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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/02/2025

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Janeiro 2025

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/02/2025

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do R&B, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo através das visões gélidas do trap ou do drill.


[Norman Sann] The Audition

Nunca uma audição foi tão pouco stressante e tão divertida. The Audition é o 5º projeto de Norman Sann, texano que, no ano passado, surgiu imponentemente em cena com 3 discos depois do seu primeiro em 2023. Com uma forte aposta na imagem — os videoclipes, as capas dos discos, os photoshoots, os reels de Instagram transparecem todos uma atenção ao destalhe tremenda — e um talento supernatural para manobras perigosíssimas de troca de flows, talvez tenhamos encontrado um dos próximos nomes incontornáveis do game

A aura do disco leva-nos para o início da década de 2010 — nota-se uma boa disposição inegável e uma vontade de criar arte que carregue a personalidade gigante de Norman. Contém-a na sua voz versatilíssima e não a esconde, sendo irresumível a quantidade e variedade de flows, os temas que aborda nas suas canções e até na maneira como aborda a sua escrita. As beats tanto percorrem melodias naturais do jazz como representam 808s com toneladas de peso, de vez em quando aproximando-se a uma estrutura formulaica. Apesar disto, a maneira como esta estrutura é interpretada e modificada é numa de brincadeira, quase de travessura, manuseando as expetativas que nos vão sendo impostas de uma forma muito, muito cativante.

The Audition talvez seja um dos mais orelhudos álbuns que passaram pelo Burburinho. Sentimos que é importante para o nativo de Houston que os seus ouvintes mexam o corpo, e reparamos “Low Vibrations”, “Let’s Be Honest” e “Money Dance”, a faixa final do disco, como expoentes máximos desta prioridade. Sann sabe brincar muito bem com a sua música. Esperemos que tenha sido escolhido para o papel que ambicionou.


[Fredro Starr] Soul

Fredro Starr é provavelmente mais conhecido como Bamboo do filme Strapped, Elvis “Go” Atkins no Clockers de Spike Lee, Shorty Doo-Wop no Sunset Park de Steve Gomer, ou por outros tantos papéis que o multifacetado nova-iorquino foi acumulando na sua filmografia. No entanto, é em 1988 que o seu nome surge em destaque na música pela primeira vez, quando é contratado como parte do grupo Onyx para a editora JMJ Records, fundada por Jam Master Jay, o lendário membro dos Run-D.M.C. Desde então, já lá vão 7 discos e mais do que duas mãos-cheias de outros projetos.

Neste Soul, retorna para uma meia hora de boom bap puro e duro, de voz grossa, rimando de forma pujante e com um timbre de quem já cá anda há muito tempo. Nem uma carreira na máquina de Hollywood retira a alma de quem nasceu para “cuspir”. Pausado quando precisa de o ser, soletrando todas as suas sílabas, sempre contundente, criando para deixar todo o magnífico sample work presente em todas as faixas do disco, inteiramente produzido pelo próprio — algo que ele eleva em “Hold Me Down”, nomeando uma mão-cheia de rappers que produzem os seus instrumentais num momento solene do álbum. São batidas que conseguimos apenas comparar a uma refeição num restaurante com estrela Michelin (ou o que imaginamos ser uma refeição num estabelecimento dessa categoria): todos os seus elementos estão ali, naquele sítio e naquele tempo, exatamente porque fazem o máximo de sentido possível apenas e só ali, reunidos naquele sítio e naquele tempo. Se são apreciadores do trabalho — talvez o mais importante — de um artista de hip hop em que o seu pano de fundo não apenas complemente mas seja parte fulcral da sua música, então vão comer e chorar por mais deste Soul. De nós, seguem para vocês estes dois parágrafos. De Fredro Starr, segue para vocês meia hora de música a transbordar alma.


[Eddie Kaine & Rim] Welcome To StuyVille

Da capa até à última faixa, Welcome To StuyVille transporta-nos para uma outra década do hip hop. Uma mais agressiva, menos polida, mais espontânea, menos controlada. Os nossos chauffeurs são Eddie Kaine e Rim. São, naturalmente, de Brooklyn — StuyVille é um portmanteau de Bedstuy-Stuyvesant e Brownsville, os bairros que originaram os nossos dois condutores. E só de Nova Iorque poderia sair algo assim tão intemporal, mesmo que aponte para um passado menos industrializado da indústria. 

Convidaram os produtores Camoflauge Monk & 38 Spesh para criarem os ambientes panorâmicos para um boom bap tradicionalíssimo, carregadinho de samples de instrumentação orgânica, uns quantos trechos de vocais de jazz, com algumas tomadas de decisão arriscadas em beats sem percussão.

O duo e os seus convidados (a notar: Che Noir, Hus KingPin, Benny the Butcher, Kurupt) não se inibem em fazerem o que fazem melhor, o que sempre soubemos que faziam bem — rimar. Chegam ao come up apesar de todas as probabilidades apontarem para o contrário, o dinheiro chove quando a meteorologia apontava para nevoeiro, estão em constante necessidade de prontidão para servir a sua comunidade seja de que maneira for, e possuem dentro de si todas as capacidades necessárias para aumentarem ainda mais a sua reputação. Sabemos isto tudo porque eles o dizem, e o tom com que eles o dizem é muito convincente.

Não acreditamos que constará em muitas listas de final do ano. No entanto, acreditamos que muitas das faixas neste projeto vão continuar a ser rodadas deste lado. E acreditamos também que se derem 35 minutos a Eddie Kayne e a Rim, também vocês se sentirão muito bem-vindos a StuyVille.


[Be Manic  & dylantheinfamous] SHED

Podíamos passar horas e horas na Internet a tentar decifrar a identidade de Be Manic (ou de Manics, como se apresenta nos vídeos no YouTube). Sabemos que vem de Birmingham, mas de resto, chega-nos a música por enquanto. Relativamente ao outro autor do disco, dylantheinfamous tem feito o seu nome rodar pelo game do Reino Unido, portanto fiquemo-nos por aqui em termos de identificações e vamos ao que importa: o som.

Pouco arejado, denso, nebuloso. Todas estas descrições que pintam uma ambiência difícil de descrever, cujos detalhes mudam de segundo a segundo, se aplicam a SHED. As beats são tecidas com o que nos soa a três milhões de camadas diferentes de reverb, entre as quais vamos ouvindo um sample work sentimental, disfórico, dissonante, funcionando sempre como apoio à lírica que nos soa condenada a um desespero e a uma morbidez muito ingleses, também ela escondida atrás de graves pujantes e incessantes. O projeto tem 16 minutos, portanto sentimos que esta parca descrição vos chegará: em termos de conteúdo, ouvimos um trabalhar de uma temática clara, por sinal com bastante habilidade, e em termos de identidade, pouco temos para onde vos levar com estes dois. Como curiosidade, a divisão de trabalhos neste projeto é interessante: o rapper toma conta dos raps (perdoem-nos o pleonasmo), do mixing e do master; o produtor, tudo o resto. Dentro de uma barraca muito se faz.

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