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BK

Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer

Gigantes / 2025

Texto de Adailton Moura

Publicado a: 04/02/2025

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É inegável que a música popular brasileira (MPB) seja uma das mais (senão a mais) cobiçadas pelos beatmakers, produtores e DJs ao redor do mundo. Por isso, não é raro ser surpreendido por trechos de algum clássico esquecido em singles e álbuns de medalhões do rap — os estadunidenses, principalmente —, reprensagens piratas na Europa ou remixes em sets nas pistas de dança (tornou-se quase que uma commodity nacional). Foi a partir do uso desses samples que alguns artistas brasileiros conseguiram reavivar trabalhos, que na época em que foram lançados não tiveram a devida atenção. O caso mais conhecido é de Arthur Verocai, mas pode colocar nessa lista Di Melo e Cassiano

A cultura (e a arte) de samplear faz parte das bases do hip hop. Não tem como desassociar. Porém, tratando-se de recortes de MPB por rappers do Brasil, a história muda. Nem sempre é possível usá-los de forma explícita sem ter autorização do(s) detentor(es) dos direitos. E mesmo quando fica descaracterizado e é descoberto, a negociação não é tão fácil quanto parece. Djonga teve que mudar a música “Eterno” depois de ser notificado pelo filho do Tim Maia pelo uso “indevido” de “Contacto Com o Mundo Racional”. Tentaram um acordo, mas não aconteceu. Baco Exu do Blues teve que tirar do ar “Oração da Vitória”, de Esú, após notificação da equipe do Milton Nascimento. Assim, para que não aconteça problemas futuros, os MCs evitam a dor de cabeça. 

Essa questão voltou à tona com o disco Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer (DLRE), do BK, gerando discussões no X. O próprio rapper afirma que DLRE “é um retrato da riqueza da música brasileira”. Outros decretaram que ele faz um resgate e até a ressignificação dessa musicalidade. Pela relevância que conquistou no rap, e até fora dele, sendo hoje uma das grandes referências da sua geração, Abebe Bikila Costa Santos pode ser um meio para que a obra de alguns desses artistas chegue até o seu público, formado majoritariamente por adolescentes e jovens. Isso não quer dizer que não exista uma valorização da MPB no rap BR. Talvez um dos que mais faça essa conexão (de “brasilidades” e rap) seja Marcelo D2, em especial com o samba. Mas BK faz parte de uma “escola” que cada vez se afasta mais dos preceitos do hip hop. Também possui outras inspirações, o que o diferencia dos seus contemporâneos. 

A forma com que desenvolve as ideias é conhecida. Possui uma identidade que dificilmente será modificada. É como um Basquiat, Frida, Van Gogh. Ao bater o olho você sabe de quem é a autoria. Com ele acontece o mesmo. O reflexo não está somente no jeito que interpreta, mas também nos temas que aborda. Se ele mudar, deixa de ser o que é. 

Nos 52 minutos e 22 segundos do disco, BK não traz tantas novidades na lírica. Os assuntos que trata (superação, autoafirmação, autoestima, egotrip, relacionamentos e as indiretas)  já foram abordados nos álbuns anteriores, só que de outras maneiras. É um igual, mas diferente (parafraseando Amiri Baraka). E essa diferença está principalmente na produção, que não se limita ao uso de samples. Porém, se faz necessário dizer que as tracks foram mal distribuídas, interferindo assim na fluidez da primeira parte do álbum. 

O fluxo melhora logo depois do interlúdio “Monstro”, que serve como divisor de Lado A e Lado B. No A, os recordes servem como guia para o direcionar as 7 músicas iniciais. Todas elas, exceto “Medo de Mim”, começam da mesma maneira: com os trechos do cancioneiro nacional servindo de refrão. Algumas são conhecidas, outras nem tanto. Puxada por canções de Karma e Djavan (que deu a benção dele), a parte em que os samples dominam ainda tem Milton Nascimento, Evinha, Luciana Mello e Fat Family. Talvez pela negociação da concessão dos direitos, todos entram como feats — isso pode ter gerado alguma confusão, porque muitas pessoas acharam que seria uma parceria de fato, principalmente com Djavan e Milton — e co-autores na composição. Além disso alguns títulos são os mesmos ou aproximados dos originais.

Inegavelmente, a pesquisa e a curadoria foram apuradas. Nada está solto. Porém, as execuções, mesmo feitas por produtores diferentes, seguiram um mesmo padrão. Essa sequência pode ter quebrado a fluência, porque não tem grandes variações.

Por outro lado, as bases instrumentais estão impecáveis. A escolha dos produtores se mostrou assertiva. Dessa vez, o JXNV$ não está totalmente na linha de frente da produção da maioria dos sons, apesar de ser co-produtor de todas elas, que são arquitetadas por Deekapz, Nansy Silvvz, Theo Zagrae, Sango, Aidan Carroll, Kizzy, Ruxn, PAULODK, Kolo Gana e FYE. A diversidade trouxe mais cores. E para além do uso de fonogramas e beats eletrônicos, também inseriram linhas de cordas e naipe de metais em boa parte das músicas. Uma atenção para os riffs e solos da guitarra do Mackson Kennedy, um dos mais talentosos guitarristas do Brasil, em “Você Pode Ir Além”, e o cavaquinho do Pretinho da Serrinha em “Não Adianta Chorar”. Na verdade, todas as participações vocais contribuíram para criar essa coloração, às vezes densa e em outros momentos vibrantes. Borges e Luedji Luna brilharam em “Acima Das Nuvens”, a mais impactante do disco, por todo o conjunto (música, letra e interpretações). O mesmo aconteceu com Melly em “Ninguém Vai Tirar Minha Paz”, que tem também Milton Nascimento, e MC Maneirinho na última “Mandamentos”. 

Com o nível elevado pela estética, BK contribui para que o rap atual valorize mais o processo construtivo, prezando pela qualidade e solidez em todos os quesitos. Tanto é que gerou diversas conversas em relação ao tipo de rap que tem sido feito nos dias de hoje. Não que seja de todo ruim, muito pelo contrário. Porém os bons não têm a mesma visibilidade que BK conseguiu pela constância e consistência da sua discografia. Por esse motivo, dentro do que podemos considerar mainstream — se é que ele de fato exista — BK é um dos mais relevantes atualmente. Chegou a um lugar que todos querem ao menos estar perto.


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