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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/03/2025

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Fevereiro 2025

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/03/2025

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do R&B, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo através das visões gélidas do trap ou do drill.


[Smif-N-Wessun] Infinity

Diretamente de Brooklyn, depois de 33 anos de carreira, Tek e Steele, mais conhecidos como Smif-N-Wessun, Cocoa Brovaz ou Tek-N-Steele, lançaram aquele que é apenas o seu 7º disco. No entanto, notam-se bem os calos nas vozes de ambos. Apesar desta curta introdução, os dois já são parte de uma geração respeitadíssima nos anais do hip hop, e merecem sempre a atenção que lhes é dada. 

Cresceram com o game (têm inclusive um EP de reggae de 2013) e as batidas equilibram-se entre a alma mais antiga do género com samplework que não adjetivávamos com menos do que “clássico” e o novo boom bap com as arestas limadas, os kicks matematicamente programados e os snares exatamente onde precisam de estar.  São muitas histórias para contar e ficamos com fome de mais depois dos 46 minutos deste disco; é um projeto de adultos e com uma tendência para recordar tempos mais difíceis enquanto evocam a felicidade de onde estão agora, de como lá conseguiram chegar e de quantos trouxeram com eles. 

A química é óbvia e trabalhada há décadas — o expoente disso vai para a destacada “Elephant in the Room”, onde os dois rappers trocam barras dentro de versos com uma naturalidade incrível. E quando é tão claramente orgânico entre os dois criadores, todos os convidados encontram o seu espaço neste Infinity muito facilmente. Pharaohe Monch, Prodigy, Conway the Machine, Sean Price ou Maverick Sabre estão todos presentes para representar as diferentes eras do hip hop game que os Smif-n-Wessun atravessaram e fazem um trabalho adequado à imponência do seu nome numa lista de créditos arrojada. Até ao infinito.


[Nardo Wick] WICK

Nardo Wick já deve ser um nome na periferia de muita gente que presta atenção ao trap game, mas trazemo-vos este WICK para vos dar mais um sinal de que valerá a pena dar uma escuta ao floridiano. Em conversas com amigos, comentamos o fato de Wick soar malévolo — e não o esconder. O paradoxo brota aí. Apesar deste tom maléfico percorrer muitas das faixas do disco com as intenções costumárias ao trap oriundo da Flórida, fá-lo também muito introspetivamente; não é pouco impactante a lírica emocionada do rapper, tanto a falar de amores perdidos, amores obtidos, perdas inesquecíveis, dores causadas e dores sentidas, um desespero que mesmo através do seu timbre monocórdico ressoa até nós.

E continua o paradoxo, pois ressoa por cima de rage constante com refrões que por vezes consistem de apenas uma frase repetida incessantemente, intercalada com samples vocais melancólicas e neuróticas. Escolhemos interpretar este segundo disco de Wick como uma autobiografia que conta uma jornada entre os altos mais montanhosos e os baixos mais deprimidos, e tudo o que vem no meio desse constante movimento. 

Últimas notas para o lançamento oficial de “Back 2 Back”, com Future & Southside, uma das quatro faixas com convidados do projeto, que celebramos efusivamente, e para a goofiness de 21 Savage em “HBK” — “I’m the heart break king / I break hearts left and right”. 


[Eem Triplin] Melody of a Memory

Nascido em 2001, Eem Triplin demora apenas 16 anos para lançar o seu primeiro projeto: Too Broke to Celebrate Khristmas. Desde 2017 até agora, o artista e produtor da Pennsylvania não tem poupado esforço nem suor para oferecer o que faz de melhor ao mundo. Depois de parar um pouco em 2024, volta em 2025 para lançar este Melody of a Memory, o 8º projeto na sua discografia. O caminho que vem traçando tem sido divertido e este LP representa um pouco a culminação do seu percurso — um primeiro álbum que concentra as ideias que veio desenvolvendo até agora numa só experiência focada, concetualmente interessante e cheio de vontade de abanar um pouco mais as fundações. 

Hip hop coladinho ao R&B, sem decidir permanentemente por um dos géneros, navegando entre batidas etéreas em que as punchlines ecoam através de um vazio, puxando do trunfo eterno que são 808s a acompanhar instrumentalização natural, distorcendo as melodias e criando imagem mentais turvas e emocionais, reverberando-se a si próprio através das frequências do som. Sentimos aqui semelhanças às primeiras experimentações menos agressivas de Tyler, the Creator, aproximando-se das mesmas sensações e das mesmas cores que o californiano percorreu há cerca de 10 anos. Caso sejam fãs, não percam este. Acreditamos deste lado que a jornada de Naeem Muhammad ainda tem muitos anos pela frente, e muita música também.


[Papo2oo4] WINNERTIME 2.0

Ter a voz certa, adotar o tom correto e perceber a cadência que lhe cabe é de extrema importância para cada rapper. Papo2oo4, mais um nova-iorquino a fazer ondas no game, agregou as três de há uns anos para cá e tem vindo a carregar este fardo de concentrar em si uma força descomunal para cuspir rimas. 

Inicia o ano de 2025 com WINNERTIME 2.0, um esforço colaborativo com o produtor e, mais importantemente, seu amigo e colaborador de longa data, Subjxct 5, de laia nova-jersiana. Os dois criam paisagens brutalistas de crime, de monarquia boom bapiana, edificam uma mansão em que todos os corredores são apenas alumiados por uma luz fria que oscila entre ligada e desligada. Em cada sala deste palacete obscuro, uma oferta de struggle raps portentosos, muitos deles com menos de 2 minutos, diretos ao assunto e com pouco tempo para respirar em cada um, suportados por uma panóplia de beats que inovam ainda mais na corrente opressivamente detalhada e experimental que tem dado pano de fundo a rappers como Earl Sweatshirt, MIKE, Pink Siifu ou MAVI. São sintetizadores vacilantes, samplework psicadélico, percussão descentrada e desconcentrada, tudo isto complementado por uma tonalidade vocal que preenche todos os lados dos nossos tímpanos. O tempo é frio, mas é dos vencedores. Prestaremos atenção a WINNERTIME 2.0 quando a altura das listas chegar.

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