvisação. 

O trio terminou a prestação em quarteto com a inclusão de Tim Berne, também em saxofone alto, um dos estruturantes improvisadores livres da actualidade e que assim se escutará em todos os dias de Causa|Efeito em igual medida. Retomando o palco já hoje (24 de Maio, às 18h30) no Auditório da Reitoria, num concerto a solo, onde irá desvendar o que a criação livre e momentânea tem mais, e mais a designar.


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