Foi no início deste ano que os Cara de Espelho lançaram o seu primeiro álbum em nome próprio. O grupo não tem papas na língua, e é sobre o estado do país e do mundo que falam nas suas letras escritas pela mão de Pedro da Silva Martins, compositor e guitarrista conhecido por ter feito parte dos Deolinda ou pelas canções que assinou para Ana Moura ou Lena D’Água.
Foi num encontro casual de amigos entre Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa, Fausto, Zeca Afonso, José Mário Branco, José Godinho) e Sérgio Nascimento (Deolinda, David Fonseca, Humanos) que a ideia de fazerem algo juntos surgiu. Juntou-se Pedro Silva Martins para escrever as canções, que por sua vez quis também fazer parte do projeto como músico, tendo-se composto o resto do grupo com o seu irmão Luís José Martins (Deolinda) nos cordofones e guitarra, Nuno Prata (Ornatos Violeta) no baixo e Maria Antónia Mendes (A Naifa, Señoritas), mais conhecida por Mitó, na voz.
Nas músicas-crónicas deste grupo com uma sonoridade associada à música popular portuguesa, podemos encontrar um retrato de uma sociedade e algumas personagens que a compõem — desde o “Dr. Coisinho”, figura mestre do atiçar o ódio; o “Testa de Ferro”, espalha-brasas dos esquemas obscuros de corrupção; ou as almas livres que resistem à opressão descrita em “Livres Criaturas”. Neste álbum encontramos temas que falam desde a guerra, os paraísos fiscais, ou o equívoco de uma noção de portugalidade pura. Foi numa conversa com Mitó Mendes, Pedro da Silva Martins e Luís José Martins que falámos sobre o percurso da banda, o estado do país, e os seus planos para o futuro.
O que é, ou quem é a Cara de Espelho?
[Luís] Primeiro, é uma figura sem género.
[Pedro] A Cara de Espelho é aquela personagem na “Cara Que É Tua”. É uma figura meio estranha. Esta cara tem um espelho e reflete as personagens para se questionar e perceber quem ela é. Os Cara de Espelho são este grupo de pessoal que se juntou e que tenta espelhar um bocado a sociedade onde estamos inseridos. Pôr um espelho à frente de algumas personagens que andam por aí.
O processo de surgirem como grupo foi uma coisa que aconteceu de uma forma muito natural. Como foi perceberem que aquilo que vos interessava falar seriam assuntos com uma conotação política?
[Mitó] Não foi bem um processo. Foi uma das coisas que nos juntou, nesse tal processo natural de ajuntamento de amigos. Nem todos nos conhecíamos, mas o facto de sermos pessoas com alguma consciência política e vontade de dizer coisas foi um dos pontos de partida. Pessoalmente, é o que sinto. Já estava afastada da música e não estava a pensar a voltar a ter bandas. Mas também face ao que se tem vivido nos últimos anos, toda esta conjuntura, e por conhecer o espírito crítico e mordaz das letras do Pedro, achei que tinha que sair do sofá, e é também uma das formas de fazer algum ativismo.
Como é que vêem o país? Se calhar até pegando, por exemplo, na “Parva que Sou”, que foi uma canção dos Deolinda que explodiu bastante em 2011 e que até desencadeou os próprios protestos da Geração à Rasca. Há uma frase na canção que diz: “Isto está mau e vai continuar”. Esta frase ainda é atual? Como vêem as mudanças desde essa altura até agora?
[Pedro] As coisas, se mudaram, mudaram pouco. Infelizmente a canção continua a ser atual porque há uma série de pessoas que se reconhecem nela. Quando fiz a canção, aquilo refletia aquele momento. À minha volta também tinha uma data de pessoas que estavam em situações precárias. Na altura, nós com Deolinda andávamos a tocar fora, e eu lembro-me de andar por outros países e ver pessoal da minha geração que tinha uma vida incrível. Organizavam festivais na Suíça, na Alemanha, e aquilo era tudo… até o sorriso era diferente, as pessoas não andavam com um peso que andávamos cá todos a viver.
[Luís] A crise de 2011 é muito potente e a ressaca disso também é muito forte. Mas para a malta que tem hoje a idade que tínhamos na altura, as coisas estão mais difíceis. Comprar uma casa é quase ficção científica, e mesmo alugar uma casa no centro de Lisboa é uma perfeita loucura. Nisso piorou vertiginosamente.
[Mitó] Se desde 2011 alguma coisa melhorou, eu não sei mesmo o que será. Espero que tenha havido alguma coisa que tenha melhorado desde 2011 até agora. Eventualmente o PIB, os cofres do Estado. Estávamos falidos. Mas na vida das pessoas, não estou mesmo a ver o que é que tenha mudado para melhor.
[Pedro] A questão é mesmo contextualizar aquilo. O “Parva Que Sou”, quando foi feito nessa altura, era o retrato daquele momento, e acho que se pode transpor perfeitamente para agora, ainda com um grau pior. Se calhar a letra precisava ali de novas vertentes que não foram faladas nessa altura.
Qual o papel que a música pode ter enquanto agente transformador da sociedade?
[Luís] A música na história sempre cumpriu um papel super importante. Em todas as gerações houve projetos musicais, cantores, cantautores que deram voz a estas questões. Isso vem desde que se conhece os registos musicais. Na Idade Média, havia as canções de escárnio e maldizer. De certeza que essas também cantavam questões políticas da época. Talvez não tenham sido escritas para não te cortarem a cabeça, mas acho que é uma necessidade humana, a de ter voz perante situações que achamos de desigualdade, e a canção é um formato que consegue levar de uma forma muito direta as palavras às pessoas.
[Mitó] E às vezes também tem o dom de organizar na cabeça da pessoa melhor as suas coisas, as contradições, não é?
[Pedro] O meu lado cívico e político foi muito apreendido através das canções que ouvia. Acho que a música ajuda a arrumar as ideias e até costumo dizer que as canções estão um bocado à frente de mim, no sentido em que as elas estão a organizar o meu pensamento. Quando estou a escrever, eu nunca tinha pensado naquilo e, de repente, aquilo organiza-se, forma-se ali uma ideia. O “Parva Que Sou” foi isso mesmo. Fui eu, de repente, a organizar uma ideia que andava aqui dentro. E as canções de Chico Buarque, Zeca Afonso, todas essas coisas, ajudaram-me a formar como pessoa e a música cumpriu esse papel.
Quando uma pessoa vai ver Cara de Espelho, que frame de pensamento sobre as coisas é que esperam que elas possam reter?
[Luís] Há muitos graus de apreensão. Uma criança vai ouvir de forma diferente de um adulto politizado, ou um adulto não politizado vai ouvir de outra forma também. Para mim é sempre interessante quando uma canção possa ter um gatilho para pensar de forma diferente. Gosto de canções que me façam pensar… Pode nem ser do texto, mas também questões de arranjo. E se as nossas canções conseguirem espevitar algo a quem as vá ouvir, a querer perceber melhor o conteúdo das letras, a tomar posição sobre alguma coisa, tudo isso é incrível. Se uma canção puder ser um pauzinho na engrenagem e levar a pessoa para um outro caminho, é ótimo.
No panorama de hoje na música portuguesa, há assim outros projetos de pessoas que estejam também a fazer música de intervenção que sejam referências para vocês?
[Pedro] Agora, A garota não. É assim o nome que me surge de uma forma mais óbvia. A Capicua também.
[Mitó] Dino D’Santiago também…
[Luís] O Sérgio Godinho continua a ser um puto a fazer…
[Mitó] O Scúru Fitchádu, para mim, também é um grande punk da intervenção. O TYROLIRO também dá umas boas dicas… Há assim uma malta nova engraçada.
[Luís] Fado Bicha.
[Mitó] Fado Bicha muitíssimo, muitíssimo mesmo. Olha, estou com medo de estar a ser injusta, porque há montes de gente a fazer um trabalho fixe.
Qual deve ser o papel do artista relativamente a dizer algo em termos políticos? Gostava também de perguntar qual é a vossa visão sobre qual é o espaço que existe para fazer isso em Portugal e o que é que vocês também têm sentido da vossa própria experiência. Por vezes, os artistas podem sentir medo de represálias por dizerem o que pensam.
[Mitó] É o espaço que nós quisermos. Os artistas que não o fazem são pessoas que não são politizadas. E nada contra, cada um é como é.
[Pedro] Como dizia o José Mário Branco, não fazer canções sobre política também é um ato político. Também estamos a fazer política…
[Mitó] Eu própria nem sempre fiz canções políticas. A questão era o espaço de fala, não é? Há pessoas que mesmo que sejam interrogadas sobre quais são as suas opções políticas, não abrem muito o esquema. Essas pessoas, naturalmente, não são politizadas de raiz, que é uma coisa muito comum, até mais comum do que os politizados. E não é que estejam bem ou mal. Eu tenho uma opinião sobre isso, mas respeito também todos os artistas e, sobretudo, as pessoas que não querem falar sobre determinados temas. Acho que elas, como eu e o Luís, vivemos num país livre e têm esse direito. Mas em relação a nós: eu com a idade que tenho, era o que faltava. Eu digo e falo o que me apetecer. E o meu lugar de fala é o meu lugar de fala. Ninguém me censura.
Isto no sentido de, por vezes, não existir espaço na programação cultural para pessoas que têm uma voz mais política de uma forma mais frontal e direta, e que pode ter como efeito que pessoas que até gostariam de dar opinião sintam medo daquilo que pode acontecer.
[Pedro] É um risco da vida, não é?
[Mitó] Não é isso que nos vai travar.
[Pedro] A gente sabe que se falar de um determinado assunto, se puser um tipo de instrumento num arranjo de uma música, não passa em certas rádios. Se tiveres um discurso mais elaborado ou uma construção lírica mais desenvolvida, não vais entrar em determinado tipo de público. Mas é uma opção. Há pessoas que vivem muito bem nesse meio, é uma coisa que lhes é natural. Há outras pessoas que o natural é falar política, pôr as coisas com outro grau de reflexão. Há mercado para tudo, acho eu. A escala do mercado é diferente para algumas propostas.
[Mitó] É tudo uma questão do que é que tu queres daqui. Entre ter uma carreira e ir tocar a todo lado e ser honesta… O facto de tocar em todo o lado não está em primeiro lugar do que fazer esta música, confrontar as pessoas com estas ideias e palavras. Fazer música de intervenção é isso mesmo. Ela nunca foi feita para ir tocar a todo o lado e ser fácil. Muita dela até foi feita na clandestinidade. Deus queira que não voltemos a ir para lá.
[Luís] A banda é composta por um conjunto de músicos que têm todos experiência larga na canção. Somos todos, de certa forma, apaixonados pelo formato canção, mas com este lado meio exploratório, a querer passar a canção de uma forma inteligível, em que a cena musical sirva o texto de uma forma generosa. Que ajude a passar a mensagem, mas fazer isso com elegância. Isso, se calhar, por nos dar tanto gozo, também não nos mete urgências em sítios.
Na música “Genuinamente” desmontam esta noção de uma portugalidade pura. Portugal ainda está preso a uma ideia incoerente do que é a sua identidade nacional?
[Luís] Não é só Portugal. Portugal também estará. É uma discussão que agora tem vindo à baila. São questões tabu, muitas delas sobre essa questão do que é genuíno ou não, mas também em relação às questões coloniais. Vivemos ainda numa visão romântica do que é que criou este país, o que é este país, e que são tão difíceis de desmontar na cabeça das pessoas. Isso é que é o gozo dessa canção: desmontar com imagens muito claras o que é às vezes um discurso tão básico. Temos formas muito mais generosas de abraçar outras questões do país do que essas bandeiras que às vezes são tão ridículas.
[Mitó] A pertinência da música parte muito dessa… É um tema que hoje em dia está em discussão. Ainda bem, e tarde foi, não é? Parte de Portugal está um bocado assente nessa ideia bacoca de portugalidade. Mas por já se ter discutido alguma coisa, e temos de valorizar, uma parte de Portugal também já desmontou um bocadinho essa ideia, e também já percebe que a palavra “descobrimento” é assim uma palavra um bocado falaciosa.
[Pedro] Tenho recebido alguns professores que utilizam na escola o “Genuinamente” para trabalhar com as crianças. É muito giro, porque nós tivemos sempre a levar com um Portugal lindo e com uma história de Portugal incrível. Acho que é bom para toda a gente ter a perspetiva de que, se calhar, o foco não devia estar no culto da nacionalidade e todos os fantasmas que isso traz, mas na forma como nós em comunidade nos conseguimos juntar, e é muito especial ver isso também nas escolas como contraponto à história que é dada.
[Luís] Essas questões da identidade nacional, é uma construção em atualização. É mutável. O ser português hoje não é a mesma coisa do que foi ser português na Idade Média, e mesmo há 10 anos era diferente.
[Mitó] E há 50 anos ias para a Guerra Colonial, também matar e ser morto, é mutável.
[Luís] Essa noção de querer cristalizar uma série de coisas… Portugal não foi só os descobrimentos, é feito de mil e um cruzamentos, mil e um encontros, mil e um crimes, falhas, erros, momentos de felicidade, desastres. E essa coisa de puxar o lustro, são as coisas que ficam bem no castiçal. Além de ser um bocado redutor, é também um bocado bimbo. É mau gosto.
Há uma música que ainda não está publicada, mas que vocês têm tocado nos concertos, cuja letra descreve vários fulanos, como o: “Fulano B, pois aqui se vê, pelo currículo que não tem, foi colega do presidente, de quem a sua sogra é mãe”. Em que medida é que acham que isto é um problema crónico, em Portugal — os fulanos A’s, B’s e sicranos X’s…
[Mitó] O compadrio.
[Pedro] O compadrio é daquelas heranças que vamos repetindo e instalando. Havia uma que era muito boa agora, um tipo que pedia uma taxa de urgência a um empreiteiro na Câmara de Espinho. O que é a taxa de urgência? Era para ele andar com o processo mais rápido. O suborno. Estamos a falar de suborno, mas depois há sempre esta forma do compadrio de pôr a tia, o primo, no sistema e é um bocado cultural também. Acho que as pessoas nem têm a noção disso. Às vezes é inocente. Até as pessoas que mais bramam contra a corrupção, se precisarem de alguma coisa nas finanças, andam logo a ver quem é que tem um primo lá, e não entendem que a corrupção é uma forma de estar na vida.
[Luís] Está nos pequenos gestos, né?
[Mitó] É uma forma de estar na vida, e começa nas pequenas coisas, e quando a população pensa assim, é claro que os teus líderes vão fazer corrupção.
[Luís] O Jorge Sampaio tinha um discurso, em que usava a expressão da chico-espertice ser um problema crónico. Mas não sei se é só português, porque depois…
[Pedro] Sim, em todo lado. Mas essa canção é um bocado a brincadeira do… O Fulano A, o Fulano B, tudo é anónimo, mas está tudo a candidatar-se a um poleiro. Deve haver milhares de pessoas com cargos que andam por aí anónimos. A maior parte lembra-se sempre do outro. “Esta canção é sobre não sei quantos”. Nunca é sobre o próprio. Faz parte da nossa sociedade. É mesmo uma daquelas coisas que espero que venha aí uma geração que…
[Luís] Tem a ver também com muitos anos de safar, de vidas precárias. Também um chico-espertismo de subir, de escalar.
[Pedro] Quando tens um ex-primeiro-ministro que basicamente montou um gangue para assaltar o poder e percebes que isso está super enraizado em montes de juventudes partidárias, as coisas têm que, se calhar, ser postas em perspetiva. Esse trabalho compete-nos a nós. O Ricardo Araújo Pereira está sempre a fazê-lo, ridicularizando e pondo isso em evidência.
[Luís] São coisas que demoram muito tempo a mudar.
[Mitó] Há uma parte disso que também vem do passado de analfabetismo e da muita burocratização, em que muitas vezes as pessoas precisavam mesmo de pedir ajuda a alguém para chegar aos serviços públicos. Há pessoas da geração dos meus pais que se não conhecerem ninguém no serviço, nem sequer lá vão. Têm medo e sabem que não vão conseguir resolver nada. Porque era difícil resolver um assunto num serviço público. Lembro-me que muita gente da aldeia da minha mãe, por exemplo, se precisava de tratar de alguma coisa, recorriam sempre a um amigo. Não era por mal, nem para serem chico-espertos. Sabiam que não iam conseguir, não entendiam os termos, não sabiam que papel é que tinham de pôr… Se calhar esses intermediários é que eram mais chico-espertos.
[Luís] O avô, pai do nosso pai, vivia numa aldeia minúscula no Parque Natural da Serra da Estrela. Havia uma figura na freguesia, que não era Presidente da Junta e até era pai de um político famoso que foi presidente da Assembleia da República. Esse tipo era a figura que representava, ia à Guarda levar os papéis, tratava com advogados, com a polícia, etc. Era comum as pessoas irem dar uma prenda ao senhor doutor. Então, o meu pai lembrava-se de ir levar um cabrito, uma galinha, uns ovos por nada.
[Pedro] E ele ainda tinha a lata de chegar e dizer assim: “Oh, não sei quantos, ainda tá um bocadinho pequenino. Cria-o mais uns meses, e venho cá buscá-lo”.
Ainda sobre o fulano A e o fulano B. Ao longo do álbum, esta noção do anonimato e de não falar das personagens de forma concreta está bastante presente — como no “Doutor Coisinho”, que até podemos subentender sobre quem é, ou no “Paraíso Fiscal”. Isto foi propositado?
[Pedro] É propositado. Podia ser específico, mas teria o tempo de vida do momento, depois passa a história. E o “Dr. Coisinho”, se calhar vai haver mais Dr. Coisinhos que não especificamente aquele que está ali…
[Mitó] Eu acho que já há muitos, demasiados.
[Pedro] Isso proporciona uma leitura mais abrangente, não é só específico àquela personagem. Pode ser específico a um modo de operar, de ser. No “Testa de Ferro”, eu pensei em alguém, mas é fixe esse espaço estar em aberto. São mais a vestir a casaca. Quanto mais a carapuça conseguir ser enfiada em várias pessoas que têm essa prática, o nosso papel fica mais cumprido.
Como têm sentido o acolhimento por parte do público ao longo dos concertos que foram fazendo este ano?
[Luís] Tem sido fixe. Há muita gente que não conhece, e concerto a concerto a coisa tem crescido. Já sentimos muita gente a cantar as canções. Tem sido uma descoberta boa. Estamos mais seguros, e pouco a pouco, o concerto está-se a aproximar do ponto de rebuçado.
[Pedro] Faço a comparação com o abrir um comércio. Aquilo que temos sentido é que tem havido o boca a boca. As pessoas passam e trazem mais gente. Isso é notório, e depois também vamos apanhar algumas pessoas de surpresa, e o impacto nota-se logo nas redes e na interação que as pessoas têm connosco.
Houve alguns concertos que vos marcaram mais, por alguma razão?
[Luís] Temos tido a felicidade de, no primeiro ano em que lançámos o disco, tocarmos em palcos que são muito fixes.
[Mitó] O Bons Sons, para mim, foi muito fixe. O Avante também foi ótimo.
[Luís] Sines foi muito fixe, também.
[Mitó] A Amadora, na semana passada, também foi ótimo.
[Pedro] O primeiro concerto, a nossa estreia, foi em Braga, no Theatro Circo, que é um luxo e é uma sala enorme. E de repente temos a sala cheia.
[Mitó] Nós temos tido muita sorte…
[Luís] E já fizemos assim vários checks.
[Mitó] Avante, Bons Sons, FMM, Sines, o MED em Loulé.
[Luís] E já fizemos umas salas importantes. Agora vamos fazer o São Luíz, vamos a Guimarães, ao Centro Cultural Vila Flor. Fazer no mesmo ano o Vila Flor e o Theatro Circo é uma grande pinta.
[Pedro] E depois temos canções, já novas. Estávamos a trabalhar nisso, e estamos à volta de uma canção que ainda não está bem clara, mas vai lá.
Sobre o que é que fala?
[Mitó] A que estivemos a trabalhar mais fala sobre a humanidade.
[Pedro] Não, não, era a última.
[Mitó] Ah, a “Nossa Senhora da Alienação”.
[Luís] É a santa protetora dos alienados.
Como tem sido o caminho de perceber, de uma forma um pouco mais consolidada, o que é que Cara de Espelho é em termos mais sonoros?
[Pedro] É uma questão que estamos sempre a pôr e ainda agora estamos a ver isso. São várias cabeças pensantes e que sentem a música em vários graus e sensibilidades. É tentar encontrar caminhos em que a música está sempre em primeiro lugar. Fizemos esse exercício no primeiro álbum, em que chegámos a um sítio fixe e em que se percebe o universo de toda a gente sem vincar nada em particular. As canções novas que vimos ao vivo já não foram trabalhadas em casa, mas em sala de ensaio, em que cada um já tem a sua expressão, e de repente, acho que a coisa vais ser natural e vai ser cada vez mais fácil chegarmos a um sítio.
[Mitó] Ajuda muito nesse processo. Nós só começámos este ano a tocar ao vivo, e com muito mais rapidez vamos ganhando o nosso caráter todos em conjunto. Apesar de já nos conhecermos uns aos outros, nunca tínhamos tocado todos juntos, apesar do Carlos Guerreiro e o Serginho já terem tocado. Eu não, com nenhum deles. Estamos agora a descobrir o nosso caráter e o “ao vivo” aí tem um papel muito importante. Chegamos lá muito mais rápido do que chegamos numa sala de ensaios ou a gravar. E como estava a dizer o Luís, estamos a chegar lá e o concerto está a ganhar força também por isso. A nossa identidade está-se a aprimorar.
[Luís] E este disco vai ser um disco feito como banda que está na estrada, enquanto no outro ainda não tínhamos tido essa experiência. E apesar de termos gravado o outro disco com um quarteto de base, só as coisas do Carlos foram trabalhadas à parte. Foi um quarteto base em que eu, o meu irmão e o Sérgio tínhamos tocado muito, com Deolinda; o Nuno não, e acho que hoje já estamos muitos graus acima.
Vocês já são pessoas com bastante maturidade artística, especialmente o Carlos, que tem um background também bastante amplo. Como é que tem sido para vocês este processo de ligação, tendo em conta que alguns até vinham de universos musicais distintos?
[Luís] Nós temos um bocado aquele bichinho da canção, e isso torna as coisas mais fáceis. O espaço que estamos a trabalhar não é um espaço para esgrimar egos, mas para encontrar uma ideia fixe que funcione para a canção. Por estarmos todos mais ou menos alinhados nesse objetivo, torna o caminho muito simples. Se um tipo diz “olha, não gosto especialmente disso”, vamos tentar encontrar outro.
[Mitó] Mas pronto, também não vamos negar que o ponto de partida sempre são as letras e as músicas do Pedro.
[Pedro] E o que dá gozo é que, de repente, as minhas letras e as músicas vão ser muito bem tratadas por toda a gente. E tenho a máxima confiança em todas as pessoas envolvidas no trabalho. Neste processo até fiz muita coisa, gravei muitos arranjos específicos, mas que não têm nenhuma validade porque depois vêm as outras mãos e o Carlos Guerreiro vai, por exemplo, meter a colher dele lá naquilo, misturar aquilo tudo…
[Mitó] Vai fabricar instrumentos para aquilo…
[Pedro] E, de repente, ele sabe que nós também vamos pegar naquilo outra vez e vai ser uma coisa diferente daquilo que ele traz.
[Luís] No disco houve canções… Nós gravámos mais três ou quatro?
[Pedro] Só gravámos mais duas.
[Mitó] O da denúncia, e o “Ele Não Existe”?
[Luís] Não, não. Era mais uma.
[Mitó] Ah, o “Já Vou”.
[Luís] E não entraram porque não ficaram contentes com o resultado. E acontece, são processos. Às vezes há canções que demoram mais tempo a chegar a um sítio que nos agrada. Outras não estão lá. Outras não cabem no universo de um disco. Faz parte e é um processo super fixe. Tocar dá muito gozo, ver a reação das pessoas, mas também estar nesta fase a encontrar caminhos, decidir ideias. É espetacular.